8.11.14

Artistas canadenses misturados em terra paraense

O projeto “Do Norte ao Norte” está impregnado de arte contemporânea e de trocas criativas, entre artistas vindos do Canadá e os que vivem em Belém do Pará. A ideia foi da artista e curadora canadense Véronique Isabelle, que um dia veio participar de um projeto de residência artística e aqui e ficou. Agora, ela oferece a mesma oportunidade de vivência a outros artistas conterrâneos. Sabe lá, se depois dessa, mais um canadense não vai adotar a cidade, como ela fez, há cinco anos.

A vivência dos canadenses em Belém está iniciando hoje (8). Artistas quebequenses, eles estarão na cidade realizando diferentes colaborações com espaços culturais, que se desdobrarão em duas exposições abertas ao público. Além de aproximar os Nortes das Américas, a vinda dos artistas quebequenses a Belém quer possibilitar uma cumplicidade criativa com diferentes parceiros locais.

Allison Moore está realizando uma residência junto a artistas do coletivo Pirão, no Casarão dos Bonecos (In Bust) sobre performance e animação e apresenta seu trabalho em uma exposição na Galeria Gotazkaen, que inaugura sua nova sede, no próximo dia 15 de novembro.

Amélie Laurence Fortin propõe uma produção colaborativa com a equipe do Atelier Arte RP. Hugo Bergeron e Fanny Mesnard desenvolvem trabalhos de pintura no espaço do Fórum Landi, da Universidade Federal do Pará.

Véronique Isabelle fará uma palestra sobre a cena artística contemporânea quebequense no Museu de Artes de Belém, dia 20 de novembro, junto da abertura da exposição coletiva que trará ainda obras de Cynthia Dinan-Mitchell e Dan Brault. Na entrevista que segue abaixo, Véronique nos conta mais sobre a experiência artística canadense.

Este projeto dá continuidade ao programa de residência que ela participou, elaborado por Jeanne de Chantal Côté e Armando Sobral. Os dois desenvolveram, de 2008 a 2010, uma parceria entre o Conseil des Arts et des Lettres du Québec e o Instituto de Artes do Pará, instaurando uma relação privilegiada entre as cidades de Québec e Belém.

A ação de Véronique vem reativar e reforçar essa conexão. A programação completa e as informações mais precisas sobre os artistas envolvidos, você acessa no site http://donorteaonorte.com. Também é possível acompanhar o dia-a-dia das residências na página do facebook.

Do Norte ao Norte é uma realização do Conseil des arts et lettres du Québec e do programa Première Ovation da cidade do Quebec. E conta com o apoio do programa de incentivo ao desenvolvimento das relações internacionais para jovens profissionais, Les Offices Jeunesses Internationaux du Québec, do Conseil des arts du Canada, da Maison du Québec à São Paulo e do Centre Engramme. 

O apoio local é da Sol Informática, do Instituto de Artes do Pará (IAP), da Aliança Francesa e do Museu de Arte de Belém (MABE), bem como com os parceiros Galeria Gotazkaen, Inbust – Casarão dos Bonecos, Fórum Landi e Universidade Federal do Pará e Atelier Arte RP.

Holofote Virtual: Que ideia boa fazer esta dobradinha artística com o Canadá. Como você pensou nisso?

Véronique Isabelle: Tive vontade de reunir esses artistas em uma mostra aqui em Belém. Consegui uma verba junto com o governo do Canadá, através do  Conseil des arts et lettres du Québec, do programa Première Ovation da cidade do Quebec, para dar o salto esperado para poder realizar este projeto e conseguir trazê-los pra cá. Assim, seria possível propor um encontro entre pessoas daqui e de lá, com a cidade e suas paisagens de Belém. 

Holofote Virtual: Artistas canadenses terão vivencias com outros artistas paraenses. Qual foi o critério para uni-los?

Véronique Isabelle: Os artistas que foram convidados a participar do projeto, são pessoas com quem desenvolvi laços de amizade e respeito no trabalho em diferentes projetos de residências que realizei anteriormente na França e no Canadá. Acho que cada um deles comunica através de seus trabalhos um profundo engajamento com a sua prática artística, nas técnicas desenvolvidas e nas suas relações com a matéria. Todos realizam obras generosas, produzidas com vitalidade. O projeto oferece uma ocasião especial de descobrir a efervescência artística desses jovens artistas quebequenses.

Holofote Virtual: É a primeira vez que você o realiza, mas você vem de uma vivência semelhante, que trouxe que tipo de experiência?

Véronique Isabelle: É a primeira vez que realizo um projeto como esse enquanto idealizadora e gestora. Mas cheguei aqui em Belém através de um projeto similar, em 2008, elaborado por Armando Sobral e Jeanne de Chantal Côté, para participar de uma exposição. Essa experiência abriu esse novo mundo pra mim, onde finalmente decidi ficar.

A intenção do projeto é proporcionar uma experiência a esses artistas, um encontro com a realidade tão peculiar do cenário paraense, sabendo também que cada um deles vai contribuir com a sua pessoa e seu trabalho. Reservo-me também o prazer de viver um reencontro com o Brasil e com Belém através do olhar deles. E acredito que minha inserção no campo antropológico, através dos estudos que realizo aqui na UFPA, deva contribuir para dinamizar essa mediação entre duas culturas.

Holofote Virtual: Vai haver uma palestra que achei bem legal. Mas adianta pra gente o que você entende como cena artística de Quebec?

Véronique Isabelle: Trata-se de uma cena dinâmica, os artistas produzem bastante e desenvolvem práticas diversificadas. Para tentar descrever a cena artística do Quebec, é importante ressaltar a importância do papel das universidades na formação dessa cena. Ela é financiada principalmente pelo governo, o que a diferencia da realidade do Brasil.

O financiamento público incentiva práticas artísticas que giram entorno de projetos de pesquisa, projetos audaciosos que contribuem para o desenvolvimento de novas práticas, técnicas, projetos de colaboração entre diferentes campos de atuação.

E existem também as políticas públicas como a lei do 1%, que obriga a investir 1% de orçamento geral de uma construção pública na encomenda de uma obra que se integra à arquitetura, fazendo com que artistas desenvolvam práticas que envolvem uma grande organização e uma equipe de colaboradores para construir essas grandes obras que, por sua vez, aos poucos dão corpo a um acervo público de arte.

Os chamados “centros de artes” também caracterizam a cena quebequense. Inicialmente, eles foram criados por artistas que se reuniram para compartilhar um espaço de produção e comprar equipamentos coletivamente, por exemplo. 

A seguir, conseguiram se organizar e obter subvenções estaduais e nacionais para manter suas atividades, oferecer serviços e equipamentos aos artistas “membros” desses centros de artes, além de permitir que eles tenham uma programação dinâmica de eventos e exposições. Com o tempo, esses lugares ganharam um papel primordial na cena artística local e nacional.

Holofote Virtual: Que maravilha, precisamos tanto disso no Pará, política cultural, não de balcão... E mais incentivos vindos de todos os lados...

Véronique Isabelle: Não é fácil viver da arte! Os artistas realmente engajados em suas práticas são grandes trabalhadores, e muitas vezes atuam em diversas áreas desse cenário de arte para consolidá-lo, e também em outras áreas para conseguir se manter. Em sua essência, eles participam ao bem estar comum, até mesmo, eu diria à saúde mental da sociedade como um todo. Acho que essa força vital que anima as pessoas na criação é o que nos une.

Véronique, em imagem de Nailana Thyeli
Holofote Virtual: E você esteve no Canadá recentemente. Foi lá e naquele momento que surgiu o projeto?

Véronique Isabelle: Sim, defendi o meu Mestrado em julho de 2014, e logo depois voltei para Quebec. Depois não consegui voltar logo para cá por causa do visto. Fiquei alguns meses sem saber onde me estabelecer: ficar por lá, tentar voltar para cá... Foram meses assim “flutuando”, tendo dificuldades em compartilhar esse Pará que me habita, porque as referências são tão distintas e às vezes tão distantes!

Nesse dilema de escolher um lugar, decidi optar pela ponte imaginária entre os dois lugares. Nessa ponte, consegui me situar. A partir desse momento, imaginei um projeto, que permitisse a vinda para cá de alguns artistas e que, na minha opinião, poderiam ter uma afinidade com Belém.

Convidei assim cada um dos artistas, por razões distintas e às vezes por intuição, na certeza de que poderiam, juntos, consolidar um grupo, e contribuir com a vinda deles para desenhar e consolidar essa ponte. A elaboração do projeto permitiu que eu estabelecesse uma preciosa colaboração e cumplicidade com cada um deles, e depois, com as pessoas daqui, o que acabou por dar forma ao projeto como ele é hoje.

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