3.6.17

Ensaios no clima para gravação do DVD de Cupijó

O blog acompanhou um ensaio contagiante hoje pela manhã no Estúdio Casarão Floresta Sonora, preparativos para o show de gravação do DVD "O Baile do Mestre Cupijó", que será realizado na terça-feira, 6 no Teatro Margarida Schivasappa. Estavam presentes músicos que tocaram com Cupijó e a diretora Jorane Castro, que aliás, é sobrinha do criador do Siriá.

Gabriel Arcanjo de Oliveira, 81, Eulampio Antônio de Oliveira, 66. Irmãos e saxofonistas, formados pela Sociedade Euterpe Cametaense, banda fundada pelo pai de Mestre Cupijó, em 19 de junho de 1874. Os dois chegaram de Cametá hoje e estão participando dos últimos ensaios para o super show que se configura para a semana que vem. 

Gabriel conviveu com Mestre Cupijó desde os seus 18 anos. Eulampio diz que conheceu menos, mas ambos possuem lembranças que de repente lhes deixam com os olhos marejados, ao falar sobre o cametaense que, a partir do Samba de Cacete, ritmo africano tocado por quilombolas da região do Baixo Tocantins, criou o Siriá, que nada mais era do que nome da primeira música, de domínio popular, que Cupijó pegou e, inserindo instrumentos de sopro e elétricos, acabou dando nome a um novo ritmo. 

Pergunto para eles como era Cupijó, sobre sua personalidade. “Ele era muito bom, falava pouco, o jeito dele era escrevendo, lendo. Ele nunca ficou zangado com ninguém do conjunto, um grande mestre que nos deixou uma falta enorme”, diz Gabriel com a voz meio engasgada.

Eulampio diz que em Cametá todos gostam dele e de sua música, e que o Siriá ganhou o Brasil e até mesmo o exterior. “Mexendo na internet a gente viu que tem uma banda Jamaicana que toca músicas do Cupijó”. 

“Foram seis LPs, e eu tenho todos lá em Cametá”, diz Gabriel. “Gravamos o primeiro lá mesmo e os demais aqui em Belém. A primeira foi a gravadora Escorpião, que foi lá gravar o Siriá. Gravamos em uma sede, tempo ruim demais”, continua ele com aquele sotaque que só o cametaense tem. “A luz apagava de cinco em cinco minutos, levamos um dia inteiro para gravar as músicas. E só tinha um microfone pra tudo”, relembra.

“Depois veio a Continental e outra, mas não continuamos porque as coisas não estavam sendo feitas de maneira correta”, arremata Gabriel. “No início estava indo bem, depois não trataram direito”, comenta.

Os dois começam a lembrar da época em que vinham tocar em Belém com Mestre Cupijó, para tocar em festas de São João, na véspera do Círio de Nazaré e numa festa tradicional que era realizada no Hilton Hotel. 

“Eram dois saxofones, dois pistons e um trombone, além de contrabaixo e os ritmistas. A gente continua com o grupo. Mestre Cupijó me pediu para não deixar acabar e eu disse pra ele que enquanto eu existir, ela não morre”, afirma Gabriel. “A nossa banda é a segunda mais antiga do Brasil”, diz Eulampio. 

Ele e Gabriel aprenderam a ler partituras, com o pai de Cupijó, que era maestro, mas também havia tradição de músicos na família deles, como o pai, Carlos Oliveira, conhecido como Barroca. “Cupijó já tinha a banda e também formou o Jazi (conjunto, banda, era como falavam na época). Aprendi com pai dele e fui tocar com ele quando me chamou. Não sei música decorada, todo mundo tinha que aprender a ler”, diz Gabriel. “Nossa família era toda de músicos. Papai era um grande músico, tocava trombone, bombardino, clarinete e violão”, diz Gabriel. 

Em Cametá, a banda se apresenta nas festividades, romarias, ocasiões especiais, além do Carnaval. Os músicos seguem adiante e dão continuidade ao legado de Cupijó. “Tocamos o trabalho dele e esse momento é muito bom, porque depois que a gente se for vai ficar aí esse registro, e que tenha continuidade”, dizem.

Os irmãos também aprovaram os saxofonistas e músicos da nova geração de instrumentistas paraenses, que participam do projeto. 

“Eles são bacanas, muito humildes, aceitam o que a gente fala”, conta Gabriel ressaltando JP Cavacante, percussionista e Daniel Serrão, saxofonista, respectivamente direção musical e produção musical. É que ambos viajaram com Jorane Castro para Cametá, em abril, para coletar diversos depoimentos e mergulhar na atmosfera em que viveu Cupijó, já que além do DVD, o projeto que ganhou recursos de Edital da Petrobrás para também realizar um documentário.

O show que está sendo montado já começa a ser sondado para seguir viagem a outras cidades e ganhar o mundo, quem sabe. A turma é muito jovem, são músicos que vêm se conectando com outros mestres, já transitando pela música instrumental de raiz já faz tempo.

O show terá participação especial de Felipe Cordeiro, Dona Onete, Kim Marques, Lucas Estrela, Waldo Squash e mais 12 artistas de diferentes vertentes da música paraense. O show não será uma forma de reinterpretá-lo, com rearranjos, mas a tentativa de apresentar siriás, banguês e mambos, sobretudo, conforme o próprio Mestre tocava e seu peculiar invencionismo sonoro. 

Ícone da tradição instrumental da música paraense

A música instrumental paraense é uma tradição de 150 anos. E um de seus ícones é Mestre Cupijó, que se foi recentemente, em 2012, aos 76 anos, no dia 25 de setembro. Estava internado em Belém tratando de um câncer de próstata, agravado pela diabetes. Infelizmente não houve como evitar e o artista morreu de falência múltipla dos órgãos.

Joaquim Maria Dias de Castro, nome de batismo, lançou seis discos e teve  uma coletânea lançada em CD. Deixou um grande legado que agora ganha mais um registro, iniciativa assertiva de Jorane Castro, filha do advogado José Carlos Castro, irmão de Cupijó.

“Titio sempre morou em Cametá e eu ia pra lá com meu pai, de férias visitar minha avó, primos e ele. Então eu via muito ele tocando, os ensaios, a casa da minha avó era cheia de instrumentos, pois a banda, o jazi era dele. Tive uma convivência musical com Cupijó”, conta a cineasta.

Ela diz que quando ele vinha a Belém para tocar no Hilton, nas festas de final do ano chamada Noites Cametaenses, era um assombro. “Tinha uma banda que fazia o esquenta palco, e quando ele entrava, qualquer pessoa, até os garçons, dançavam, entendeu?”, conta a diretora.

A vibração é realmente incrível. Algo contagiante, de uma alegria atroz, se é que se pode dizer isso (risos).  O interesse de Jorane em contar a história musical do tio tem uma importância maior quando se percebe que embora ele tivesse e tenha um nome reconhecido, a maioria das pessoas desconhece sua obra. 

“As pessoas conhecem muito o Cupijó pelo nome, mas não conhecem de fato suas músicas. Esse projeto veio pra isso, ele já se foi, mas a música dele é contemporânea, podem ser feitas releituras. Acho isso muito bom. A sensação que tenho é essa, de com isso estar fazendo com que sua obra seja redescoberta ou conhecida mais a fundo por quem já o conhece”, finaliza. 

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