Notas e registros pessoais deixados por um homem que morreu há quatro anos, no Rio, inspiram a primeira exposição individual da artista Izabela Leal. O vernissage será na quarta-feira, dia 6, às 19 horas, na Galeria Theodoro Braga do Centur, onde a mostra ficará em cartaz até o dia 29 de novembro.
A poeta e professora de literatura Izabela Leal vai apresentar ao público, esta semana, a sua primeira mostra individual no campo das artes plásticas. Intitulada “M.A.S. – Vida de papel”, a exposição reúne painéis, peças e instalações produzidas a partir de colagens e objetos montados com base em registros escritos variados. Segundo a artista, o trabalho foi inspirado em escritos deixados por Marco Alberto Schild (M.A.S.), que morreu no Rio de Janeiro em 2015, aos 69 anos.
“Não haveria muitas informações sobre ele se não fossem os inúmeros escritos nos quais registrou as suas experiências cotidianas, as conversas entreouvidas na rua, os fatos corriqueiros que testemunhou. Para M.A.S., à maneira de Arthur Bispo do Rosário, era preciso fazer um catálogo ou inventário do mundo, anotando topônimos antigos e modernos em ordem alfabética, nomes de pessoas, fenômenos climáticos, temas religiosos, históricos e geográficos, anedotas, provérbios, máximas e ditos populares”, observa Izabela.
Marco Alberto Schild, conta Izabela, viveu a maior parte da vida na companhia da mãe. Morava em um apartamento no coração do bairro de Copacabana. Após a sua morte, a irmã descobriu, guardada em antigas malas, uma quantidade espantosa de anotações feitas nos “suportes” mais inusitados: pacotes de chá de erva-doce, panfletos de cabeleireiro, propagandas de cursos de inglês, envelopes de cartas, folhetos de “compro ouro”, guardanapos e todo tipo de resto de papel que era reaproveitado para dar conta de sua compulsão para escrever. Uma espécie de arquivo pessoal ainda intocado e sobre o qual Izabela Leal viria a debruçar-se com seu olhar atento e sensível.
“Tomei contato com o material de M.A.S. há cerca de um ano. Logo observei que aquilo tudo evidenciava um processo de escrita que servia como dispositivo para algum tipo de reorganização pessoal. Pensei imediatamente na figura do “trapeiro”, evocada por Walter Benjamin em seu ensaio “Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo”.
Vale lembrar que o trapeiro é aquele que recolhe os restos da sociedade capitalista para reconfigurá-los em uma nova disposição. Ao recolher esses inúmeros panfletos nas ruas de Copacabana, bem como ao utilizar embalagens que geralmente descartamos no lixo, M.A.S. também se apropriava de dejetos que passavam, por seu intermédio, a ser investidos de memória, uma vez que se tornavam o lugar de registros afetivos e experienciais. Numa sociedade de consumo onde tudo é descartável, aquilo que normalmente perceberíamos como lixo tornou-se uma espécie de diário fragmentado numa multiplicidade infinita de recortes de papel”, raciocina a artista.
Deste modo, o que Izabela Leal propõe em sua exposição é dar visibilidade à multiplicidade fragmentária do material com que trabalhou. Para isso, ela rearranjou os registros de M.A.S. em séries temáticas: experiências cotidianas, topônimos e fenômenos climáticos, por exemplo. E foi com este enquadramento conceitual que elaborou peças e instalações a partir de colagens, assemblages e objetos montados com numerosas anotações.
“O fato é que para fazer jus ao ato de recolher os detritos descartados ao qual M.A.S. se dedicou com tanta persistência, resolvi produzir todas as peças da exposição com materiais coletados nas ruas ou nas praias, tais como janelas e portas, embalagens de madeira, restos de barcos, todos descartados como objetos sem serventia. As colagens, que evocam os palimpsestos, são muito pertinentes nesse trabalho, pois repetem o gesto empreendido por M.A.S., que já registrava suas narrativas e anotações em retalhos de papel, reunindo uma imensa coleção de pequenos fragmentos de memória, que não chegam nunca a compor uma unidade”, explica.
Izabela Leal antecipa que seu trabalho não tem qualquer pretensão de ordem biográfica. Para ela, as peças produzidas, vistas em conjunto, poderão dar, sim, uma ideia do imenso universo de registros ao qual M.A.S. consagrou a sua vida, parecendo mesmo que a “vida de papel” extrapola a vivência do dia a dia.
“Não se trata de qualquer forma de representação ou imitação da vida, uma vez que a abordagem artística que proponho opera com a ideia da mobilidade, da circulação, da metamorfose. Tudo aquilo que estava esquecido e estagnado – sejam objetos, papéis ou afetos – é agora posto em movimento, abrindo-se ao olhar do observador. Com ‘M.A.S. – Vida de papel’ quero fazer do espectador o possível destinatário desses escritos, de modo que essa ‘vida de papel’ possa circular e nos fazer refletir acerca dos admiráveis dispositivos com os quais lidamos, entre eles a escrita, para nos mantermos vivos”, afirma.
Trajetória – Izabela Leal é carioca e vive em Belém desde 2009. Bacharel em psicologia, é mestre e doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é professora de literatura do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Organizou o livro Tradução literária, a vertigem do próximo (com Ana Alencar e Caio Meira, em 2011) e no No horizonte do provisório. Ensaios sobre tradução (com Walter Costa e Mayara Ribeiro Guimarães, em 2013). Poeta e ensaísta, entre as obras literárias que já publicou está “A intrusa”, que recebeu o Prêmio Rio de Literatura em 2016.
Serviço
Exposição: M.A.S. – Vida de papel, da artista Izabela Leal. Vernissage nesta quarta-feira, 6, às 19h. Visitação: 6 a 29 de novembro, de 9h às 19h, na Galeria Theodoro Braga do Centur. Entrada gratuita.
(Texto enviado pela assessoria de imprensa)
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