17.5.16

Flavya Mutran abre mostra reunindo suas pesquisas

A fotógrafa paraense deu uma pausa no doutorado que desenvolve em Porto Alegue para vir a Belém e expor “Arquivo 2.0 - Desmemórias Fotográficas”, trazendo na bagagem  as séries DELETE.use e RASTER, trabalhos que ela vem aprofundando por meio de pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A mostra será aberta nesta terça-feira, 17 de maio, às 18h30, no Espaço Cultural do Banco da Amazônia (Av. Presidente Vargas), onde permanecerá aberta ao público até o dia 24 de junho, com entrada franca. 

A menina que corre da guerra no Vietnã, a criança africana à espeita de um Carcara ou uma silhueta espelhada numa poça d´água captada por Cartier Bresson. Poucas pessoas não reconheceriam essas fotografias que já fazem parte da memória coletiva das sociedades modernas. Flavya parte de clássicos da fotografia universal e propõe um joguete com o espectador ao sublimar a figura humana ou apresentar a fotografia não em imagem, porém em suas versões alfanuméricas. O resultado é a reflexão sobre a fotografia como um lugar de encontro. 

A exposição conta com a curadoria do Armando Queiroz e reúne vídeos, livros, objetos e instalações. Esta é a primeira vez que a artista apresenta as duas séries simultaneamente, já que os primeiros trabalhos da série DELETE.use foram expostos em dezembro de 2014 na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em Portugal, por ocasião do seu estágio de doutorado naquele país.

“ARQUIVO 2.0 – desmemórias fotográficas” é uma exposição que apresenta diferentes suportes ligados à fotografias que circulam na web, e suas relações com a palavra, seja oral ou escrita. Cada uma das séries distintas - RASTER e DELETE.use -, aborda questões ligadas à realidade e ficção, matéria e memória, autoria e anonimato, apropriação e compartilhamento de arquivos fotográficos via web. 

“A Mostra é resultado parcial da pesquisa de doutorado em Artes Visuais que desenvolvo no Instituto de Artes da UFRGS, em Porto Alegre/RS, desde 2012, com Bolsa CAPES. O resultado prático da pesquisa, que é esta exposição, estreia primeiro aqui, e só em setembro, data prevista para a defesa da tese, vai à Porto Alegre”, diz a fotógrafa, que estará presente na abertura para conversar com o público. 

Antes porém, ela bateu um papo com o blog, na entrevista realizada pela jornalista Elianna Homobono, em colaboração com o Holofote Virtual.


Holofote Virtual:  De alguma forma, você vai apresentar para o público paraense parte da sua tese de doutorado. Qual a sensação de expor a sua pesquisa aqui?

Flavya Mutran: Belém é minha casa, meu ponto de partida e de chegada. Sempre fiz e ainda faço meus trabalhos pensando em Belém, nos interlocutores que tenho aqui. Mas o desafio de fazer algo aqui é gigante, talvez maior porque em Belém  têm pessoas que conhecem meu trabalho desde o inicio, então são capazes de medir com até mais clareza que eu própria, quais os acertos e erros de trajeto. É um frio na barriga ótimo!

Holofote Virtual: Em DELETE.use você apaga a figura humana das imagens, em RASTER, você codifica as imagens em números alfanuméricos. Qual o efeito disso no espectador que entra em contato com essas obras?

Flavya Mutran: É o que também quero saber, e o que não consigo prever. Talvez o maior desafio das artes visuais seja criar esse dialogo com o espectador, contando apenas com as obras. Mas não se tem domínio que elas comuniquem exatamente as mesmas coisas que o artista imagina. A partir do momento que se tornam públicas, as obras estão por conta própria e cada um vê ou não vê suas próprias ideias, referências,  cria suas leituras. Não há uma fórmula que garanta que essa conexão artista-espectador vá acontecer através das obras. Ainda assim, eu persisto e aposto nessa possibilidade de troca que se estabelece a partir de uma exposição. E por menor que pareça, cada resposta é uma motivação a mais para continuar.

Holofote Virtual: Qual o papel da fotografia na formação das narrativas culturais da forma que conhecemos?

Flavya Mutran: Mudaram os meios, usos e funções da fotografia em nossos dias e essa evolução histórica - que envolve muito mais que tecnologias ou hábitos sociais -, é traduzida pelo teórico francês Michel Frizot como o estado de evolução histórica que deu origem aochomo photographicus, uma criatura que já nasceu acostumado a se relacionar com o mundo através de imagens. 

É o comportamento desse homo photographicus que vem determinando não só o que se convencionou chamar de web 2.0 - cujo maior provedor de conteúdo é feito pelo próprio usuário -, como também uma mudança na própria fotografia que a partir do digital se tornou um meio hibrido, desdobrável em outras linguagens, produzido a partir da interatividade e dissolução, ou, multiplicação autoral. 

Holofote Virtual: Como essas obras serão apresentadas, em quais suportes?

Flavya Mutran: A exposição reúne mais de 60 imagens com apresentações variadas, que vão de impressões em placas gravadas pelo processo de gravura em metal, livros de artista, instalação audiovisual interativa e vídeos. Não há nada em papel fotográfico, e o que está exposto é o que está no entorno dos usos e funções da fotografia no cotidiano, mesmo que alguns materiais não pareçam familiar, como as fotogravuras em placas de offset, por exemplo. 

Holofote Virtual: Por que a fotografia é um lugar de encontros?

Flavya Mutran: Públicas ou particulares, nossas memórias estão impregnadas de fotografias. Impressas em papel, ilustrando livros ou em porta-retratos, fotografias são parte do patrimônio imaterial do homem e estão guardadas nos arquivos íntimos da maioria de nós. Fazem parte da nossa noção de identidade e pertencimento sociocultural, e são elas que nos ajudam a conviver com o outro e com nós mesmos. 

Remeter-se à fotografias é muitas vezes estabelecer lugares de referencia, lembrar de acontecimentos, se deslocar para um lugar atemporal. Este deslocamento espaço-temporal que é virtual dei o nome de desmemória, um tipo de território movediço, em constante trânsito que não é nem o extremo esquecimento, nem lembrança. 

Os fototerritórios da série DELETE.use são esses locais de encontro, onde muito de nos já colocou os olhos sem jamais ter posto os pés, parafraseando Marshall McLuhan.

Holofote Virtual: Você se apropriou de imagens que fazem parte da cultura pop universal. Como é trabalhar e pesquisar nomes tão importantes como Cartier Bresson, Nick Ut, Miguel Chikaoka?

Flavya Mutran: É acreditar que as imagens de artistas da fotografia tiveram e ainda têm um papel importantíssimo na formação do nosso caráter individual, na noção de pertencimento coletivo. Costumo dizer que não fui eu que me apropriei de fotografias alheias, essas imagens que se apropriaram dos meus espaços mentais de forma irreversível. 

Fazem parte de minhas lembranças, e se misturam às minhas fotos de família, viagens e experiências vividas. Vasculhar esse repertório é dividir com outras pessoas o que provavelmente também aconteceu com elas. Se não são as mesmas imagens, talvez a pesquisa ajude a fazê-las pensar no sentido que a fotografia tem na vida de cada um de nós.

Holofote Virtual: Você fala da fotografia como um elemento da memória cultural. Você lembra da primeira fotografia que mudou a tua vida? Qual e de quem? Ela está na exposição?

Flavya Mutran: Me fiz essa pergunta há muito tempo e mesmo criando a coleção ARQUIVO 2.0 não tenho essa resposta. Hoje não arriscaria dizer uma única imagem que mudou a minha vida, mas provavelmente foi aquela que apareceu pela primeira vez sob a luz vermelha do laboratório da Fotoativa quando revelei meu primeiro filme. Seja qual for o assunto, ainda persigo essas aparições mágicas como na primeira vez.

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