Obra "Zé Pilintra", de Bia Cabral |
Em 2013, a exposição que reuniu a produção artística dos
Terreiros, foi uma das mais visitadas na galeria situada no Centur - Fundação
Tancredo Neves (CENTUR). Visando a inserção e legitimação desses artistas no
circuito artístico de Belém e de todo o Estado do Pará, a segunda edição abre no dia 7 de março, às 19h, trazendo 50 artistas e uma programação com performance, sempre a partir das 18h e Rodas
de conversa nos dias 14, 21 e 28 de março, às 15h. Entrada franca.
A mostra traz um leque diverso e atuante da arte e cultura afro. Além da exposição e rodas de conversa, o evento conta com a participação de Bruno B.O. (Hiphop), Carlos Cruz
(performance de rua), Nazaré Cruz (tranças e moda afro), com o Coletivo Corpo Sincrético (O corpo trai), Zezinho do Mocambo
(Corporeidade), Alan Fonseca e Sttefane Trindade (A cabaça de Anansy) e Ekedy
Janete.
Haverá exibições da Rede de Cineclubes de Terreiro/PARACINE nos dias 11, 18 e 25
de março, a partir de 16h e no encerramento, dia 28, marcam presença o coletivo AFAIA, Grupo Bambarê (Griot) e Duda Souza (Um (en) canto de Oxum), a partir das 18h.
“Nós de Aruanda” rende homenagens à Mãe Doca, que é a Nochê Navakoly, iniciada nas
tradições afro-brasileiras pelo africano ManoelTeuSanto, seu Vodun era Nanã e
Toi Jotin e os artistas reunidos na exposição, são oriundos de vinte terreiros, incluindo coletivos como o AFAIA, Grupo Bambaré e o Coletivo Corpo Sincrético.
Baseado no respeito à coletividade e na valorização da diversidade, esta iniciativa representa o esforço em tirar do anonimato e do silenciamento, a luta de mulheres negras e afro-religiosas, como a história de Mãe Doca, a homenageada da exposição.
Para saber mais sobre esta atitude que exige organização e preserverança (palavra que significa o ato de preservar e também dá nome a uma aldeia em São Tomé e Príncípe - África) em prol da diversidade afirmativa do protagonismo afro-amazônico, o blog conversou com o
professor e pesquisador Arthur Leandro (Instituto de Ciências da Arte da
Universidade Federal do Pará), também titular no colegiado setorial de culturas
afro-brasileiras, o representando no Conselho Nacional de Política Cultural. Para
mais informações sobre a programação, acesse aqui.
Holofote Virtual: Arthur, vocês estão no segundo ano desta ação. O que vem motivando a realização da exposição "Nós de Aruanda"?
Arthur Leandro: No Pará nós temos 5 conselheiros
nacionais de culturas afro-brasileiras atuando junto ao MinC. Eu, Mametu
Nangetu, Mametu Muagilê, Baba Omioryan (Emanuel Souza do Grupo Bambarê) e Ekedy
Janete, de Castanhal.
Os cinco estão na exposição. Posso te dizer que
nacionalmente a gente tenta ocupar os espaços da institucionalidade da
cultura. O Pará é referência nessa luta de visibilidade de artistas
negros, e em especial os artistas de terreiro, e essa luta se reflete aqui
também.
Holofote Virtual: Da mesma forma que se quer trazer à visibilidade, a produção artísticas dos Terreiros, com este movimento, também se pretende romper barreiras que possam vir de dentro destes próprios, em relação aos locais de exposição?
Arthur Leandro: Nas artes visuais (diferente do teatro, da dança e da
música), enfrentamos o campo mais restrito das ditas linguagens
artísticas, e o que percebemos é que esse universo parece um campo
fechado de uso restrito das camadas mais abastadas da sociedade – um mundo
restrito às elites.
Essa percepção estimulou o GEP Roda de Axé a iniciar o
mapeamento da produção artística nas comunidades de terreiros, e nessa pesquisa
- que consideramos em estágio embrionário - encontramos vários artistas que
estão nesse processo de inserção e legitimação no circuito das artes visuais
(muitos formados em faculdades de artes visuais).
Cena do documentário "Os velhos Baionaras"
Direção de Stéfano Paixão
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Holofote Virtual: Como se tem travado este diálogo?
Arthur Leandro: A proposta que o grupo apresentou aos
artistas foi de reunir todos eles/nós em um esforço coletivo de realização de
uma exposição em homenagem à Mãe Doca - ícone da resistência pelo direito à
consciência de Povos Tradicionais de Terreiros de Matriz Africana no Pará - em
que pudéssemos apresentar a diversidade dessa produção
"periférica" como um discurso afirmativo do protagonismo
afro-amazônico na produção de poéticas visuais.
A grande maioria não se sente (ou não se sentia) artista, e
se somos um país multicultural, isso acontece porque essa multiculturalidade
não chegou nos espaços de legitimação de arte... e boa parte de nós ainda não
compreende o choque cultural entre os dois universos - de um lado nós, os de
Aruanda, que fazemos arte no dia-a-dia sem a preocupação com o mercado de arte;
e de outro o circuito de artes visuais a valorizar conquistas
individuais e "destacar" os "grandes artistas" com
interesse em valorização de mercado, esses (preconceituosamente) chamam a nossa
produção de arte étnica...
Baba Luis Tayandô |
De todo jeito, quando disputamos esses espaços de
legitimação das artes visuais nós balançamos a estrutura que sustenta
esse circuito até então unicamente voltado ao mercado - e veja bem que a nossa
exposição obteve excelente pontuação de todos os avaliadores do edital de pauta
da galeria, e nós ficamos em 1º lugar entre os projetos aprovados, ou seja: o
próprio mercado percebeu a potência da produção dos artistas de terreiros.
Holofote Virtual: A produção artística dos terreiros é
tradição, no entanto talvez não venha sendo compreendida/reconhecida como tal
nem lá, nem cá. Trazer isso à tona, fora dos terreiros, além de reconhecimento,
também é uma forma de sustentabilidade aos próprios terreiros?
Arthur Leandro: A SEPPIR - Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial lançou, em 2013, o Plano Nacional de
Sustentabilidade de Povos Tradicionais de Matrizes Africanas, e este plano em
seu primeiro objetivo, diz: “Promover a valorização da ancestralidade africana
e divulgar informações sobre os povos e comunidades tradicionais de matriz
africana”, em iniciativas como “Realizar Campanha Nacional de informação e
valorização da ancestralidade africana no Brasil”.
O projeto coloca, como
questão, a visibilidade das comunidades através da divulgação respeitosa das
tradições com o protagonismo dos povos tradicionais de terreiros de matriz
africana. E isso para nós é sustentabilidade (ver o PDF)
Peça exposta em 2013 |
Holofote Virtual: Tudo vai estar á venda? Como foi feita a curadoria para o que estará exposto?
Arthur Leandro: Tem uma lei que impede comercialização em galeria de instituição pública, mas os contatos para futuras negociações estarão disponíveis.
Holofote Virtual: O que foi apresentado, em 2013?
Arthur Leandro: O que apresentamos nesta coletiva foram
práticas artísticas do cotidiano das culturas da diáspora africana na Amazônia,
ou algumas práticas poéticas que recriam algumas dessas diversas Áfricas
amazônicas.
O conjunto das obras aponta para a pluralidade
de entendimentos sobre o que é a arte, e que em comum trazem um
forte viés emotivo baseado na coletividade, no cotidiano dos terreiros, nas
lutas políticas por direitos de cidadania, na política afirmativa, nas práticas
ritualísticas, na memória afetiva e na memória de vida como elementos
essenciais para a construção de mundo que resulta na poética desses
artistas.
Assim como para a compreensão teórica para a
construção dos paradigmas estéticos afro-amazônicos – ou os apontamentos para
uma futura estética que tem a potência da estética diversificada e
construída pela experiência plural negra e brasileira nesta região, e que
indica vínculos a elementos socioculturais africanos e amazônidas.
Munanga (Zaire), professor de Antropologia
da Universidade de São
Paulo, presente em 2013
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Holofote Virtual: Quais foram os pontos positivos?
Arthur Leandro: Tivemos uma visitação de mais de 350
pessoas em 15 dias de exposição, e se considerarmos que a galeria não
abre nos finais de semana, podemos dizer que a exposição durou 10
dias e que a média foi de 35 pessoas ao dia, o que para nós se configura
como um sucesso. E se aqui em Belém tivemos grande repercussão expressa no
público visitante da galeria, nas páginas de jornais, programas de rádio e de
TV, e mesmo entre o meio artístico local.
Os ecos dessa exposição também extrapolaram
os limites do estado do Pará e ganharam as páginas de jornais e blogs
especializados em nível nacional, assim como povoaram rodas de conversas e
debates acadêmicos sobre a produção artística de afirmação dos valores
civilizatórios afro-brasileiros. Na nossa percepção, essa ação foi uma
experiência inovadora que conquistou o interesse da sociedade em seus mais
variados setores.
Mametu Nangetu, na abertura da exposição em 2013
Foto: Isabela do Lago
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Holofote Virtual: Vocês vão homenagear a Mãe
Doca. Qual a importância dela para o “Nós de Aruanda”?
Arthur Leandro: A homenagem é uma celebração à memória
da luta dessa mulher, sacerdotisa e liderança de Tambor
de Mina, imigrante maranhense vinda da cidade de Codó, e que
apenas três anos após a abolição da escravatura enfrentou o racismo
luso-brasileiro e inaugurou seu Terreiro na capital paraense.
A luta pela liberdade religiosa no estado do Pará tem nome, e o nome dessa luta por liberdade é “Mãe Doca”. O Decreto Legislativo nº 05/2009 (proposição da Deputada Bernadete Tem Caten/ PT) instituiu na Assembleia Legislativa do Estado do Pará a Comenda "Mãe Doca" em homenagem aos Cultos Afro-Brasileiros.
O dia 18 de março foi dedicado aos umbandistas e aos afro-religiosos através da Lei Municipal nº 8272, de 14 de outubro de 2003 (autoria do vereador Ildo Terra/PT) e da Lei Estadual nº 6.639, de 14 de abril de 2004 (autoria da deputada Araceli Lemos/ PT e hoje no PSoL) e registra a luta de de dona Rosa Viveiros, Também conhecida como Nochê Navanakoly e como “Mãe Doca”.
Bruno B.O. que faz parte da edição em 2014 |
Holofote Virtual: Falamos da repercussão do ano passado. E com tudo o que foi, quais
as expectativas de vocês para esta segunda edição?
Arthur Leandro: Este ano a gente quer consolidar a proposta e firmar esses
artistas no cenário das artes visuais paraenses para pensar em alçar outros voos, pensamos em uma versão reduzida (talvez com painéis com imagens de cada
trabalho e artista) para circular em escolas. E já temos convite para ir a
outros Estados. Aguardamos somente a manifestação de patrocinadores para
atravessarmos as fronteiras do município de Belém.
Um comentário:
Lindo e próspero trabalho. Asè!
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