O primeiro disco do poeta, letrista e compositor paraense Dand M. já pode ser ouvido em todas as plataformas de streaming da música e, no próximo dia 25 de novembro, terá audição pública, a partir das 20h, no Quiosque do Horto Municipal, em Belém, com direito a pocket show. O ator, encenador e professor Alberto Silva Neto o comenta, a seguir.
Dand M. não veio ao mundo a passeio
Por Alberto Silva Neto*
Acredito ser prudente começar avisando que não sou crítico. Nem de teatro – minha área de atuação como artista e educador – e menos ainda de literatura ou música. Portanto, eis aqui um convite aos leitores deste texto a considerarem-no tão somente como breves impressões de um colega artista, e também leitor movido por considerável admiração pela obra de Dand M, sobre o álbum Preciso cantar, lançado recentemente.
De cara, a primeira estrofe da primeira faixa – a canção que dá nome ao disco – se apresenta a mim como síntese do projeto poético deste artista: “É o ar que respiro/ É o palco em que brilho/ É bem mais do que isso/ Não me basta estar vivo/ Eu preciso cantar.”
Quando diz que não basta estar vivo, o poeta alude à ideia de que não deveria ser suficiente para o ser humano resignar-se à condição de simplesmente existir – essa existência precisa se tornar ação sobre a vida, sobre o mundo, com o propósito de deixar nele pistas, rastros, pegadas da sua passagem. O verbo cantar aqui tem pelo menos dois sentidos: um estrito, daquele que se expressa pelo canto; outro dilatado, quando cantar se torna metáfora de toda forma de expressão poética e, portanto, de releitura do mundo.
Na segunda estrofe, a meu ver, o verso “é ir mais que o destino” reforça essa ideia de ruptura com certa condição afeiçoada a valores caros ao senso comum cristão, como viver percorrendo linhas traçadas na esfera do divino. Ao contrário, é no plano mais que terreno – e no que nele habita de profanação –, que o poeta encontra inspiração para suas questões. Inclusive, desde sempre se colocando num lugar que os enquadramentos precipitados chamariam de “marginal”.
Exemplo emblemático aparece quando Dand assume poeticamente a condição de boêmio, ao cantar “É o bar, meu retiro/ É meu mal primitivo”. Aqui, porém, estar à margem significa o desejo de habitar conscientemente as bordas, os pontos de fuga, os sfumatos das coisas, para talvez dali ser capaz de enxergar a vida com maior acuidade do que se lhe habitasse as zona de conforto.
Por isso, esses versos imediatamente me remeteram a Charles Baudelaire, o poeta que há 200 anos inaugurou a modernidade na arte ocidental ao por em questão definitivamente a noção aurática da poesia, o poeta como ser de inspiração. Basta citar alguns versos do antológico poema Hino à beleza para constatar a influência inquestionável – ainda que inconsciente ou não assumida, o que duvido muito! – do grande poeta e teórico francês sobre Dand: Que tu venhas do céu ou do inferno, que importa/ Beleza! monstro horrendo e ingênuo! Se de ti/ Vêm o olhar, o sorriso, os pés, que abrem a porta/ De um infinito que amo e jamais conheci?
O ator e diretor paraense Cacá Carvalho, com quem tive o privilégio de trabalhar sendo dirigido e a quem considero um mestre, costuma usar uma expressão para se referir àqueles artistas que, de alguma maneira, fazem de sua vida e obra um testemunho de sua inquietação diante da existência: “Não veio neste mundo a passeio”, ele diz. No osso, é isso: Dand M, nesse seu álbum de estreia, certamente divisor de águas numa trajetória que sempre desejou colocar em diálogo a poesia e a música, reafirma o que já estava traçado em seus vários livros de poemas – a passeio não é que ele está entre nós.
*Alberto Silva Neto é ator, encenador e professor da UFPA.
Para ver sobre o disco:
https://www.youtube.com/watch?
Para ouvir:
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