26.2.14

Nós de Aruanda, em 2ª edição na Theodoro Braga

Obra "Zé Pilintra", de Bia Cabral
Em 2013, a exposição que reuniu a produção artística dos Terreiros, foi uma das mais visitadas na galeria situada no Centur - Fundação Tancredo Neves (CENTUR). Visando a inserção e legitimação desses artistas no circuito artístico de Belém e de todo o Estado do Pará, a segunda edição abre no dia 7 de março, às 19h, trazendo 50 artistas e uma programação com performance, sempre a partir das 18h e Rodas de conversa nos dias 14, 21 e 28 de março, às 15h. Entrada franca.

A mostra traz um leque diverso e atuante da arte e cultura afro. Além da exposição e rodas de conversa, o evento conta com  a participação de Bruno B.O. (Hiphop), Carlos Cruz (performance de rua), Nazaré Cruz (tranças e moda afro), com o Coletivo Corpo Sincrético (O corpo trai), Zezinho do Mocambo (Corporeidade), Alan Fonseca e Sttefane Trindade (A cabaça de Anansy) e Ekedy Janete. 

Haverá exibições da Rede de Cineclubes de Terreiro/PARACINE nos dias 11, 18 e 25 de março, a partir de 16h e no encerramento, dia 28, marcam presença o coletivo AFAIA, Grupo Bambarê (Griot) e Duda Souza (Um (en) canto de Oxum), a partir das 18h. 

“Nós de Aruanda” rende homenagens à Mãe Doca, que é a Nochê Navakoly, iniciada nas tradições afro-brasileiras pelo africano ManoelTeuSanto, seu Vodun era Nanã e Toi Jotin e os artistas reunidos na exposição, são oriundos de vinte terreiros, incluindo coletivos como o AFAIA, Grupo Bambaré e o Coletivo Corpo Sincrético. 

Baseado no respeito à coletividade e na valorização da diversidade, esta iniciativa representa o esforço em tirar do anonimato e do silenciamento, a luta de mulheres negras e afro-religiosas, como a história de Mãe Doca, a homenageada da exposição.

Para saber mais sobre esta atitude que exige organização e preserverança (palavra que significa o ato de preservar e também dá nome a uma aldeia em São Tomé e Príncípe - África) em prol da diversidade afirmativa do protagonismo afro-amazônico, o blog conversou com o professor e pesquisador Arthur Leandro (Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará), também titular no colegiado setorial de culturas afro-brasileiras, o representando no Conselho Nacional de Política Cultural. Para mais informações sobre a programação, acesse aqui.

Holofote Virtual: Arthur, vocês estão no segundo ano desta ação. O que vem motivando a realização da exposição "Nós de Aruanda"?

Arthur Leandro: No Pará nós temos 5 conselheiros nacionais de culturas afro-brasileiras atuando junto ao MinC. Eu, Mametu Nangetu, Mametu Muagilê, Baba Omioryan (Emanuel Souza do Grupo Bambarê) e Ekedy Janete, de Castanhal. 

Os cinco estão na exposição. Posso te dizer que nacionalmente a gente tenta ocupar os espaços da institucionalidade da cultura. O Pará é referência nessa luta de visibilidade de artistas negros, e em especial os artistas de terreiro, e essa luta se reflete aqui também. 

Holofote Virtual: Da mesma forma que se quer trazer à visibilidade, a produção artísticas dos Terreiros, com este movimento, também se pretende romper barreiras que possam vir de dentro destes próprios, em relação aos locais de exposição?

Arthur Leandro: Nas artes visuais (diferente do teatro, da dança e da música), enfrentamos o campo mais restrito das ditas linguagens artísticas, e o que percebemos é que esse universo parece um campo fechado de uso restrito das camadas mais abastadas da sociedade – um mundo restrito às elites. 

Essa percepção estimulou o GEP Roda de Axé a iniciar o mapeamento da produção artística nas comunidades de terreiros, e nessa pesquisa - que consideramos em estágio embrionário - encontramos vários artistas que estão nesse processo de inserção e legitimação no circuito das artes visuais (muitos formados em faculdades de artes visuais).

Cena do documentário "Os velhos Baionaras" 
Direção de Stéfano Paixão
Holofote Virtual: Como se tem travado este diálogo?

Arthur Leandro: A proposta que o grupo apresentou aos artistas foi de reunir todos eles/nós em um esforço coletivo de realização de uma exposição em homenagem à Mãe Doca - ícone da resistência pelo direito à consciência de Povos Tradicionais de Terreiros de Matriz Africana no Pará - em que pudéssemos apresentar a diversidade dessa produção "periférica" como um discurso afirmativo do protagonismo afro-amazônico na produção de poéticas visuais.

A grande maioria não se sente (ou não se sentia) artista, e se somos um país multicultural, isso acontece porque essa multiculturalidade não chegou nos espaços de legitimação de arte... e boa parte de nós ainda não compreende o choque cultural entre os dois universos - de um lado nós, os de Aruanda, que fazemos arte no dia-a-dia sem a preocupação com o mercado de arte; e de outro o circuito de artes visuais a valorizar conquistas individuais e "destacar" os "grandes artistas" com interesse em valorização de mercado, esses (preconceituosamente) chamam a nossa produção de arte étnica...

Baba Luis Tayandô
De todo jeito, quando disputamos esses espaços de legitimação das artes visuais nós balançamos a estrutura que sustenta esse circuito até então unicamente voltado ao mercado - e veja bem que a nossa exposição obteve excelente pontuação de todos os avaliadores do edital de pauta da galeria, e nós ficamos em 1º lugar entre os projetos aprovados, ou seja: o próprio mercado percebeu a potência da produção dos artistas de terreiros.

Holofote Virtual: A produção artística dos terreiros é tradição, no entanto talvez não venha sendo compreendida/reconhecida como tal nem lá, nem cá. Trazer isso à tona, fora dos terreiros, além de reconhecimento, também é uma forma de sustentabilidade aos próprios terreiros? 

Arthur Leandro: A SEPPIR - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial lançou, em 2013, o Plano Nacional de Sustentabilidade de Povos Tradicionais de Matrizes Africanas, e este plano em seu primeiro objetivo, diz: “Promover a valorização da ancestralidade africana e divulgar informações sobre os povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, em iniciativas como “Realizar Campanha Nacional de informação e valorização da ancestralidade africana no Brasil”. 

O projeto coloca, como questão, a visibilidade das comunidades através da divulgação respeitosa das tradições com o protagonismo dos povos tradicionais de terreiros de matriz africana. E isso para nós é sustentabilidade (ver o PDF)

Peça exposta em 2013
Holofote Virtual: Tudo vai estar á venda? Como foi feita a curadoria para o que estará exposto?

Arthur Leandro: Tem uma lei que impede comercialização em galeria de instituição pública, mas os contatos para futuras negociações estarão disponíveis. 

Holofote Virtual: O que foi apresentado, em 2013?

Arthur Leandro: O que apresentamos nesta coletiva foram práticas artísticas do cotidiano das culturas da diáspora africana na Amazônia, ou algumas práticas poéticas que recriam algumas dessas diversas Áfricas amazônicas.

O conjunto das obras aponta para a pluralidade de entendimentos sobre o que é a arte, e que em comum trazem um forte viés emotivo baseado na coletividade, no cotidiano dos terreiros, nas lutas políticas por direitos de cidadania, na política afirmativa, nas práticas ritualísticas, na memória afetiva e na memória de vida como elementos essenciais para a construção de mundo que resulta na poética desses artistas. 

Assim como para a compreensão teórica para a construção dos paradigmas estéticos afro-amazônicos – ou os apontamentos para uma futura estética que tem a potência da estética diversificada e construída pela experiência plural negra e brasileira nesta região, e que indica vínculos a elementos socioculturais africanos e amazônidas.

Munanga (Zaire), professor de Antropologia 
da Universidade de  São Paulo, presente em 2013
Holofote Virtual: Quais foram os pontos positivos?

Arthur Leandro: Tivemos uma visitação de mais de 350 pessoas em 15 dias de exposição, e se considerarmos que a galeria não abre nos finais de semana, podemos dizer que a exposição durou 10 dias e que a média foi de 35 pessoas ao dia, o que para nós se configura como um sucesso. E se aqui em Belém tivemos grande repercussão expressa no público visitante da galeria, nas páginas de jornais, programas de rádio e de TV, e mesmo entre o meio artístico local. 

Os ecos dessa exposição também extrapolaram os limites do estado do Pará e ganharam as páginas de jornais e blogs especializados em nível nacional, assim como povoaram rodas de conversas e debates acadêmicos sobre a produção artística de afirmação dos valores civilizatórios afro-brasileiros. Na nossa percepção, essa ação foi uma experiência inovadora que conquistou o interesse da sociedade em seus mais variados setores. 

Mametu Nangetu, na abertura da exposição em 2013
Foto: Isabela do Lago
Holofote Virtual:  Vocês vão homenagear a Mãe Doca. Qual a importância dela para o “Nós de Aruanda”?

Arthur Leandro: A homenagem é uma celebração à memória da luta dessa mulher, sacerdotisa e liderança de Tambor de Mina, imigrante maranhense vinda da cidade de Codó, e que apenas três anos após a abolição da escravatura enfrentou o racismo luso-brasileiro e inaugurou seu Terreiro na capital paraense.

A luta pela liberdade religiosa no estado do Pará tem nome, e o nome dessa luta por liberdade é “Mãe Doca”. O Decreto Legislativo nº 05/2009 (proposição da Deputada Bernadete Tem Caten/ PT) instituiu na Assembleia Legislativa do Estado do Pará a Comenda "Mãe Doca" em homenagem aos Cultos Afro-Brasileiros.

O dia 18 de março foi dedicado aos umbandistas e aos afro-religiosos através da Lei Municipal nº 8272, de 14 de outubro de 2003 (autoria do vereador Ildo Terra/PT) e da Lei Estadual nº 6.639, de 14 de abril de 2004 (autoria da deputada Araceli Lemos/ PT e hoje no PSoL) e registra a luta de de dona Rosa Viveiros, Também conhecida como Nochê Navanakoly e como “Mãe Doca”.

Bruno B.O. que faz parte da edição em 2014
Holofote Virtual: Falamos da repercussão do ano passado. E com tudo o que foi, quais as expectativas de vocês para esta segunda edição?

Arthur Leandro: Este ano a gente quer consolidar a proposta e firmar esses artistas no cenário das artes visuais paraenses para pensar em alçar outros voos, pensamos em uma versão reduzida (talvez com painéis com imagens de cada trabalho e artista) para circular em escolas. E já temos convite para ir a outros Estados. Aguardamos somente a manifestação de patrocinadores para atravessarmos as fronteiras do município de Belém.

Um comentário:

Fábio Luis Siquera Miranda disse...

Lindo e próspero trabalho. Asè!