17.10.24

Diálogo: protagonismo afro-indígena e periférico

Orquestra Sustentável do SESI abre o 
Diálogo: Economia Criatica - Conexões e
Colaboração
O Teatro do SESI recebeu nesta quarta-feira (16) a primeira edição do "Diálogo da Economia Criativa: Conexões e Colaborações".  Foram três painéis inseridos na programação do Festival SESI Cultura de Fé, que segue com atrações até dia 26 de outubro. 

O evento, que reuniu artistas, produtores, estudantes e público em geral, traçou um panorama sobre o contexto da área da economia criativa que, em 2020 (Dados da Firjan), alcançou 217, 4 bilhões representando 2,9% do Produto Interno Bruto.  

A programação iniciou com a apresentação da Orquestra Sustentabilidade, projeto do SESI, formada por estudantes da rede pública com idades entre 10 e  15 anos, na tarde de quarta-feira. Com a presença do cantor e compositor Pedrinho Cavallero, o grupo executou as composições em instrumentos feitos com material reciclável. 

Ao final do evento, a cantora e compositora Júlia Passos realizou um pocketshow apresentando composições recentes e a releitura de clássicos paraenses como Olho de Boto (Nilson Chaves e Cristovam Araújo) e Bom Dia, Belém (Edyr Proença e Adalcynda Camarão). 

Observar do presente um futuro melhor 

O primeiro painel foi "Economia e Indústrias Criativas" , sob a mediação de Felipe Fonseca Tavares, gestor do Observatório da Indústria do Pará, e que teve como palestrante o superintendente do Observatório Nacional da Indústria, Márcio Guerra.  

Na opinião de Guerra,  é urgente o debate sobre como agregar valor à cultura que o Pará produz e como os dados produzidos pela indústria podem ser referência. Na opinião dele, o estado é detentor de conhecimentos e sabedorias que podem se transformar em um ciclo de desenvolvimento marcante para a região e para o país. 

"Usar a arte a favor dos dados para poder gerar insights. Temos muitos dados disponíveis e o que se faz com isso? Como tomamos decisão? O que vai ser do Brasil daqui há 10 anos? É um pouco disso que a gente faz no observatório, observar o futuro e trazer essa discussão para o presente", completou Márcio.

A produtora Sônia Ferro, que também participou deste debate, compartilhou o contexto de como surgiu o projeto Lambateria, com 7 edições realizadas e que nasceu em contraponto ao desinteresse das casas e espaços de show de Belém aos ritmos como a lambada, a cumbia, o merengue. 

"Resolvemos então criar um espaço, fomos abraçados pela classe artística", disse Sônia. Na opinião dela, o surgimento da Lambateria e de projetos como o Festival Lambateria, que acontece na sexta-feira antes do Círio, dão voz aos artistas do Estado e fortalecem a conexão em rede. 

Raoni Silva, gerente de Suprimentos da Natura, também presente neste painel reforçou a necessidade de redes estruturadas como instrumentos de fortalecimento dos conhecimentos tradicionais das comunidades da Amazônia. 

"Os aromatizantes naturais já eram utilizados aqui o que a empresa fez, em conjunto com as comunidades, foi dar visibilidade, agregar tecnologia e promover geração de renda. A gente tem um desafio que envolve iniciativa privada, Estado e terceiro setor que é o de trazer mais tecnologia, fortalecer a geração de renda e agregar valor para a realidade Amazônica".

Mapemento, resistência e decolonialidade

O olhar para as próprias identidades e comunidades foram as estratégias encontradas pelo rapper Pelé e pela empreendedora Maynara, para criar, respectivamente, música e arte em cerâmica.

Ambos participaram do painel "Economia Criativa - Preparação e Legado COP30" que também teve a participação de Júlia Zardo, gerente de Ambientes de Inovação da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN).  A mediação foi feita pelo professor André Cutrim, economista e docente da UFPA. 

Pelé compõe, canta e é um dos criadores da Batalha do Crematório, que acontece no bairro da Cremação e reúne MCs da cidade movimentando a cena local e denunciando o raciscmo e a violência policial. Maynara é da família Santana, que mantém uma Olaria em Icoaraci onde ajuda a movimentar o conhecimento em cerâmica da família e da comunidade, fortalecendo uma rede local de valorização do trabalho dos mestres do lugar

Entre as ações da família Santana está o trabalho de formação do público, dos agentes que compõem a rede criativa mostrando o valor do trabalho dos ceramistas que, no início do ano 2000,  chegaram a vender peças por centavos. "Desde 2016 estamos retrabalhando esse tema. Educar o público, mostrar o processo feito pelo mestre de um conhecimento que preserva uma das tecnologias mais antigas do mundo", explicou. 

"Movimentar a cultura é o intuito da batalha de Mcs gerando uma economia pendular com o pessoal que põe a banquinha pra vender a comida, expor as roupas, a galera das redes produzindo vídeos. Estamos demarcando o nosso território com a nossa linguagem e precisamos aproveitar a COP para demarcar mais ainda", opinou. 

A produção musical do rapper combina hip hop com carimbó e tecnobrega, este último ritmo que por muito tempo foi e ainda é rejeitado pela elite paraense. "O que antes era rejeitado, a nossa cultura afro-indígena e periférica do Pará, é o nosso soft power", definiu. 

Essa potência criativa e cultural mobilizada por Maynara e Pelé, porém, pode não estar refletidas nos números da economia criativa do estado. É o que apontou Julia Zardo, que chegou em Belém antes do evento do SESI para acompanhar o Círio de Nazaré e ficou encantada com a força expressiva que se concentra em torno da festa. 

De acordo com pesquisa da Firjan de 2020 sobre economia criativa, a participação do PIB criativo do Pará no PIB criativo do Brasil é de 0,7%, por outro lado, a pesquisa aponta que  considerando todas as atividades econômicas o Pará representa 2,2% no PIB nacional. 

"Essa queda na participação do Pará no PIB criativo do Brasil não reflete a realidade que se vê aqui. Quando a gente chega no Pará a realidade criativa é outra, muito potente. A gente vê um acontecimento como o Círio de Nazaré que não condiz com essa estatística de 0,7%", observou Julia. Na opinião dela, os índices de soft power do Pará, como a cultura e as expressões criativas, precisam ser fortalecidas. "Fazer com que esses ativos intangíveis, a música, o carimbo, gerem valor para os seus produtos e serviços e que façam que isso seja destino dos turistas e de investimentos", afirmou.

Feira Preta, caminhos inovadores e cidades criativas

O empreendedorismo negro é uma realidade que tem o Instituto Feira Preta como um marco no Brasil. A idealizadora da iniciativa, Adriana Barbosa, foi uma das participantes do painel "Cidades Criativas: Entretenimento, Dados e Transformação Digital" juntamente com Ana Carla Fonseca, fundadora da Garimpo Soluções, empresa que coordena diversos projetos na área da economia criativa e é uma das principais autoridades no tema.

A mediação da mesa foi feita pela jornalista Adelaide Oliveira, da equipe gestora do Circular e presidente da Associação Circular Cidade Velha e Campina. Usando o exemplo do Mapa do Afeto, criado em 2018 pelo projeto Circular na Cidade Velha, em Belém, Adelaide abordou com Adriana Barbosa e Ana Carla Fonseca a importância da ocupação dos territórios e a valorização das memórias dos lugares.

Adriana afirmou que até hoje "briga" em cada lugar que vai ocupar. "Nesse processo com a Feira Preta aprendi que em São Paulo estavam demarcados os lugares onde a população preta teria que ficar e que seriam apenas lugares na periferia", lembrou.  

Atualmente sediada no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, a Feira tem reunido cerca de 60 mil pessoas a cada edição redescobrindo histórias e personagens. "Os espaços contam as histórias e é preciso trazer à tona essas memórias. Hoje a Embratur tem um roteiro de turismo afro e quem faz parte são pessoas contando as histórias dos lugares", completou Adriana.

Ana Carla Fonseca trouxe para o público alguns exemplos de ocupação e desenvolvimento de território a partir de iniciativas comunitárias e também institucionais. 

Citou o Mapa da Energia Criativa do Vale do Paraíba, onde o conhecimento de alguns moradores das cidades situadas ao longo da Via Dutra se transformaram em potências criativas, promoveram geração de renda e se transformaram até em um jogo, em forma de tabuleiro, em que os participantes conhecem as cidades, o negócio dos moradores e fortalecem o aprendem sobre o empreendedorismo da região. 

De acordo com Ana, o mapa da energia criativa trouxe à tona a sabedoria da cidade e transformou em empreendedorismo o conhecimento de cada um dos participantes. "Inovando, reconhecendo a própria riqueza do território e fortalecendo a atividade turística seja através de um queijo premiado, a música que dialoga com o lugar, uma cultura secular plural e viva", contou. 

O Festival segue com atrações

O Festival SESI Cultura de Fé prossegue até o dia 26 de outubro quando a Orquestra Sustentável SESI encerra a programação com o show "Amazônia Musical: A Força do Coração Tambor" e a participações especiais. 

Dia 18 de outubro, às 20h, acontece o show "Ser do Norte – Trilogia" com Lucinnha Bastos, Nilson Chaves e Mahrco Monteiro. No dia 19, às 20h, será apresentado o espetáculo "Solo de Marajó" com Cláudio Barros com texto inspirado em histórias do escritor paraense Dalcídio Jurandir. A programação segue até dia 26, quando encerrará com a apresentação completa da Orquestra Sustentável do SESI (entrada franca). Os ingressos para os espetáculos podem ser adquiridos no SYMPLA.

(Holofote Virtual, com reportagem de Railídia Carvalho / Fotos: Luciana Medeiros)

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