30.6.10

Luiz Carlos França: o poeta nos deixa, mas sua poesia eterniza-se

A esta hora sua luz já se tornou uma estrela a brilhar sobre todos nós. Mas no último dia 10 de junho, ele estava lançando seu quarto livro de poesias. Em meio a um coquetel e muita música, o livro “Boca de Ferro” amplificava aquilo que ele mais amava fazer, escrever.

O poeta Luiz Carlos França morreu no final desta tarde de quarta-feira, 30 de junho. Pode-se dizer que ele se foi entre amigos que, por “coincidência”, passavam naquele exato momento pela esquina da Carlos Gomes com a Av. Presidente Vargas.

O poeta veio ao chão e lá ficou, como que embarcando numa viagem de sonho. Em volta, o cenário que diz muito sobre ele, parecia ter advinhado tudo antes de nós. O Bar do Parque, o Teatro Waldemar Henrique, o ex-Núcleo de Artes da UFPA, onde ele lançou o primeiro livro, “Sangrado Coração de Poeta” (2001).

E mais. Em plena Praça da República, espaço por onde tantas vezes caminhou, e ao lado do Banco da Amazônia, cujo edital patrocinou sua última obra. Como me disse há pouco o jornalista, ator e amigo próximo, José Carlos Gondim, nada é coincidência.

Ele estava acompanhado de uma sobrinha, a caminho de um médico, pois acabara de sentir-se mal. Dentro do táxi teve falta de ar e ao sair do carro teve um ataque fulminante. Não resistiu. O corpo será velado por toda esta noite e madrugada no Teatro Waldemar Henrique.

Luiz Carlos França lançou ainda outros dois livros, Olhar do Dragão (2002) e Poemas de Miriti (2006). Fez parte de uma geração que movimentou Belém na distante década de 80, foi um artista que sempre esteve presente na vida cultural da cidade.

Compositor, fez parceria em grandes sucessos de Eloi Iglesias, foi diretor, ator, mas nunca deixou sua maior paixão, a poesia.

“As outras expressões artísticas eram coletivas, a poesia sempre foi algo solitário, quando eu ficava numa viagem interior”, explicou ele ao amigo Wanderson Lobato para quem deu sua última entrevista, publicada aqui no Holofote Virtual e que segue republicada em sua homenagem.

Wanderson Lobato: Música, teatro e poesia. O que veio primeiro na tua vida?

Luiz Carlos França: Tudo ao mesmo tempo. Quando participei do Festival de Música da UFPA, em 72, eu também já publicava, fazia poema-varal na cidade. E também entrei pra Escola de Teatro da UFPA. Então essa questão da arte veio tudo junto na minha vida. Desde pequeno assistia aos espetáculos da SAI (Sociedade Artística Internacional), já extinta, que funcionava onde hoje é a Academia Paraense de Letras. Eu ficava admirado com o que via e com uma intensa vontade de participar de tudo aquilo.

Wanderson Lobato: De lá pra cá, não parou mais.
Luiz Carlos França: Sempre produzindo. Na verdade sou multimídia. Já fiz teatro, poesia, vídeo e componho para música.

Wanderson Lobato: E a poesia sempre presente na tua vida...
Luiz Carlos França: As outras expressões artísticas eram coletivas, a poesia sempre foi algo solitário, quando eu ficava numa viagem interior. E gosto de escrever à noite, pelas madrugadas, parece que o pulsar da arte é maior.

Wanderson Lobato: Como encaras aquela década de 80 e os dias de hoje?
Luiz Carlos França: Era uma época de intenso movimento cultural, os grupos de teatro da cidade sempre estavam apresentando seu repertório e em vários lugares. Inclusive, formando o anfiteatro da Praça da República como espaço cultural da cidade. Foi nessa época que ele começou a ser utilizado como área de espetáculo.

Wanderson Lobato: Nessa época, eras integrante do Grupo Cena Aberta...
Luiz Carlos França: Era um grupo de teatro que vivia em atividade, sempre contestando a ditadura militar com espetáculos fortes. No Ajuricaba, do Márcio Souza, foi lido manifesto em favor dos índios da Amazônia que na época eram tratados até como animais.

Fizemos Cena Aberta Canta Zumbi, falamos contra a discriminação racial. Era um grupo militante. Junto com os ensaios tínhamos palestras com sociólogos e antropólogos pra maior entendimento das questões que falávamos, conversávamos com Romero Ximenes, Anaísa Virgulino, Lúcia Husak e muitos outros.

Wanderson Lobato: E fazias uma bailarina...
Luiz Carlos França: Muitos espetáculos que fiz foram com o Cena Aberta. Um que foi de muito sucesso foi o Palácio dos Urubus, que eu fazia a bailarina que pontuava no espetáculo. Era uma criação coletiva com direção de Luis Otávio Barata. Com a bailarina ganhei prêmio de melhor ator pela crítica local.

Wanderson Lobato: Fale um pouco mais sobre a música.
Luiz Carlos França: Meu parceiro mais freqüente é Eloy Iglesias com composições da década de 70 até hoje e também tenho músicas com Jr. Soares, Pedrinho Cavallero, Minni Paulo. Hoje já estou com quatro composições para serem lançadas no próximo trabalho do Eloy Iglesias.

Wanderson Lobato: E este novo trabalho, por que Boca de Ferro?
Luiz Carlos França: É uma alegoria, uma metáfora que eu criei literariamente pra definir meu coração, o motivo maior do meu fazer poético, que é olhar a vida e falar através do coração.

O Boca de Ferro é aquela rádio popular que coloca alto-falantes nas ruas, nos postes; é um ícone paraense por onde todos os acontecimentos culturais são levados a público. Nas cidades do interior e mesmo na capital. Por isso minha vontade de levar minha poesia através dele.

Wanderson Lobato: Como surgiu a idéia do livro?
Luiz Carlos França: A poesia não está só nas palavras de um livro, elas devem percorrer as ruas, onde há uma resposta imediata do público. Inclusive, o lançamento do livro me permite fazer esses saraus e, até, num outro momento, colocar um boca de ferro pra divulgar poesia pelas ruas e interagir com as pessoas.

Um comentário:

Lucinha disse...

É um momento muito dificil. Que os amigos e a familia tenham coragem.