27.3.20

Cinema paraense e brasileiro perde Santa Helena

Rui Santa Helena recebeu Kikito de Ouro no Festival de Gramado, em 2012, pela Direção de Arte de "Ribeirinhos do Asfalto", curta de Jorane Castro, e fez inúmeros outros curtas e longas metragens paraenses e brasileiros, além de filmes internacionais. O cenotécnico e cenógrafo foi encontrado morto nesta quinta-feira, 26, em  casa, em Belém do Pará.

Santa Helena cresceu fabricando seus brinquedos com detalhes frisados por caroços de açaí e cipós, e aprendeu, desde cedo, a utilizar a matéria prima da região em seus trabalhos. Alcançou, pela simplicidade, resultados dos mais belos e que encantou cineastas paraenses, brasileiros e até americanos. 

“Rui foi diretor de arte no último filme que fiz. Ele era um diretor de arte da vida. Nunca quis se formar em cinema e sempre saiu dos padrões. A família dele tinha posses mas ele sempre optou pela paralela. Era um romântico sonhador”, diz o produtor Luis Laguna, do Rio de Janeiro, onde mora atualmente. “Falei com ele há uns dez dias. Ele estava ótimo e queria vir me ver aqui no Rio. Mas tinha muitas encomendas de colares. Estava cheio de trabalho e feliz”, continua.

“Era filho de um médico que hospedava e cuidava das pessoas que vinham do interior e precisavam de tratamento. Do pai vem aquela bondade e humanidade toda”, diz Laguna. “Tô arrasado. Inconformado em perder um companheiro um irmão tão querido tão especial”, conclui.

Pelas redes sociais, o músico contrabaixista Minni Paulo também lamentou a perda. "Soube do Falecimento do meu velho amigo Rui Santa Helena,(Cabeludo) ser humano inigualável que tive o privilégio de conhecer nesse plano de vida, boa viagem amigo, a vida não acaba aqui, precisamos abandonar a matéria para prosseguir em forma de luz para um outro universo, foi uma honra poder desfrutar de sua amizade, beijão", escreveu.

Pai da apresentadora de TV, Marina Santa Helena, casada com o rapper paulista Emicida, avô de Teresa, 2 anos, filha do casal e também pai de Pedro, que mora fora do país, Rui era um encanto. Habilidoso também como cozinheiro. Adorava especiarias e produzia compotas de tomate seco como ninguém. 

Era um leitor voraz, adorava música e um bom bate papo. Morava sozinho e visitava os amigos constantemente. “Ele esteve há duas semanas aqui em casa, veio trazer um oratório que comprei dele”, diz a produtora cultural Luiza Bastos. “Ainda não dá para acreditar nisso, ainda estou meio atônita com a notícias”, me disse pelo telefone.

Conheci o Ruizinho, como os amigos o chamavam, em 1999, quando o cinema paraense começava a retomar sua produção, assim como o próprio cinema brasileiro.  Tive a honra de estar no mesmo set que o Rui, em 1999, fazendo “Quero Ser Anjo”, de Marta Nassar e em 2000, no curta “Mulheres Choradeiras”, de Jorane Castro, com quem também trabalhamos em “Quando a Chuva Chegar”, em 2005, “Ribeirinhos do Asfalto”, em 2010, e “Para Ter Onde Ir”, primeiro longa da diretora, em 2017.

Rui Santa Helena, porém, já era um Mestre em seu ofício quando nós, então jovens do emergente cinema paraense, o conhecemos. Em 1984 ele assinava com aderecista e escultor, no filme “Floresta das Esmeraldas” (Emerald Forest), de John Boorman, o primeiro longa de Dira Paes que a partir daí deslancha sua carreira. No ano seguinte, 1985, foi aderecista e cenotécnico de “Where The River Runs Black”, dirigido por Christopher Caine, filmado em Santa Isabel do Pará. 

Em 1989/1990, quase nos esbarramos na produção de “Play In The Fields Of The Lord” (Brincando nos Campos do Senhor), de Hector Babendo, mas Rui ficava direto na locação, no Acará, Pará, e eu, no escritório em Belém. Tinha acabado de ingressar na universidade e soube que precisavam de alguém que soubesse inglês para um posto de telefonista, eu topei. Enquanto isso, no filme, Rui Santa Helena assinou a criação de objetos de cena, adereços e cenários do filme.

A gente se cruzou em “Conspiração do Silêncio”, longa de Ronaldo Duque, em 2002, e no o curta-metra Matinta, de Fernando Segtowich. Entre outros curtas paraenses, também trabalhou como cenotécnico e aderecista no curta “Açaí com Jabá”, com direção de Alan Rodrigues, Marcos Daibes e Valério Duarte, em 2001. 

Fez criação de adereços, objetos de cena e cenários para o longa-metragem "Eu Receberia As Mais Tristes Notícias dos Seus Lindos Lábios", sob a direção de Beto Brant, em 2010, em Santarém. E trabalhou como cenotécnico e aderecista para o filme "O Sol do Meio-Dia", longa dirigido por Eliane Caffé.

Ribeirinhos do Asfalto, com Dira Paes
Também foi responsável pelos cenários, objetos de cena e adereços do longa-metragem “Ave Caruana”, de Tizuka Yamazaki e no longa-metragem “Viva o Povo Brasileiro”, de André Luis Oliveira. Devo estar esquecendo de outras participações dele em algum outro filme e sei de tanta gente que agora deve estar sentindo sua partida. Posso acreditar que ele viveu como quis e era feliz. Sem nunca usar o termo de diretor de arte para definir o seu oficio, ele sempre preferiu ser chamado de artesão. 

Queridíssimo no meio artístico, por onde ele passou, deixou um sentimento de alegria, solidariedade, companheirismo. Ele tinha um coração enorme, um talento genial. Esse “caboco” deixará saudade em muita gente, nunca será esquecido. A minha ficha ainda está caindo. Vai na luz, meu querido.

Até o momento em que comecei a escrever este texto, não tínhamos noticias dos procedimentos e nem mesmo as causas que de fato levaram Rui à óbito. Há suspeitas de um AVC, um problema que ele já havia lidado anos atrás, ou mesmo um infarto.

Atualização, em 27 de março, às 15h20

Recebemos a confirmação de que a causa 'mortis' foi um AVC. O corpo está no IML, aguardando liberação. Quando liberado, deve ir do IML para o cemitério Parque das Palmeiras, na BR 316, onde será cremado.

Filmografia:
https://br.linkedin.com/in/rui-santa-helena-522b9251

Nenhum comentário: