12.11.21

Allex Ribeiro lança álbum no Liceu de Bragança

Allex Ribeiro lança nesta noite de sexta-feira, 12, no Liceu de Música, em Bragança, o álbum "Verbalóide", que traz parcerias com Zeca Baleiro, Felipe Cordeiro e Nilson Chaves, compositor paraense atira versos contra exploradores de todos os tipos em seu álbum de estreia, sob inspiração maior de Raul Seixas. Guitarrista de clássicos de Raulzito, Rick Ferreira toca as guitarras do disco, no qual é um dos produtores. O disco já está em todas as plataformas digitais da música.

Por Leonardo Lichote 

Bené Ribeiro tinha em Luiz Gonzaga mais do que um ídolo. O Rei do Baião era seu herói — a ponto de ele andar pelas ruas da cidade de Capanema do Pará com chapéu de cangaceiro. Tornou-se uma referência local tão forte por essa admiração que o próprio Gonzaga, quando esteve por lá, quis saber quem era aquele fã seu de que tanto falavam e pediu para conhecê-lo.

Dona Belém, mulher de Bené, era mais afeita ao cancioneiro de compositores como Roberto Carlos, Márcio Greyck e Odair José. Na casa do casal, não faltavam também discos de Elvis Presley, enviados regularmente por parentes que moravam nos Estados Unidos.

Allex Ribeiro, filho de Bené e Belém, parece condensar essa genealogia musical em “Verbalóide”, seu álbum de estreia. Ou seja, um encontro do sotaque musical interiorano de solo brasileiro com as referências (cruas ou depuradas) da música pop americana da virada dos 1950 para os 1960. Em resumo, um folk-rock de cantador que remete a Zé Ramalho, Belchior, Zeca Baleiro, Fagner e, acima de todos eles, Raul Seixas — um artista que condensava em si Gonzagão e Elvis.

Fotos: San Marcelo

— Aos 13 anos, quando descobri uma fitinha com uma coletânea de Raul, fiquei doido — conta o paraense Allex. — A primeira canção que ouvi foi “Cowboy fora da lei”. Aquela irreverência, aquele som, tudo ali me me capturava de uma forma absoluta. A partir daí, ouvia tudo que podia dele, queria ler suas entrevistas. Comprei meu primeiro violão pra aprender a tocar Raul.

Parceiro de Zeca Baleiro, Felipe Cordeiro e Nilson Chaves (compositor que é uma das maiores referências da música no Pará), Allex tem em sua gama de composições peças líricas e românticas, com influências que vão muito além de Raul — algumas delas presentes no EP “O amor que acreditei de porre”, lançado em 2020. Mas o artista queria, em seu primeiro álbum, reunir seu repertório mais ácido — para o qual Raulzito é referência central. “Verbalóide”, que batiza o disco, não por acaso é um neologismo criado pelo compositor baiano, que dizia que esse seria o nome de um livro seu, que nunca escreveu. 

O elo mais forte com o legado de Raul, porém, é a presença de Rick Ferreira, guitarrista conhecido como “fiel escudeiro” do baiano. Entre 1974 e 1989, ele tocou em todos os discos do artista, além de ter produzido “"Uáh-bap-luh-bap-láh-béin-bum", que trazia exatamente aquela “Cowboy fora da lei” ouvida na fita de Allex. Em “Verbalóide”, Rick — músico que deixou sua marca também na obra de artistas como Erasmo Carlos e Zé Ramalho — faz todas as guitarras e assina a produção ao lado de Oliver Quemel e Carlos Sales. 

“Verbalóide”, na definição de Allex, é “um cara dizedor, que desce o verbo”. Em oito faixas, que assina sozinho, o compositor desce o verbo em temas como racismo, exploração da fé e o obscurantismo destes tempos. “Dor de cabeça”, faixa de abertura, dá o tom do álbum, com suas metáforas diretas como a melodia. A letra parte da consciência que “tudo passa/ Inclusive essa dor de cabeça/ E ainda esse meu peito inchado”, incômodo físico real que Allex converteu em poesia e símbolo de uma angústia maior. E propõe, a partir daí, a arrumação do quarto, do mundo. A canção apresenta também a entrosada banda do disco, que além de Rick (guitarras) inclui Neném Silva (violões), Edgar Matos (teclados e piano), Duda Silva (bateria) e Príamo Brandão (contrabaixo).

“Billie” convida Billie Holiday para um diálogo-lamento sobre o preconceito racial, que a cantora experimentou na pele e denunciou — sua interpretação de “Strange fruit” é um ícone na luta antirracismo. Allex marca seu estilo em imagens que alcançam efeito no ouvinte com uma simples inversão semântica, como “A situação está branca demais” e “Vou levantar bandeira preta da paz”.

Inspirada num caso político no interior do Pará, “Chica me perdoa” é uma canção bem-humorada sobre traição. Sua letra explora a mitologia cristã ao feitio do que Raul fez em versos de “Al Capone”. Allex canta: “Chica, me perdoa/ Mas eu não matei Jesus/ Se eu participei/ Foi da confecção da cruz”. Na letra, o cinismo, elemento central dos personagens que o paraense destila em “Verbalóide”.

“Todo mundo um dia sente medo”, diz um dos primeiros versos de “Medo”. A afirmação revela a natureza de compositor popular de Allex, que gosta de apontar sua observação exatamente para o que “todo mundo sente” — e a partir daí estabelece sua investigação filosófica, ao mesmo tempo funda e ao alcance de todos. “Carnavais”, faixa seguinte, é exemplo acabado disso, com a força que se mostra no contraste que salta da rima simples de “motéis” e “quartéis”. O amor e a guerra, no arranjo mais pungente do disco, só com piano.    

“Carnavais” prepara para a tocante balada “Barulho e torpor”, que soa como canção de amor terminado, mas guarda uma origem ainda mais dramática. Allex a compôs a partir da experiência de ver seu pai definhando devido a um câncer no estômago. “Cheirei você/ Com a intensidade de quem cheira cocaína/ Mas te vi sumir de mim” — os versos descrevem com precisão a sensação do compositor. A faixa guarda também um inspiradíssimo solo de Rick (“Reconheço um David Gilmour ali”, diz Allex).

O country “Tirolei” pinta o Brasil alegórico com personagens como “um doutor que acha que não é peão” e um burro que diz “que este ano vai ser baixa a inflação”. Acima deles, o mandatário que desafia, com a entonação de cowboy de seriado: “Eu tirolei, invento lei e falo em lei e escondo lei…”. A canção foi composta no governo de Michel Temer, mas segue válida como nunca no país de Jair Bolsonaro. 

A verborragia ácida de “Verbalóide” chega ao fim com “Um pastor que também é doleiro”, sobre o personagem (real!) descrito no título. Na verdade, o pretenso religioso acaba servindo de símbolo de outros que se ecumenizam no louvor: “Aleluia, aleluia, aleluia/ Salvem-se os meus”. No coro, se afinam políticos sem caráter, homofóbicos, racistas, poderosos de toda a estirpe — todos alinhados no paredão do fuzilamento verbal de Allex e seu “Verbalóide”.

Para ouvir: 

https://open.spotify.com/album/6zBGoMQENXNfgdOAsiyB9h?si=BHpyGDV3QaSRuHpPNjxiYA


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