6.9.15

Peça leva Dalcídio Jurandir a outros solos literários

Fotos do espetáculo: Eloi Corrêa
Inspirado em Dalcídio Jurandir, um dos maiores romancistas do Norte do país, um projeto tem conquistando plateias e ampliando o conhecimento sobre  a obra do autor que tem o Marajó como norte em suas narrativas. Próxima parada do "Solo de Marajó nos solos de outros Brasis", contemplado pelo Prêmio Myriam Muniz:  a Paraíba. 

O blog bateu um papo com o ator Cláudio Barros e com o diretor Alberto Silva Neto, do grupo Usina, que leva o projeto pelo país. Os dois, que têm larga experiência na vivência teatral, contam como tem sido o desafio de levar Dalcídio a outras plateias.

Cláudio Barros está prestes a completar 40 anos de carreira. Em 1976, aos 12 anos, já mostrava uma fascinação pelo teatro ao impor aos pais o direito de assistir a todos os espetáculos infantis do Theatro da Paz. O amor pelas artes está ligado ao avô, Eimar Tavares, conhecido poeta e jornalista paraense. Além do tatro, ele também enveredou pelo cinema, fazendo produção de elenco ou direção de ator, mas o teatro lhe tem por inteiro, a prova disso é que ele nunca o largou.

Já, Alberto Silva Neto, que também tem uma longa trajetória no teatro, é ator, diretor e jornalista, além de ser professor da Escola de Teatro e Dança da UFPA. A afinidade com a obra de Dalcídio Jurandir vem de longa data. Em 2010 ele coordenou um seminário que resultou no espetáculo “Eutanázio e o princípio do mundo”, que saiu também da obra do escritor. 

Alberto e Cláudio: abraço e conquista
Além de trabalhos independentes, Alberto e Cláudio também já atuaram juntos em vários momentos de suas trajetórias. Muito natural que nesta circulação, que tem mexido com os corações e aberto horizontes, a dupla que já pense em novos projetos. 

Solo de Marajó chega a esta circulação nacional após várias temporadas, em Belém, passando por São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2010, em São Paulo, foi mostrado na I Mostra da Cena Paraense Contemporânea, e esteve de volta à capital paulista no ano passado, integrando a programação da Virada Cultural.  

Em fevereiro deste ano, Solo de Marajó integrou a programação do Midrash Centro Cultural, no Rio de Janeiro. A receptividade foi tão boa que resultou em outras cinco apresentações na capital fluminense e outra no município de Niterói, num período de apenas três meses.

Tudo isso serviu de aquecimento e aprimoramento. O Prêmio Myriam Muniz 2014 da Fundação Nacional das Artes (Funarte) agora possibilita que a circulação passe por Estados de origem de outros cinco romancistas brasileiros, sempre com duas apresentações em cada capital e uma na cidade natal de cada escritor. Já foi apresentado nas cidades baianas de Itabuna, terra natal de Jorge Amado, e Salvador; depois seguiu para Alagoas, com apresentações em  Quebrangulo, onde nasceu Graciliano Ramos, e Maceió.

Agora chegou a vez da terra do escritor paraibano José Lins do Rego, que receberá o espetáculo em mini temporada em João Pessoa nos dias 11 e 12 de setembro, às 20h, no Centro Cultural Piollin (Rua Professor Sizenando Costa, s/n) e, logo em seguida, no dia 13, em Pilar, também às 20h, na Fundação Menino do Engenho, localizada em rua batizada com o nome de seu filho ilustre. Tudo com entrada gratuita. Da Paraíba, ainda seguirá para o Ceará de Rachel de Queiroz (Fortaleza e Quixadá) e o Rio Grande do Sul de Érico Veríssimo (Porto Alegre e Cruz Alta). 

“Solo de Marajó” circula como um teatro a dois. Cláudio Barros assume atuação e figurino, enquanto Alberto dá conta da direção e iluminação. A dramaturgia é dos dois também, em parceria com Carlos Correia Santos. A produção é de Sandra Conduru. 

Holofote Virtual:  Solo de Marajó já está em cartaz desde 2009, isso é raro para um espetáculo. Muitas vezes as montagens se concretizam, ficam dois finais de semana em cartaz e saem de cena. A saída é a circuação fora de Belém. Por onde Solo já passou até este momento atual?

Cláudio Barros: Não percebi o tempo passar. Nossa atenção está sempre focada no processo de criação permanente. Não existe produto acabado. Para construir é necessário experimentar, fazer lentamente, para depois desconstruir e começar tudo outra vez. Isso leva tempo. E esse tempo tem uma contagem específica, única. Quando é lembrado os seis anos de existência do Solo, fico surpreso porque percebo que ainda falta muito para o espetáculo ficar pronto. Talvez nunca consiga isso. 

Alberto Silva Neto: Minha resposta vai em duas direções: primeiro, no sentido artístico, o que mantém o espetáculo vivo é, acima de tudo, a nossa necessidade de fazê-lo, de nos mantermos em estado permanante de criação, de visitar nosso pensar sobre o teatro através desse fazer. Portanto, pra nós, o espetáculo é muito mais processo que produto acabado.

Por outro lado, no sentido político, não desistir de fazer sempre, apesar de toda dificuldade, é uma atitude de resistência contra esse quadro desolador que vivemos há décadas, no Pará, no que diz respeito às políticas públicas para a Cultura. Fazer o Solo é como dizer: Vejam, nosso teatro não vai acabar! Ele não tem quase nada, mas enquanto o artista existir, ele existirá.

Foi assim que a gente já fez inúmeras temporadas em Belém, rodamos muitos municípios paraenses, incluindo cinco na Ilha de Marajó, e também fomos a São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói, tudo por conta própria, quase sem nenhum apoio. E agora, em agosto, fizemos os estados da Bahia e Alagoas, por onde começamos esta circulação, com apresentações em Itabuna, Salvador, Quebrangulo e Maceió. Agora temos o patrocínio da Funarte, através do prêmio Myriam Muniz, mas também tivemos muitos parceiros nas quatro cidades por onde já passamos.

Holofote Virtual: Neste edital você aprovaram um projeto que faz uma conexão muito bacana e que interessou à Funarte, estabeleceram um link com cidades de outros romancistas, que narraram sua região. Como vocês chegaram a esta ideia?

Alberto Silva Neto: Sempre que apresentamos o espetáculo fora do Pará, observamos que a maioria dos espectadores se identifica com as narrativas, embora não saiba o que é viver na Amazônia. Isso mostra, de certa forma, a universalidade da obra de Dalcídio, assim como acontece com as de Graciliano, Veríssimo, todos. 

A alcunha de regionalistas não lhes resume, muito pelo contrário. Então pensamos que poderia ser interessante “apresentar” Dalcídio em outros solos, e ao mesmo tempo estimular as pessoas a discutirem sobre o quanto a literatura, o teatro, a arte enfim, são poderosos instrumentos de reflexão sobre quem somos, sobre essa coisa que é ser de um lugar. A ideia também é mostrar a necessidade de que “um” Brasil se reconheça em “outro” Brasil.

Cláudio Barros: É importante revelar que a convivência diária com o Alberto, no exercicio de nossas funções, possibilita que tenhamos muitas idéias. O que move nossas vidas é a dinâmica do fazer teatral. Como conseqüência surgem idéias. Muitas delas são transformadas em projetos. Solo de Marajó nos solos de outros brasis, nasce nesse movimento.

Percebendo a universalidade da obra de Dalcídio, com sua narrativa que encontra equivalências por onde passa, lembramos então de outros grandes escritores, de outras regiões do Brasil e que, de alguma forma, dialogava com essa universalidade.

Holofote Virtual: Cláudio, carregar a obra de um romancista  como Dalcídio Jurandir não deve ser simples. Em cena solo, você se dedica a  traduzir em texto e corpo a essência literária de Dalcídio para o palco. Fala dessa construção.

Cláudio Barros: Quando tenho que falar sobre isso me sinto meio perdido. Meu prazer é tão grande quando mergulho nesse universo, que não consigo me perceber carregando nada. Muito pelo contrário, sou levado sem sentir. Me perco na beleza poética da construção do fluxo narrativo. Fico concentrado na percepção e no entendimento desse contador de história, desse ator narrador. Meu avô, o poeta Eimar Tavares, lia o romance Marajó, enquanto me embalava na rede. Talvez por isso não tenha sentido o peso.

Holofote Virtual: E a circulação em si, me fala das plateias, reação do público. Vocês fazem bate papo?

Alberto Silva Neto: O projeto aprovado inclui, além das apresentações gratuitas, uma conversa com o público após os espetáculos, para a qual convidamos também artistas, produtores culturais e gestores da cultura de cada cidade. E, olha, os encontros tem sido experiências extraordinárias! Fica muito evidente, por exemplo, o quanto os brasileiros tem sede de arte, mas são cruelmente privados do acesso a ela. 

As estruturas de poder tentam fazer não parecer, mas a arte é libertária e transformadora, ou seja, essencial. Por isso torna-se tão ameaçadora. É melhor então que não exista! Pelo menos aquela que faz pensar...

Novas plateias para um eterno Dalcídio
Holofote Virtual: O que mais aguça o interesse do público após ver o espetáculo? 

Cláudio Barros: A encenação centrada na figura do ator é o que mais chama atenção do público. As pessoas falam do prazer que é perceber a força da imaginação, provocada apenas pela presença de uma narrador. Não tem nada e o público enxerga tudo. Chegam a conclusão que cada espectador constroi seu próprio espetáculo. Isso é muito bom.

Em todos os lugares que já apresentamos, a reação é de muito interesse pela obra de Dalcídio. Querem sempre saber onde podem comprar seus livros. As histórias contadas no espetáculo abordam temas bem brasileiros, com correspondência em quase toda zona rural do nosso país. A identificação com os dramas vividos pelos personagens de Dalcídio é imediata e inevitável.

Alberto Silva Neto: Muitas pessoas se mostram surpresas com o fato do ator contar tudo sozinho, no palco vazio, e elas “verem” tudo. Acho lindo isso. É um testemunho da potência do teatro como linguagem. Nesse sentido, também acho que nossas escolhas de encenação contribuem pra pensar a arte não apenas como representação da realidade, da vida, mas como criação de outras vidas, de outros mundos.

Holofote Virtual: Vocês nestas circulações também encontraram a família do Dalcidio, como foi este encontro?

Cláudio Barros: Encontramos a familia do Dalcidio, pela primeira vez, na Virada Cultural em São Paulo, em 2012. 

Depois no Festival Midrash, no Rio de Janeiro, no inicio de 2015. Desde o inicio do processo, a familia sempre demonstrou total interesse em nosso projeto. Hoje a Casa de Cultura Dalcídio Jurandir, localizada na cidade de Niterói é parceira de nossa circulação nacional. Sempre que possível eles estão presentes e participam dos debates após as apresentações.

Alberto Silva Neto: Sinto que os descendentes de Dalcídio se orgulham da nossa criação, e isso me deixa muito feliz. É inegável que a circulação de Solo de Marajó pelo Pará e fora dele contribui para divulgar esse grande romancista brasileiro, embora o espetáculo leve à cena apenas fragmentos de sua obra monumental.

Holofote Virtual: Como é o trabalho desenvolvido na circulação, dá tempo de pensar em novo projeto? Algo novo do Usina ou com o Cláudio?

Alberto Silva Neto: Temos conversado sobre uma nova criação. Provavelmente eu dirigindo o Claudio sozinho, outra vez. Estamos lendo o romance O Tetraneto Del-Rei, no qual Haroldo Maranhão parodia a nossa colonização. Pensamos em colocar isso lado a lado com narrativas cosmogônicas de povos da Amazônia. Confrontar colonizador e colonizado. Acho que é um ponto de partida dramatúrgico muito rico. Mas tudo pode mudar no caminho. 

Cláudio Barros: A experiência com a circulação fortalece algumas ideias. Existe em andamento uma pesquisa sobre narrativa cosmogônica de etnias amazônicas. Isso interessa bastante nosso olhar nesse momento. O romance Tetraneto Del Rei, de Haroldo Maranhão é outro impulso que está nos provocando. O que vai sair dessa mistura? O tempo responderá!

Holofote Virtual: E como te sentes como ator nesta experiência?

Cláudio Barros: Ano que vem farei 40 anos de carreira. Isso me faz pensar porque passei tanto tempo me dedicando ao teatro. Tive tudo pra desistir. Mas hoje entendo, com clareza, minha função social. Por isso o cuidado e a responsabilidade no momento de definir o que quero falar e como falar. A escolha do autor tem que refletir essa preocupação. Dalcídio Jurandir tem sido meu veículo para atingir esse objetivo.

Holofote Virtual: O que rola depois da circulação?

Çláudio Barros: Como ator estou concentrado no próximo trabalho do Usina. Também estou envolvido no filme de curta metragem Praiano Futebol Clube. Mas ainda é cedo pra falar sobre isso.

Alberto Silva Neto: Temos uma temporada em novembro, no Teatro Cândido Mendes, no Rio, mas ainda precisamos de patrocínio. Para 2016, estamos na expectativa de um projeto incrível de circulação do Solo, mas que não podemos divulgar ainda. E queremos muito voltar a circular pelo Pará e fazer novas temporadas em Belém. Enfim, seguir fazendo nosso teatro de dois. Já é muito!

Um comentário:

Paulo Nunes disse...

Que espetáculo. Um primor de adaptação livre, interpretação pungente, sob medida, direção impecável, Sim, sim, Dalcidio Jurandir merece.
Paulo Nunes