21.1.16

Gruta: retorno à cidade com Leituras Dramáticas

Temporada na Da Tribu: Rua Carlos Gomes, 117
O Grupo Gruta de Teatro, um dos mais antigos e consistentes do Pará,  deu início, ontem (20), a uma série de Leituras Dramáticas que seguirão nas próximas quartas-feiras de janeiro e fevereiro, sempre às 19h, com entrada franca, na Laje da Morada Da Tribu. A ação marca a retomada do grupo na cena teatral da cidade, que ganhará de presente duas novas montagens em 2016, além do lançamento de uma publicação, em novembro, quando o grupo completa 47 anos de atuação.

Um útero, um abrigo, uma fuga, um achado, o Gruta. Ao longo de sua história, o grupo já havia passado por algumas pausas de produção, mas sempre que esteve em cena, balançou nossos alicerces com suas montagens onde o trabalho de ator brilha em textos que já revolucionaram a cena teatral de Belém.

Entre eles, cito o “Auto da Cananéia”, de Gil Vicente, em 1971; “Cínicas e Cênicas”, em 1987; “Caoscomcadicáfica”, inspirado em “O Processo, de Kafka”, em 1989, adaptações de Henrique da Paz, como “A Vida que sempre morre, que se perde em que se perca?”, uma releitura de “Antígona”, de Sófocles, que será o foco da próxima Leitura Dramática, no dia 27 de janeiro, assim como “Hamlet Máquina”, de Heiner Müller, encenado em 1998, e que será lido, no dia 24 de fevereiro.

Ainda estão na programação, “O Auto da Índia”, no dia 17 de fevereiro e, por último, “A farsa do boi ou o Desejo de Catirina”, única leitura que não será realizada em uma quarta-feira, e está sendo programada, de forma diferenciada, a fim de contemplar o público infantil. Em breve, a data será anunciada.

Nesta última quarta-feira, 20, a estreia das leituras dramáticas teve Mariana Paz, Monalisa Paz e Valéria Costa, três gerações de atrizes, que se encontraram para a leitura de "A Casa do Rio", texto de Adriano Barroso, premiado pela Funarte. 

Ontem quem esteve presente à primeira leitura da programação viu três atrizes determinadas, além do reencontro de uma família no salutar ato do fazer teatro. O retorno, claro, causa emoção em todos eles, envolvidos a fundo na retomada do grupo.

“Isso me causa, de certa forma, ansiedade. Uma série de motivos, políticos, pessoais e a própria cidade, em suas configurações, contribuíram pra gente dar uma pausa. Não que tenhamos planejado esta pausa, assim como agora, naturalmente, chegamos ao momento de voltar, e resolvemos fazer isso com a leitura dos textos mais significativos do grupo.

Na verdade, pra mim é menos que um retorno, e mais uma continuidade do que já estamos fazendo durante todo este tempo, e de forma muito prazerosa, agora, que é ver minha filha, meus netos, todos influenciados e escolhendo o teatro para suas vidas”, diz o patriarca dessa gruta ou devo dizer, paixão pela arte cênica.

Henrique da Paz é o que se pode chamar de ponto de partida para o firmamento desta essência peculiar do Gruta. Ele, desde cedo, envolveu sua família com o teatro. “Meus irmãos já foram pra cena, foram bilheteiros, estiveram na portaria de espetáculos nossos. A Mariana (neta) cresceu neste ambiente, ainda pequena entrou brincando comigo em cena, pois não tinha ninguém pra tomar conta dela, enquanto estávamos encenando. Acho que acabou gostando”, lembra o avô. E ela, a neta, confirma!

“Eu trago na memória certas cenas desses espetáculos mais antigos, é claro que em alguns eu ainda estava na barriga da mamãe, mas posso dizer que fui criada no Teatro Waldemar Henrique e no Curro Velho”, diz Mariana, que atualmente faz o curso técnico de teatro na Escola de Teatro e Dança da UFPA e já pensa também em fazer a Licenciatura. “É muito legal trabalhar com minha mãe, mas ser dirigida pelo meu pai às vezes é complicado”, brinca a jovem Mariana, 17.

“Nós somos uma família de circo, mambembe”, brinca Adriano Barroso, autor, ator e, alternando com Henrique, diretor do Grupo. “Durante algum tempo a gente negou isso de passar a arte do teatro de pai e mãe, pra filho, filha, de avô que passa pra neto e genro”, diz ele, que é casado com Monalisa, pai de Mariana e genro de Henrique, que é ex-marido de Valéria Costa. “Mas depois a gente entendeu essa missão”, reflete o ator, autor e diretor que entrou para o grupo em 1996. 

“Quando eu cheguei junto, o grupo já era uma referência muito grande na cidade e fiquei muito a fim de fazer parte daquilo. Entrei no grupo em um momento que o Gruta começou a dar uma grande virada na trajetória, montando espetáculos mais porradas, espetáculos mais pra pensar.

Veio Tartufo (do parisiense Moliére), e Hamlet Máquina (do dramaturgo alemão Heiner Muller). Depois fomos para o que chamamos da fase regional, sobretudo com minhas pesquisas dentro das lendas amazônicas e cultura popular”, vai relembrando ele que está há três anos escrevendo a biografia do Gruta, para lançá-la no aniversário do grupo, no final deste ano.

E assim, é fato. O Gruta está de volta, e junto com ele, a atriz Valéria Costa, que estava morando em Porto Velho (RO), há 14 anos e sem fazer teatro, depois de ter encenado absolutamente todos os demais textos das leituras que seguem, a exceção deste primeiro, que Adriano montou no período de seu distanciamento.

“Estou me umedecendo”, diz Valéria, citando um pouco do texto que acabara de ler. “Passei muitos anos fora, mas estou de volta para rever os amigos’”, segue com o humor o papo com o blog, que esteve presente à leitura desta quarta-feira, 20. 

“Quando cheguei a Belém, começamos a falar desta volta do Gruta e o Adriano me convidou oficialmente para as leituras e novas montagens. Posso te dizer que nunca perdi a emoção de entrar no teatro, de me arrepiar, com vontades de chorar. Muito feliz com tudo isso e já estamos montando o esquema de ensaios”, conta.

Para Adriano Barroso, a leitura deste primeiro texto foi especial, na plateia, estavam pessoas que acompanham a trajetória do grupo. Nas próximas leituras, ele, as atrizes e Henrique também estarão em “cena’. Na última leitura, atenção: haverá estreia no elenco.

“Para ‘A Farsa do Boi ou o Desejo de Catirina’ estamos trazendo o Miguel (8 anos), pra cena e queremos fazer isso em um domingo de manhã, para melhor proveito do público infantil. Este é um texto que rodou muito, uma recriação do Boi Bumbá, que é engraçado, leve e tranquilo, feito para criança. Vamos mostrar um Gruta pra garotada”, diz Adriano.

Após as leituras dramáticas, que inauguram o ano do Gruta, estão previstos dois espetáculos novos. Um texto para monólogo, escrito por Adriano Barroso, “A invenção do Mundo”, com Monalisa, e um Kafka. “Estamos pensando em montar ‘A Metamorfose' ”, diz Monalisa.

O público pode esperar daí, boas surpresas. O Gruta sempre se apropriou muito bem de todos os textos que montou, “entendendo a cidade e a fazendo pensar. Isso me interessa muito”, continua Adriano. 

“Estamos pensando neste retorno, desde o ano passado, quando teve inicio uma nova movimentação em Belém, como a do projeto Circular retomando o Centro Histórico, as ocupações dos espaços públicos, e tudo isso que veio movido por questões políticas envolvendo a cidade, que antes fizeram com que os artistas se afastassem da cena.

A atitude para essas  ocupações nos permitiu congraçar novamente com a cidade. É o que faz sentido, pois se a gente mora em Belém, temos que fazê-la pensar, colocar a nossa arte em xeque, as questões da cidade em xeque”, reflete Barroso. “Começamos a fazer este ciclo de leituras, temos as duas novas montagens e a biografia do Gruta. É um ciclo que se fecha com a cidade para abrir uma outra Cabala”, finaliza, ele prevendo dias muito melhores.

Um comentário:

Patatí-Patatá disse...

Lu, texto maravilhoso,obrigado.