12.11.21

Notas após a audição do álbum "Preciso Cantar"

Foto/Acervo do autor

O primeiro disco do poeta, letrista e compositor paraense Dand M. já pode ser ouvido em todas as plataformas de streaming da música e, no próximo dia 25 de novembro, terá audição pública, a partir das 20h, no Quiosque do Horto Municipal, em Belém, com direito a pocket show. O ator, encenador e professor Alberto Silva Neto o comenta, a seguir. 




Dand M. não veio ao mundo a passeio 

Por Alberto Silva Neto*

Acredito ser prudente começar avisando que não sou crítico. Nem de teatro – minha área de atuação como artista e educador – e menos ainda de literatura ou música. Portanto, eis aqui um convite aos leitores deste texto a considerarem-no tão somente como breves impressões de um colega artista, e também leitor movido por considerável admiração pela obra de Dand M, sobre o álbum Preciso cantar, lançado recentemente.

De cara, a primeira estrofe da primeira faixa – a canção que dá nome ao disco – se apresenta a mim como síntese do projeto poético deste artista: “É o ar que respiro/ É o palco em que brilho/ É bem mais do que isso/ Não me basta estar vivo/ Eu preciso cantar.” 

Quando diz que não basta estar vivo, o poeta alude à ideia de que não deveria ser suficiente para o ser humano resignar-se à condição de simplesmente existir – essa existência precisa se tornar ação sobre a vida, sobre o mundo, com o propósito de deixar nele pistas, rastros, pegadas da sua passagem. O verbo cantar aqui tem pelo menos dois sentidos: um estrito, daquele que se expressa pelo canto; outro dilatado, quando cantar se torna metáfora de toda forma de expressão poética e, portanto, de releitura do mundo.

Na segunda estrofe, a meu ver, o verso “é ir mais que o destino” reforça essa ideia de ruptura com certa condição afeiçoada a valores caros ao senso comum cristão, como viver percorrendo linhas traçadas na esfera do divino. Ao contrário, é no plano mais que terreno – e no que nele habita de profanação –, que o poeta encontra inspiração para suas questões. Inclusive, desde sempre se colocando num lugar que os enquadramentos precipitados chamariam de “marginal”. 

Exemplo emblemático aparece quando Dand assume poeticamente a condição de boêmio, ao cantar “É o bar, meu retiro/ É meu mal primitivo”. Aqui, porém, estar à margem significa o desejo de habitar conscientemente as bordas, os pontos de fuga, os sfumatos das coisas, para talvez dali ser capaz de enxergar a vida com maior acuidade do que se lhe habitasse as zona de conforto.

Logo mais à frente, na quarta estrofe, o poeta afirma a condição essencialmente trágica da sua poesia, ao dizer “Inferno ou paraíso/ eu me firo ao cantar”. Ou seja, “ferir-se” com sua própria arte – no sentido talvez de ser ele mesmo afetado por ela, a ponto desta causar uma ação contundente sobre seu corpo-alma – e isso independentemente de estar habitando os territórios da alegria ou da dor. 

Por isso, esses versos imediatamente me remeteram a Charles Baudelaire, o poeta que há 200 anos inaugurou a modernidade na arte ocidental ao por em questão definitivamente a noção aurática da poesia, o poeta como ser de inspiração. Basta citar alguns versos do antológico poema Hino à beleza para constatar a influência inquestionável – ainda que inconsciente ou não assumida, o que duvido muito! – do grande poeta e teórico francês sobre Dand: Que tu venhas do céu ou do inferno, que importa/ Beleza! monstro horrendo e ingênuo! Se de ti/ Vêm o olhar, o sorriso, os pés, que abrem a porta/ De um infinito que amo e jamais conheci?

Engana-se quem espera que essa dimensão indiscutivelmente filosófica da obra de Dand ganhe ares de erudição poética – muito pelo contrário. Basta percorrer as oito canções do álbum Preciso cantar (todas criadas a partir de letras escritas para serem musicadas, exceto Sábios – poema dele musicado por Pedrinho Callado) para constatar referências explícitas às influências que o artista absorveu da musica popular feita no Brasil, em diferentes épocas. 

Em alguns casos, inclusive, elas vêm acompanhadas de citações de composições emblemáticas da nossa MPB, seja no universo do samba, como é o caso de De frente pro crime, de João Bosco e Aldir Blanc, que aparece na ótima Canal do galo, uma canção de crítica social numa linguagem que explora a comicidade; seja no universo do pop/rock, com Exagerado e Todo amor que houver nessa vida, ambas de Cazuza, homenageado na inquieta Cavalo de Cazuza.

O ator e diretor paraense Cacá Carvalho, com quem tive o privilégio de trabalhar sendo dirigido e a quem considero um mestre, costuma usar uma expressão para se referir àqueles artistas que, de alguma maneira, fazem de sua vida e obra um testemunho de sua inquietação diante da existência: “Não veio neste mundo a passeio”, ele diz. No osso, é isso: Dand M, nesse seu álbum de estreia, certamente divisor de águas numa trajetória que sempre desejou colocar em diálogo a poesia e a música, reafirma o que já estava traçado em seus vários livros de poemas – a passeio não é que ele está entre nós.

 *Alberto Silva Neto é ator, encenador e professor da UFPA.

Para ver sobre o disco:

https://www.youtube.com/watch?v=yCCiKcnr6Cs

Para ouvir:

YoutubeMusic

Spotify



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