Professor e pesquisador da USP e CNPq, atualmente dedicado a pesquisas sobre a cultura e a literatura de expressão amazônica, Willi Bolle realizou pela segunda, na UNAMA uma apresentação de Leitura Dramática de Primeira Manhã e Ponte do Galo. Por meio do Curso de Letras e do Núcleo Cultural, o objetivo dele foi apresentar parte do resultado de um projeto que desenvolve em comunidades de Belém. O evento aconteceu no ultimo dia 26 de outubro.
Por Paulo Nunes*
Emocionou-me muito ver o que recentemente “aprontaram”, na sala de experimentações cênicas da Unama, alunos e professores da Escola Estadual Celso Malcher, dirigidos por Willi Bolle. Depois de tudo o que foi visto é que me ponho a refletir: por que a difusão da leitura é tão improdutiva em nossas salas de aula? Por que professores precisam “grevar” para fazer suas vozes chegarem à sociedade? Ficamos todos, neste momento de mundialização da informação, sem piso, sem chão, após o exercício lúdico que se consubstanciou diante de nós a fusão de teatro e literatura?
Estas caraminholas que pululam em nossas cabeças tomam forma depois de a gente presenciar uma atividade lúdica que reuniu, através da química do texto dalcidiano, um brecthiano professor teutobrasileiro com alunos e professores da escola Celso Malcher, localizada na Terra Firme, em Belém do Pará.
Quando se completam mais de 30 dias da greve dos professores da rede pública de ensino e cerca de 3 meses após os vereadores de Belém retirarem inexplicavelmente de importante avenida o nome de Dalcídio Jurandir, a leitura dramática do romance Primeira Manhã caiu como uma luva em nossas mãos, ávidas de beleza e práticas construtivas no cotidiano de nossas escolas.
Após mais de sessenta minutos da “leitura dramática” de Primeira Manhã, adaptação de Willi Bolle, ouvimos as argumentações teóricas do professor da USP: o por quê do uso de Brecht como método; como o professor começou a aproximar-se do teatro e do teatro do texto literário, ainda na Alemanha.
E não é que eu me lembrei, impulsionado pela fala quase inaudível da professora Elaine Oliveira (que estava a meu lado e disse: “Isso faz toda a diferença... Josse, foi isso que fizeste conosco – Elaine fora aluna de Josse, que também estava presente – conosco lá no Deodoro”) de uma experiência que eu, rapaz de 18 anos, vivenciei , instado por uma professora, Josse Fares, então com uns 30 e tantos anos na Escola Deodoro de Mendonça. Falo do grupo Mãos Dadas, literomusical .
Ali, a professora aglutinava seus alunos, mais de 30, em torno de Drummond, Chico Buarque, Vinicius de Morais, João Cabral de Melo, Manuel Bandeira, Dalcídio, Waldemar Henrique, Paes Loureiro, entre outros. Resultado: me transformei em professor de literatura e, algo mais tarde, casei-me com a professora.
As experiências de Josse e de Bolle têm em comum, um amor radical (no sentido paulofreiriano da palavra “radical”) pelo magistério, não como missão, mas como tesão – desculpem se lhes pareço vulgar –, tesão estético.
“Sem tesão, não há solução!”, diria o filósofo anarquista Roberto Freire.
A gente sabe que há professor de literatura, de norte a sul do Brasil, que ao invés de emocionar os alunos com o texto literário, sufoca as turmas com teorias, teorias e mais teorias. E o texto literário onde fica? O probrezito fica lá no fundo da sala, esquecido feito “aluno problemático”, como o Alfredo de Primeira Manhã, Alfredo que não conseguiu se identificar com a “educação estéril” que lhe era imposta no Ginásio.
O que se pratica em muitas salas de aula brasileiras é a falta de amor pela literatura (e por extensão, à educação). Se o professor lê para a sua turma o “Ainda uma vez adeus”, de Gonçalves Dias, e seus olhos não reviram, feito aqueles momentos faiscantes debaixo do cobertor, isso é um mau sinal. E se nossos colegas (eu posso estar incluído entre eles) não se arrepiam de textos fundamentais, eles precisam de mais estímulos, que vão desde salários decentes até um “choque estético”.
Eu tive sorte. Fui aluno da Josse, sou seu aprendiz até hoje. Aprendi a revirar... as páginas dos livros. Privilegiado, tornei-me um dos interlocutores de Bolle nas leituras de Dalcídio Jurandir (no ano do centenário do autor de Chove nos campos de Cachoeira, fizemos – Bolle, Célia Jacob e Josse Fares – com a turma de Literatura Amazônica da Unama, uma “fisiognomia” de Belém a partir do roteiro das personagens de Belém do Grão-Pará).
E temos a felicidade de ver que na escola estadual Celso Malcher Willi Bolle criou um núcleo de leitores do romance do Extremo Norte. Todos nós que estivemos naquela sala de experimentações cênicas da Unama nos tornamos, mais e mais, “equilibristas no arame do Equador”. Felizes equilibristas.
* Paulo Nunes é paraense de Belém. Professor da Universidade
da Amazônia, Belém. Eestuda a obra de Dalcídio Jurandir.
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