Sim. O tempo passa, voa e escorre entre os dedos, mas as canções ficam. Os livros também. Entre outubro e novembro, o músico faz dois shows para gravação de DVD e lança um livro com ensaios que resultaram de sua tese de Doutorado e de uma pesquisa de Pós-Doutorado, defendidas na UNICAMP e na USP, respectivamente.
No próximo dia 31 de outubro, o cantor e compositor Henry Burnet faz 40 anos e resolveu comemorar a data de maneira peculiar, no palco, refletindo uma carreira de mais de 20 anos.
Intitulado “Por uns tempos”, o show acontecerá no Teatro Cláudio Barradas, nos dias 29 e 30, a partir das 20h, trazendo em cada apresentação, além de participações especiais, cerca de 15 a 16 músicas que marcam a trajetória do compositor.
Com direção, cenário e iluminação de Nando Lima, produção de Hellen Burnett e direção geral do próprio artista em parceria com Milton Kanashiro, tudo será gravado em DVD.
“É uma retrospectiva de tudo que já fiz. Tem músicas já lançadas em CDs, mas também vou fazer algumas canções inéditas, como esta que dá nome ao show, parceria com o amigo, jornalista e poeta Edson Coelho”, diz Henry.
Nos dois dias de show, Henry vai receber convidados especiais. A cantora e compositora Iva Rothe, o multiintrumentista Adelbert Carneiro e o guitarrista e parceiro Renato Torres, três artistas que, cada um a sua maneira, marcam e entrelaçam-se a trajetória do compositor.
As participações serão realmente especiais. Henry passará a maior parte do tempo sozinho no palco, fazendo voz e violão.
“Parece fácil, mas é muito difícil, porque eu sempre me apresentei apoiado pela banda Clepsidra e o Renato na direção musical. Este é um show anacrônico, no formato, porque é sentar com o violão e com a guitarra e tocar canções no formato em que elas foram compostas”, diz.
Trajetória - Dono de uma obra ímpar, Henry Burnett diz que só agora se sentiu maduro e capaz de sentar e refletir com o violão esta trajetória que traz quatro CDs gravados.
O primeiro, feito no calor da adolescência, ele não gosta de assumir conta. “Linhas Urbanas”, gravado em 1996, sofre grandes críticas do próprio Henry.
“Era algo pretensioso, uma espécie de contraposição ao regionalismo paraense. Eu queria afirmar uma vanguarda urbana que era a minha experiência em Belém.
Na época, eu costumava dizer que Walter Bandeira era minha maior influência, e ninguém entendia, pois ele era cantor, eu compositor. Mas era porque ele cantava músicas de Caetano, Edith Piaf e Frank Sinatra entre outras e isso abria a minha audição”, comenta Henry.
O segundo e também terceiro foi “Não para Magoar”.
Com Paulo Vieira, lançamento de Retruque/Retoque |
A primeira versão, em 2006, e a remasterização, em 2009. Depois veio o quarto, “Interior”, com a cantora portenha Florência Bernales, em 2007, e por fim, veio, em 2010, “Retoque”, parceria com outro poeta, Paulo Vieira num trabalho que resultou no livro e CD “Retruque/Retoque.”
Envolvido no meio musical desde a adolescência, aos 17 anos ele fez o primeiro show no Teatro Waldemar Henrique, fruto da parceria com o poeta Edson Coelho.
“Eu me lembro muito bem, fizemos alguns registros em vídeo. Eu tinha 17 anos quando nós dois compusemos “por uns tempos” e “Asa Delta”, ambas gravadas no CD renegado”, brinca Henry ao falar de “Linhas Urbanas”.
Em um dos depoimentos que foram gravados no show, o Edson Coelho dizia que Henry é um grande melodista, o que seria a principal virtude do trabalho do compositor.
“Lembro que eu compunha sem letra, só com a melodia gravada de memória. O Edson me entregava poemas prontos, como o Paulo Vieira fez, aliás este me entregou o livro todo”, diz Henry.
Poesia e Música - Falando em poesia, Henry Burnett diz que também estará no repertório do show um poema de Nietzche.
“Ele é o único que não é um parceiro meu, e ainda não foi gravado. Sinto-me realmente quase um especialista em fazer música para letras de poemas”, comenta.
“O Paulo Vieira é o exemplo principal, pois me entregou sonetos e depois questionou como eu poderia musicar soneto, uma forma toda amarrada em rimas e métricas. Eu mesmo fiquei espantado com a facilidade com que saíram e lembrei do Edson falando do meu lado melodista”, conclui.
Adeus Belém do Pará...
Apesar de toda a paixão pela música, o cantor e compositor Henry Burnett saiu de Belém em 1998 e foi para São Paulo iniciar uma carreira acadêmica, justamente para continuar neste caminho musical, por incrível que pareça. Explico.
Ainda bem jovem foi a decisão que ele tomou em prol de um sonho maior.
Lançamento dia 11 de novembro |
“Percebi que tinha algo de diferente nos compositores como Walter Freitas, Paulo Uchoa, Edir Gaya, Gilberto Ichihara, a nata daquele momento pra mim”, diz.
Henry conta que percebeu que esses caras não tocavam na noite por alguma razão “não deve ser gratuito”, pensava. Ele, por outro lado, queria tanto a carreira musical que chegou a se aventurar na noite, mas logo viu que o negócio não daria certo.
“Não tenho perfil de interprete pra isso e nunca conseguiria fazer sucesso ou construir uma carreira desta maneira”.
Em São Paulo o compositor tornou-se professor. “Nunca imaginei isso, pois era péssimo aluno”, diz ele que hoje é professor em uma das universidades mais importantes do país e onde criou um núcleo de estudos de filosofia da música popular que não existia no país.
“Meu trabalho ganhou contornos que eu não tava preparado pra assumir, mas agora é tarde”.
“Esta não carreira musical resultou nesta outra, acadêmica e isso por minha única e exclusiva responsabilidade. Mergulhei no estudo e na crítica da música popular brasileira. Isso me levou a uma biografia enorme e a uma audição gigantesca”.
Livro - O resultado disso é que além do shows, Henry Burnett tem motivo a mais para comemorar suas quatro décadas de vida. No próximo dia 11 de novembro ele vai lançar, aqui mesmo em Belém, o livro “Nietzsche, Adorno e um pouquinho de Brasil”, na Livraria Saraiva, a partir das 19h, com um debate que contará com a participação do professor e filósofo Ernani Chaves.
“O livro acabou de sair pela editora da Universidade Federal de São Paulo e resulta de um doutorado sobre Nietzche e a Música e de um Pós Doutorado sobre Indústria Cultural e a Canção Popular no Brasil”, diz Henry.
Até sair o livro, foram sete anos em que ele desmembrou a tese de doutorado em vários ensaios, apresentando-os em vários lugares, seminários. Enquanto isso, ele dava sequência ao pós doutorado, feito com Celso Favaretto.
“Que é ninguém menos que o cara que escreveu o primeiro livro sobre o Tropicalismo dentro de uma universidade”, explica o músico que já avisa. “O lançamento na capital paulista também já tem data. Será no dia 8 de dezembro, na Livraria da Vila, no badalado bairro Vila Madalena”, finaliza.
Três parcerias no palco e na vida
Adelbert Carneiro |
“Primeiramente agradeço o convite para estar
participando deste momento especial. Quando tive a oportunidade de
trabalhar com o Henry, foi muito importante pra mim porque eu estava no
momento inicial de diretor e arranjador. Foi como uma afirmação da
possibilidade de eu continuar executando esta função”, diz Adelbert
Carneiro.
“Ele é tranquilo e principalmente deixa a nós,
músicos, muito a vontade para a criação. Acho que esse trabalho coroa a
carreira de músico, interprete e compositor do Henry. Com êxito, já que
ele sempre ficou e optou de estar ao lado da boa música”, opina o
músico.
Urublue – A cantora Iva Rothe, em sua
participação, fará duas músicas. “Refestelar”, de Henry e Paulo Vieira, e
“Embriagado”, que marca um momento importante para ela quando Henry
costumava cantar a canção nos shows que os dois fizeram no antigo e
extinto bar Urublue, junto com Renato Torres.
“Estou
adorando a oportunidade que ele me deu de comemorarmos seu aniversário
desse jeito no palco!”, diz a cantora.
De acordo com ela, nestes anos todos, eles têm trocado bastante.
“Ouvimos as criações um do outro, e temos feito músicas e shows juntos,
além de participações um no show do outro. Temos celebrado cada nova
conquista, a cada nova etapa da vida e das carreiras de cada um, o que
me deixa muito feliz”, conclui.
Renato Tores - “A minha
participação nos dois dias de show será, realmente, bem especial, e digo
isso por mim mesmo: é especial pra mim, mais que tudo”, diz Renato.
“Fiquei muito honrado com o convite do Burnett, que é um amigo e
parceiro de muitos anos, e mais ainda quando soube que seria nos dois
dias”, festeja.
Juntos, os dois farão canções como “Comum Acordo” e “Dentro da
Madrugada”, que estão no segundo disco de Henry, Não Para Magoar,
produzido em parceria com Renato.
Com Renato Torres, eterno parceiro |
“Haverá também
parcerias nossas, as inéditas em palco O Curso do Rio e O Mar, além de
Reino, que já apresentamos antes em shows com o Clepsidra, e que foi
gravada pela cantora Joelma Klaudia em seu disco Dias Assim”, anuncia o
violonista e parceiro de longas datas.
Renato diz que sua relação com o Burnett é de admiração e influência
mútuas.
“Creio que fomos determinantes pras carreiras um
do outro, aprendemos um bocado com nossas colaborações, com alguns
embates criativos, com a própria construção de nossa amizade, que sempre
foi marcada pela música e pela composição”.
A primeira parceria entre os dos foi Descontrolado, já gravada pelo
grupo de Renato, o Clepsidra, e pela cantora Lia Sophia. A canção revela
uma sintonia rara e especial entre os dois.
“Admiro no
Burnett, a sua profunda capacidade de concisão e economia, aliada a um
senso estético sofisticado e preciso, algo burilado em seus anos de
estudo filosófico. Burnett é uma espécie de Vinícius da filosofia,
aliando referências acadêmicas que passam por Nietzsche e Adorno, e
traduzindo-as em belas canções populares, que só ainda não caíram no
conhecimento do grande público por pura falta de atenção dos mídias”.
Torres
considera o trabalho de Henry lírico e poético, sem ser enfadonho. “É
sofisticado sem deixar de ser popular e acessível, ele bebe das
referências, mas não as usa como muletas criativas. Tem personalidade e
envergadura próprias, afirma-se em seu próprio outeiro, constrói
urdindo suas próprias visões”, acrescenta o violonista.
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