Iva Rothe faz "Aparecida" em Anapu |
Fotos: Fotoativa
Com um trabalho que explora sonoridades e ritmos diversos da cultura amazônica, a cantora e compositora Iva Rothe estará em dois palcos da cidade neste final de semana. Ela canta como convidada especial do show dos 40 anos do cantor, compositor e amigo Henry Burnett, no Teatro Cláudio Barradas, no sábado, às 20h, e no domingo, numa programação que inicia às 19h, faz um grande show no palco do Conexão Vivo Belém, na Praça D. Pedro II, tendo como convidado músico e produtor cultural Manoel Cordeiro.
O show do domingo é o Aparecida, escolhido pela curadoria do Programa Conexão Vivo, via Lei Semear, para circular por algumas capitais do Brasil e por algumas cidades do Pará. “Já fizemos shows em Belo Horizonte, Castanhal, Salvador e ainda temos shows em Salinas, Natal e agora o de Belém”, explica a artista.
Voltada às temáticas amazônicas em várias esferas, a cantora realizou este ano uma oficina de música com os moradores da pequena cidade de Anapu. No mês de julho, Iva estava lá e cantou no encerramento da 6ª Romaria da Floresta, no mesmo assentamento onde irmã Dorothy Stang foi assassinada, em 2005. Era sim uma grande homenagem à Dorothy, quem na verdade deu a Iva a idéia inicial do que mais tarde se tornaria um belo projeto.
Era dia 06 de fevereiro daquele fatídico ano. Irmã Dorothy estava em Belém para se reunir com Marco Apolo, da Sociedade Paraense de Direitos Humanos - SPDDH. O encontro foi marcado na casa da cantora. Enquanto esperava pelo presidente da entidade, a missionária que acompanhava o trabalho da artista, de forte ligação com as questões amazônicas de ordem social, ambiental e de consciência feminina, deu uma sugestão a ela.
Chegando no município |
“Eu estava lavando louça. Aí Dorothy se virou pra mim e disse: ‘Iva, você poderia levar sua música para nosso povo’. Seis dias depois, ela estava morta”, lembra a cantora. Em 2009 abriu o edital do prêmio Secult de Música no qual ela pretendia inscrever um projeto de circulação do show “Aparecida”, fruto de seu terceiro CD.
“Pelas diretrizes do edital, a melhor cidade para que ela realizasse o circuito de shows era Anapu, cidade com um dos menores IDH-M do Pará. Foi assim que aquele pedido voltou à minha memória e inscrevi o projeto, que passou”.
Em seguida, Iva também aprovou, no edital do Banco da Amazônia, um projeto de oficina de Criação de Música e Letra e o Ulysses Moreira, baterista do projeto, uma oficina de Ritmos Amazônicos.
Este ano, ela estava de volta a Anapu com Ulysses Moreira (bateria) e os músicos Príamo Brandão (contrabaixo) e Márcio Jardim (percussão). Fizeram o show num domingo e na segunda-feira iniciaram o processo gravação das sonoridades produzidas pelos colonos.
“Estamos com o material a postos, para inscrever o projeto de finalização do CD em editais através dos quais possamos lançar um disco com músicas dos compositores de Anapu e regiões vizinhas”, conta Iva.
Na época, o procurador do Ministério Público Federal, Felício Pontes Júnior, defensor de grandes causa como a de Anapu, Irmã Dorothy e Belo Monte, estava na cidade e chegou a ver a movimentação toda para o show que aconteceu no calor das 13h.
O show em Anapu |
“Eu estava lá, fazendo um trabalho de retirada de alguns madeireiros que estavam entrando na área da Irma Dorothy , mas vim embora antes do show da Iva, que seria no dia seguinte.
O engraçado é que ela fez o show e não voltou para Belém. Ficou lá por vários dias. Quando a encontrei aqui, percebi que ela estava totalmente envolvida, em total ebulição com o projeto, do qual tive mais notícias”, comentou o promotor em entrevista ao Holofote Virtual durante o 1º TEDx que ocorreu em Belém, no mês de agosto.
Felício lembra que na época, Iva lhe disse que ouviu relatos emocionantes. “Posso compreender, porque a área de Dorothy é formada por gente que foi expulsa por fazendeiros. Saíram do Maranhão, Ceará, Tocantins e Goiás e ali formaram um grupo híbrido, cada um tem uma história diferente de vida para contar. Estou ansioso para ouvir este CD”, diz.
Cantora, compositora, arranjadora, instrumentista e professora. Iva Rothe além de talento nato é de uma generosidade que impressiona e nos faz admirar mais ainda seu trabalho. Por toda sua vida vem amando a música. Aos oito anos estudava piano. Depois dos 15 escolheu seu instrumento definitivo, o teclado.
Relatos |
Ao longo da carreira artística ela sempre foi em busca de algo que fizesse mais sentido e que estimulasse mais ainda o seu potencial criativo. A capoeira chamou atenção da moça e ela o que fez? Aprendeu a tocar berimbau.
Com 16 fez parte da banda “Ácido Cítrico”, seguiu trabalhando com o contrabaixista Minni Paulo e pasmem, bem jovem, participou do grupo Gema, ao lado de Nego Nelson, Dadadá, Sagica, Kzam Gama e Bob Freitas. Fez mais. Acompanhou o saudoso Walter Bandeira em uma turnê pelo Estado.
Nesta entrevista especial para o Holofote Virtual, Iva nos conta mais sobre este seu novo processo e da carreira que percorre os caminhos do erudito, do popular, do jazzístico e, agora, contando com as contribuições preciosas do povo de Anapu. Ave Iva, que o CD saia em breve!
Holofote Virtual: Iva em que pé está o projeto, o que já fizeram e o que resta ser feito?
Iva Rothe: O atual projeto, que é de Produção e lançamento do CD de canções de Anapu, está com as músicas gravadas em pistas independentes (levamos um estúdio móvel esse ano para lá). Devemos aproveitar grande parte do que já gravamos, em especial dos instrumentos, que não recebem interferência sonora do meio externo: teclado, violão e alguma coisa de bateria e percussão.
Primeiro dia de gravação |
Holofote Virtual: Como foi isso, o que foi aproveitado?
Iva Rothe: Aproveitaremos tudo o que for possível das vozes e percussões gravadas e agora planejaremos, a partir do resultado sonoro das gravações, o que e como regravar o que for necessário.
O projeto de produção e lançamento do CD consiste em finalizar os arranjos, regravar o que for preciso, mixar, masterizar, prensar os exemplares e lançar o CD lá em Anapu, numa grande festa.
Holofote Virtual: Você sempre tratou de temas que envolvem causas femininas e de justiça social, do imaginário amazônico. Fala um pouco dessa tua trajetória e destas tuas escolhas.
Iva Rothe: O Aparecida é um CD que "fala" do feminino amazônico, com mulheres de vários lugares do Pará, falando sobre serem ou não aparecidas. E ser ou não aparecida, como bem disse Ana Lúcia Bastos na abertura da faixa Aparecida, no disco, tem a ver com ser ou não "protagonista de uma história". Essa é, como para ela, "uma idéia que me agrada muito".
E isso tem tudo a ver com as questões sociais. A questão da justiça social perpassa meu trabalho, tanto em "Aparecida", como em "Fortuna Real" e em "Dizaparecida", vinculada principalmente às questões de gênero, mas também às questões étnicas e de classe.
Isso vem acontecendo naturalmente, desde que comecei a compor. Minha música não enfoca essas temáticas como característica mais marcante, mas acho muito bom quando isso aparece de maneira espontânea naquilo que faço.
A floresta soberana |
O imaginário amazônico é um tema que sempre atrai muito o meu interesse e a minha atenção, como em Umatinta, faixa do meu primeiro CD, Aluguel de Flores.
E "Umatinta" também fala de um processo de empoderamento feminino, profundamente vinculado à valorização de nossas raízes amazônicas. São enfoques sobre a valorização do feminino, como também da cultura do povo amazônico, com um olhar e um "ouvir" para algumas características que nos diferenciam de todo e qualquer outro povo no planeta.
Holofote Virtual: O procurador Felício Pontes tem grande admiração pelo teu trabalho. Ele estava em Anapu quando chegastes para s oficinas. Como você vê também o projeto de vida dele em busca de justiça nestas terras do Pará?
Iva Rothe: Fazemos parte de um todo que, graças a Deus, é muito maior do que nós e que tende a crescer a cada dia: o todo que inclui todas aquelas pessoas que acreditam num mundo mais justo e que acreditam que a paz só é possível se houver justiça. E que a justiça no campo é fundamental no Brasil.
Esse todo inclui cada pessoa em Anapu e em todo o Brasil que integra as Romarias da Floresta a cada ano, que integra a luta e o compromisso diário em manter a floresta amazônica viva e, assim, deixando-a viver, tirar dela o seu sustento.
Inclui cada criança, adulto e idoso que participou do nosso show e das oficinas lá em Anapu, com suas criações, com o fruto de sua lavoura que nos alimentou a todos, com os preparativos para nos receberem carinhosamente e com o empenho de mostrar músicas que eles às vezes passaram meses elaborando e ensaiando para tocar e cantar.
Homenagens a Dorothy |
Inclui cada pessoa da equipe do Felício no Ministério público e de seus colegas procuradores que trabalham com esse afinco incansável.
Inclui cada músico da banda que me acompanhou com sua musicalidade e talento, a Fotoativa que enviou seu representante para fazer o registro fotográfico (Miguel Chikaoka tem profundo vínculo com a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos), a Unipop que enviou seu cinegrafista para o registro audiovisual do show e das oficinas.
Inclui gerações atuais que se inspiram no legado de gerações anteriores. Inclui as Irmãs de Notre Dame de Namur, congregação da irmã Dorothy, e outras congregações que trabalham em Anapu.
Inclui a sociedade civil, igrejas, organizações governamentais e não-governamentais. O Felício tem sido um grande parceiro na troca de idéias sobre esse trabalho que vem sendo feito em continuidade em Anapu, e que promete integrar cada vez mais parcerias, num encontro cada vez mais expressivo culturalmente. Fico muito, muito feliz que estejamos juntos nesse barco e que esse barco já esteja começando a virar uma balsa - com pessoas querendo contribuir com seus talentos, nas mais variadas manifestações artísticas, num encontro que fortalece a luta pela justiça no campo.
Quem sabe irmã Dorothy já antevisse isso?
Admiro profundamente o trabalho do Felício. Minha mãe sempre diz que é através de pessoas como ele, que unem conhecimento, sabedoria, coragem, fé, perseverança e espírito de coletividade na luta pela justiça, que as mudanças no mundo são passíveis de acontecer. Compartilho com ela dessa opinião.
Imagens captadas nas oficinas |
Holofote Virtual: Você é uma artista sempre muito atuante neste cenário da vida cultural. Tem um fôlego e uma paixão incrível por tudo que faz. Como está sua vida profissional de maneira geral?
Iva Rothe: Tem estado ótima e bastante movimentada. Ainda sobre projetos: preparo meu novo CD para inscrever no próximo edital da Semear e estou captando recursos para o DVD Aparecida, além do projeto do CD de Anapu.
Para além dos projetos, a partir de março desse ano fui chamada pelo concurso da Fundação Tancredo Neves para ser técnica em gestão cultural da Gerência de Promoção da Leitura da Fundação.
Tenho trabalhado numa equipe ótima, que circula por todo o Pará com um ônibus biblioteca com um acervo incrível, implanta Grãos de Leitura em todo o estado e dá capacitação e treinamento para futuros mediadores de leitura. Tem sido ótimo!
2 comentários:
Ei, Lu, a matéria ficou maravilhosa! A seleção das fotos também! Muito obrigada! Como já te disse, estou felicíssima em estarmos juntas trabalhando em todas essas histórias! Beijo enorme pra ti!
Iva, querida, nós também estamos muito felizes!!!!
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