19.7.12

Documentário mostra o original Boi de Máscaras

Patrocinado principalmente pelo Banco da Amazônia e pela prefeitura de São Caetano de Odivelas, "Boi de Máscaras’ será lançado nesta quinta-feira, 19 de julho de no Instituto de Artes do Pará e no sábado, 21, na praça principal de São Caetano de Odivelas.
 
Nos fundos da casa da família Zeferino, em São Caetano de Odivelas, nordeste do Pará, um boi ‘descansa’ depois de um mês inteiro de atividades. Há mais de sete décadas pelo menos, é um ritual que se repete. O boi em questão é o ‘Boi Tinga’, uma das maiores tradições culturais de um município que ainda costuma acordar de madrugada ao som de uma banda de música que percorre as principais ruas da cidade. 

Ver e acompanhar o boi pelas ruas de São Caetano durante o período junino, sempre fez parte do universo da jornalista Angela Gomes. Um universo que continuou acompanhando a jornalista mesmo anos depois dela já não morar no município e que a ele agora retorna a partir de um documentário. “Boi de Máscaras”, co-direção de Cezar Moraes é, ao mesmo tempo, registro histórico e homenagem. Resgate e reconhecimento. 

Ao documentar a festa do Boi de Máscaras, uma espécie de “boi-bumbá”, que ocorre em São Caetano de Odivelas, município de quase 20 mil habitantes a 120 km de Belém, o filme se propõe a ser também um instrumento de valorização da cultura regional. Não é pouca coisa. 

O conhecimento que se tem sobre a origem da manifestação do ‘boi’ em São Caetano é o surgimento do Boi Tinga, na década de 1930 como uma brincadeira de pescadores da cidade que estavam na região do Marajó, e tiveram a ideia de “botar” um boi como brincadeira nos dias santos da quadra junina, que eram os dias em que não se trabalhava, os dias dedicados ao descanso e ao lazer ou à veneração aos santos do dia. 

Um dos pescadores era Laudelino Zeferino, que trouxe do Marajó uma cabeça de boi que compôs o primeiro cortejo. Como relíquia, os chifres ainda são preservados pela família de Laudelino no Boi Tinga. “Tudo começou quando um grupo de pescadores aproveitava os domingos para lavar os barcos de pesca. Desse momento de quase descontração entre eles surgiu a ideia de criar o Boi Tinga”, conta Lucival Zeferino, neto de Laudelino.

Depois dele, outros bois, como o Faceiro, por exemplo, passaram a fazer parte da tradição nas ruas de São Caetano. “Mas a verdade é que há pouco ou quase nenhum registro sobre a verdadeira história ou origem, dando margem a versões e memórias que se reproduzem e se perpetuam pela oralidade. Assim, ele atravessou gerações puramente por mérito da cultura oral, a exemplo do que ocorre com as tradições, crenças, lendas e mitos populares”, explica a diretora.

Com 52 minutos de duração, “Boi de Máscaras”, também é uma homenagem particular. A ideia surgiu em 2010, quando um grupo de amigos unidos por um programa de oficinas de audiovisual no Instituto de Artes do Pará, resolveu formar um “coletivo de cinema” para colocar em prática ideias e projetos. Angela lembrou tempos passados. A manifestação em São Caetano acabou sendo escolhida como foco. Em três finais de semana o grupo foi ao município. 

O resultado foram 20 horas de gravação. Inicialmente foi produzido em 2011 o documentário ‘Toda Qualidade de Bicho’, de 10 minutos, sobre o trabalho, a sabedoria e a história de vida do Mestre Dorrês, o artesão que foi por mais de 60 anos o único confeccionador dos bois usados na manifestação do boi de máscaras do município. O filme foi premiado no último dia 30 de junho no 3º Festival Curta Amazônia, em Porto Velho (RO), como o curta de melhor produção amazônica. 

Foi o quinto festival que o filme participou, tendo estado na competitiva de festivais em Recife e Manaus. Mas o fato é que o material era tão rico que o projeto tomou rumos maiores. Acabou virando um média metragem com 52 minutos de duração. No meio do processo, Bruno Assis, diretor de fotografia do documentário morreu em fevereiro de 2011. Um golpe duro de assimilar pela equipe. “O Bruno era o maior incentivador e catalisador da equipe. 

A morte dele foi uma espécie de balde de água fria para todos nós”, diz a diretora. Por conta da perda, o projeto só foi concluído em 2012, mais de um ano depois da morte de Assis. O documentário é também uma homenagem a ele.

A narrativa do documentário é desenvolvida a partir de depoimentos dos principais envolvidos na manifestação, como os responsáveis pelos bois, os descendentes das famílias dos fundadores, os artesãos que confeccionam as máscaras e capacetes dos pirrôs e as “cabeças” dos cabeçudos; os alfaiates das roupas típicas; e os músicos que formam as orquestras de boi quando junho chega. “Ou seja, a história contada por quem faz a manifestação, daí não haver opinião ou análise de ‘autoridade’ como de antropólogo ou historiador, sobre o boi. 

O documentário lança um olhar com o objetivo de constituir-se, não em um retrato, mas em um registro da manifestação e da cultura local, através de uma narrativa construída sobre entrevistas e imagens do cotidiano de quem preserva parte desse patrimônio imaterial,” diz Angela Gomes. 

 A participação no ‘boi’ é espontânea e natural entre a população. Qualquer pessoa pode participar e brincar. E foi a adesão espontânea da população que fez o boi de máscaras resistir ao tempo, deixar de ser apenas uma brincadeira de amigos e instituir-se como parte da cultura local, como ocorre com toda manifestação popular. 

A brincadeira foi absorvida e elaborada pelas gerações seguintes e, mesmo tendo nascido sob forte influência do tradicional boi-bumbá, ao longo dos anos adquiriu características próprias e hoje é uma manifestação que ocorre apenas no Pará, fato comprovado em pesquisa de doutorado do professor Guilherme Fernandes, da Universidade Federal do Pará (2004), que analisou manifestações do gênero no Norte e Nordeste.

“O trabalho é fruto da colaboração e boa vontade das pessoas de lá, que aceitaram contar suas histórias”, diz Angela Gomes. “É uma grande responsabilidade fazer um documentário retratando a história da própria comunidade, porque se cria uma expectativa enorme nas pessoas que serão retratadas ali, já que são histórias reais e não de ficção, são pessoas com quem continuarei convivendo durante o resto da minha vida. Sempre ‘vivenciando’ o boi”, diz.

Serviço
Lançamento do documentário Boi de Máscaras. Nesta quinta-feira, 19, às 19h30, no Instituto de Artes do Pará (IAP) – Praça Justo Chermont, 236, Nazaré – ao lado da Basílica de Nazaré. No sábado, dia 21, às 20h, na Praça da Prefeitura Municipal - São Caetano de Odivelas (nordeste do Pará).

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