20.8.09

Henrique da Paz esbanja talento na tela paraense

As gravações da minissérie “Miguel Miguel” encerraram no domingo, 16. Foram dias intensos e deliciosos, nos quais além do trabalho de continuidade, pude exercer o que mais curto, a entrevista, com a oportunidade de falar com as pessoas diretamente nos bastidores da cena. Hoje publico a entrevista com um dos protagonistas, Henrique da Paz.

A filmagem da última seqüência da minissérie Miguel Miguel, teve como locação o Armazém Santo Antonio, situado na Trav. Quintino Bocaiúva, entre Braz de Aguiar e Avenida Nazaré, em Belém (PA), e reuniu, além de figuração, os personagens Miguel (Nego Nelson) e Varão (Henrique da Paz). Foi talvez, para a equipe, uma das mais difíceis seqüências de serem feitas, pois exigia de Nego Nelson, o maior texto de seu personagem.

Além disso, pela escolha estética da fotografia, corria-se contra o tempo. A luz estourada do dia, visto através das portas de vidro da locação, era ponto chave para o final da série, inspirada na novela homônima de Haroldo Maranhão, com adaptação de Roger Elarrat e Adriano Barroso. A urgência em se obter resultados antes do final da tarde, fez com que alguns planos ganhassem nova concepção, facilitando a atuação de Nego Nelson, que estava estreando como ator. 

O fim das gravações, dá início a um outro processo que será mais demorado ainda que a etapa de filmagem. A edição das imagens e de som deve levar alguns meses até a finalização e a exibição da minissérie, na TV Cultura do Pará, principal fonte de financiamento da obra, por meio de edital para minisséries. Durante todos os dias em que estivemos juntos, foi uma grande oportunidade que tivemos em conviver com grandes atores que conhecia mais da atuação do teatro, como por exemplo, Henrique da Paz, cuja trajetória inicia em 1967, em Icoaraci, onde, dois anos depois, ele fundou o Grupo GRUTA de Teatro, no qual ele atua como diretor e ator até hoje.

“Foram anos difíceis. Ditadura. Censura. Nada disso me desanimou e continuei a fazer teatro, participando de todas as produções do grupo. Em 69 comecei a participar de espetáculos não só em Icoaraci, mas também em Belém, no Grupo Experiência. Desde então tenho atuado no GRUTA, não só como ator, mas também como diretor”, diz ele com ar que me lembra de certa forma o próprio personagem Varão, que ele interpreta na minissérie, afinal é necessário esse ar de loucura para mantermos nossas convicções.

Em 1977, Henrique da Paz passou a fazer parte do Cena Aberta, grupo célebre em Belém, onde atuou até o ano de 1985 para, no ano seguinte participar da reativação do GRUTA, que estava sem atuação desde 1980. Cinco anos de hiato para dar início a uma nova fase para o grupo, desta vez em Belém. A experiência com o cinema conta com  participações em curtas e longa, mas nada foi igual ao que ele acaba de viver na minissérie Miguel Miguel, como ele ele mesmo nos diz na entrevista a seguir.

Holofote Virtual: O cinema é coisa nova para a maioria dos atores paraenses, quase todos com experiência unicamente nos palcos. O que mais te chama atenção sobre atuar no palco, ao vivo, com a plateia ali, pulsante, e para uma câmera, sabendo que o público só vai ver uma emoção, muitas vezes fragmentada, depois?

Henrique da Paz: O que me chama a atenção é o fato de que ao atuar no teatro, o ator, mesmo com toda a preparação (ensaios), sofre influências da platéia, por se tratar de um espetáculo ao vivo e, portanto, passível de ser afetado pela energia que emana desta. 

No cinema o ator constrói o personagem, estabelece as pulsações deste e é uma coisa definitiva, ou seja, diante da câmera o ator não tem resposta direta da energia que emana, então essa pulsação e a troca de energia é feita com ele mesmo como num circuito circular diante da câmera, que funciona como um "voyeur" que observa e capta essa energia, que será mais tarde manipulada, resultando numa exacerbação ou minimização da mesma.

HolofoteVirtual: Além deste filme (minissérie) e do Chupa-Chupa (DOCTV-2006), já havias feito outro trabalho audiovisual? 

Henrique da Paz: A minha experiência nesta área do audiovisual é pequena, com relação ao teatro, ofício que exerço há 40 anos. Essa experiência tem sido muito rica e prazerosa, pois tanto no cinema como no teatro, respeitadas as diferenças de linguagem, eu atuo. Além do Chupa Chupa, atuei em outros filmes, como: “Matinta Perêra”, “Araguaya, a Conspiração do Silêncio”, “Andar às vozes”, sempre em elenco de apoio. “Miguel Miguel” é a minha primeira experiência como protagonista. Embora a minha formação tenha sido no teatro, acho o ofício do cinema fascinante.

HolofoteVirtual: Foram trabalhos diferentes deste, como o Chupa-Chupa, que foi documental...

Henrique da Paz: É, foi. No Chupa Chupa, que é um documentário, não existe o protagonista, mas sim vários personagens envolvidos nos acontecimentos que o filme relata. Eu fiz um desses personagens (o prefeito da cidade) e para tanto, não houve uma preparação anterior às filmagens e por isso, eu apenas representei um personagem real, baseado em fatos reais, portanto eu diria que foi uma atuação "brechtiana".

HolofoteVirtual: Como protagonista, desta vez, a experiência te exigiu um trabalho maior de ator. Como foi esta preparação?

Henrique da Paz: No “Miguel Miguel” a metodologia foi outra. Houve uma preparação detalhada, com o objetivo de materializar um personagem fictício e para isso contei com o preparador de ator Adriano Barroso e também com a minha parceira de cena e também protagonista Yeyé Porto. Iniciamos esta preparação com leitura da obra de Haroldo Maranhão e do roteiro e, após a improvisação das cenas, já colocando nelas as conclusões tiradas das várias conversas e discussões que tivemos sobre os personagens e sua trajetória dramática. Quais as tuas afinidades com o cinema, sem a postura de ator?

Holofote Virtual: Quais tuas afinidades com o cinema?

Henrique da Paz: Sempre apreciei o cinema. Curto cinema desde a infância. Sou da geração do cinema e do "gibi", das vesperais com seus seriados. Depois, com a descoberta dos grandes diretores Luis Buñuel, Fellini, Pasolini, etc..., do cinema de arte, passei a ver o cinema com outros olhos e outros interesses. Mesmo muito antes de sequer pensar em ser ator, já curtia o cinema. E hoje, muito mais que antes continuo curtindo a magia do cinema.

Holofote Virtual: Já conhecias a novela 'Miguel Miguel'? Conhecestes, em vida, o Haroldo Maranhão?

Henrique da Paz: Já conhecia de ouvir falar. Conhecer, ler, só agora. E não conheci o Haroldo Maranhão em vida, o que é uma pena.

Holofote Virtual: Qual a emoção mais forte do Varão, do texto dele? Quem é o Varão para o Henrique?

Henrique da Paz: A maior emoção de Varão é a constatação da inutilidade do seu bem maior que é a sua coleção de obituários, que serve de preenchimento à sua vida vazia, reclusa. Além do que, os obituários servem como suporte emocional e referência personal. Pois como diz o personagem, "os obituários são como eu, diretos sem adjetivos".

Holofote Virtual: Num filme, o ator precisa das continuidade às emoções. Não é exatamente assim, no teatro. Já te habituastes a isso? Como concentras teu trabalho para obter êxito?

Henrique da Paz: Uso minhas técnicas pessoais para manter o personagem, embora isso no cinema seja mais difícil do que no teatro. É necessário uma concentração maior, para abstrair tudo o que acontece ao redor e essa concentração deve ser iniciada, no momento da maquiagem, da colocação do figurino, até o momento de entrar no set e daí para frente, até o "corta", é uma pulsação contínua.

HolofoteVirtual: Neste trabalho, atuas com outros colegas como o Ailson Braga, Olinda Charone, Paulo Marat. Isso te deixa mais à vontade, ou no cinema isso importa menos que no teatro?

Henrique da Paz: No cinema, o fato de contracenar com pessoas conhecidas ou não, importa menos que no teatro. O mais importante é o jogo emocional que se estabelece e que dependendo do nível, pode fazer crescer ou diminuir a cena.

HolofoteVirtual: Yeyé Porto é uma atriz da tua geração. Varão e Úrsula fazem as cenas mais intensas da minissérie, como protagonistas. Vocês dois parecem afinar-se bem. Como tem sido este dia-a-dia no set?

Henrique da Paz: Yeyé e eu sempre nos demos bem, desde o início dos trabalhos do filme. No set estávamos sempre a utilizar o texto dos nossos personagens, às vezes até de brincadeira, o que serviu para nos familiarizar com as falas e criar uma empatia maior com nossos personagens.


HolofoteVirtual: Ser dirigido no set. O Adriano (Barroso) tem feito “um ótimo trabalho” (parodiando o Varão, no texto). Vejo que há uma sintonia entre vocês. Isso vem da relação no teatro também?

Henrique da Paz: Sim. Eu já trabalho há muito tempo com o Adriano no teatro. Eu já o dirigi algumas vezes e ele à mim. Ele conhece muito bem minhas características como ator, e além do mais eu o considero um excelente criador. Tenho muito a agradecer ao Adriano pelas orientações que deu para a minha atuação neste filme.

HolofoteVirtual: O cinema é todo dividido, “hierarquizado”. Na estrutura, a equipe tem vários departamentos, são vários os detalhes etc... Como está sendo este teu contato e o teu entendimento disso tudo, como ator de teatro que és?

Henrique da Paz: Esse entendimento eu já tinha, pelo fato de já ter participado de outros filmes. Além do mais eu já trazia do teatro a disciplina de ator, que é muito importante não só para as realizações teatrais, mas também para ‘o fazer’ no cinema.

HolofoteVirtual: O que está faltando para termos mais impulso no cinema paraense, absorver mais elenco, uma vez que nossos atores são formados tão somente para o teatro?

Henrique da Paz: O cinema paraense, assim como as outras linguagens artísticas, necessita de políticas culturais mais efetivas e do apoio da iniciativa privada. Agora, com relação à absorção de elenco, eu não vejo muitas dificuldades, pelo fato de existirem na cidade, muitos bons atores de teatro, que é a base de tudo.

HolofoteVirtual: Terminado o set da minissérie, quais os projetos para o teatro... ou será que já tem outro filme em vista?

Henrique da Paz: Não, não tenho outro filme. Projeto para o teatro, sim. O meu grupo (GRUTA) está em fase de discussão à respeito de várias idéias de montagens, mas nada ainda definido. Quanto à minissérie, minhas expectativas são as melhores possíveis. Acredito no sucesso deste trabalho.

Um comentário:

ADRIANO BARROSO disse...

Lu, que entrevista maravilhosa. O Henrique é o grande ator dessa cidade, que, perdida em referencias tortas, teima em não reconhecer. mas quem tem a oportunidade e felicidade de ve-lo atuar entende o que é esse ofício maravilhoso do teatro. "o cara é bom, hein" e você, lu, como sempre "fez um ótimo trabalho"
beijos grandes e vida longa ao blog