8.11.19

O Circo na passarela do Amazônia Fashion Week

Tudo o que é desprezado no real é santificado na "Avessomazonia", civilização que marca a estreia da nova coleção de Jomaique Melo, que será apresentada neste sábado, 9, às 17h30, na passarela do 13º Amazônia Fashion Week, no Anfiteatro Coliseu das Artes, do Espaço São José, em frente à Praça Amazonas. O Holofote Virtual bateu um papo com o estilista, que vem há quatro edições se destacando no mundo conceitual da moda paraense.

Trazendo como tema “O novo luxo”, o evento reúne grifes regionais em uma ideia de vivência e democratização da moda, itens que estão de sobra no trabalho desenvolvido por Jomaique Melo, um jovem estilista paraense, que veio do Marajó para estudar na capital paraense e estreou em 2016, no Amazônia Fashion Week. Depois de três desfiles em que acentuou sua marca e estilo, ele está de volta a passarela do maior evento de moda de Belém, com “O circo Excentricus”.

Este ano, o público vai se deparar com uma cidade “imaginária, criada pelo estilista, cuja marca maior é a excentricidade. Para abordar o respeito animal e a sustentabilidade, o estilista está envolvendo cerca de 40 pessoas, entre modelos (17) e equipe técnica que participam de uma abertura que ele guarda em segredo. "Será uma surpresa", avisa. Inspirado no Circo, ele traz para a passarela um universo exclusivo e inusitado que promete estarrecer a plateia. "É uma ideia que partiu da minha cabeça, criei um mundo em que os animais domam os humanos”, diz o estilista que vem se destacando também pelo teor crítico em seu trabalho. 

“Eu quero fazer essa crítica social. Uma pessoa que veste a pele animal não causa estranhamento, mas e se um animal vestir uma pele humana? O que causa? Vou trazer isso e outras coisa fortes, como por exemplo, animais maltratando homens. E tudo isso com elementos do circo. As peças foram todas criadas a mão, em cima de peças de brechó, peças comerciais, direcionadas ao público de vanguarda, underground”, antecipa.

Em relação a Amazônia, o artista tece críticas ao desmatamento e os danos causados à natureza, mas principalmente, ele levantará a bandeira da causa animal. “Toda minha coleção é baseada nisso. Os animais precisam ter mais visibilidade, eles não são objetos. Os circos precisam parar de usar animais nos seus shows, porque animais não são para fazer espetáculos, são para estarem na natureza, serem tratados com carinho”, continua Jomiaque que a seguir conta um pouco mais sobre sua trajetória de chegada a Belém e seu pensamento sobre a moda no mundo contemporâneo.

Holofote Virtual: Como foi o inicio de sua carreira? 

Jomaique Melo: Vim do Marajó para Belém, e fiquei morando num quartinho em São Brás. Fiz a faculdade de Moda pelo FIES, e o que aconteceu é que eu comecei a me destacar, a mostrar que eu queria fazer algo realmente diferente no mundo da moda. Foi então que surgiu a oportunidade de apresentar uma coleção no “Novos Criadores” no AMFW, uma coleção de moda de minha autoria. O primeiro desfile fiz com uma amiga, mas em 2017 finalmente lancei minha carreira solo. 

Holofote Virtual: Você traz para a passarela temas diferentes, conta um pouco de como você pensa seus processos. 

Jomaique Melo: Eu zelo muito por essa parte excêntrica das pessoas que gostam de se destacar e serem elas mesmas, a partir do seu estilo. E eu não tinha dinheiro pra comprar os materiais da faculdade e nem para fazer minhas criações, então comecei a reaproveitar coisas e montar os meus trabalhos. Minha primeira coleção se chamou Mãe do Mundo, uma coleção de camisetas estampadas, pintadas a mão por mim e pela minha amiga. E assim, eu então comecei a criar coisas a partir do lixo, a partir do descarte.

Depois do Mae do Mundo, no meu segundo ano no AMFW, eu também trouxe algo diferente. O tema foi “Alternatividade Espacial”, no qual eu continuei trabalhando com o reaproveitamento, só que comecei a fazer algo melhor. Trouxe roupas com tecidos mesmo, construída do zero, mas também trazendo o reaproveitamento. Tinham roupas com isopor e vidros que eu achei na rua, dando um clima espacial, como um estilo alternativo no espaço. 

E a partir daí, no terceiro ano, as pessoas já estavam na expectativa do que eu iria apresentar. Naquele ano eu me inspirei nas lendas da ilha do Marajó, mais exatamente das que eu ouvia quando criança em Soure, onde eu nasci. Ficou algo bem “dark”, macabro, trazendo essa ideia de que as lendas causam medo, e ainda assim, dão visibilidade para a nossa cultura e chamei esta coleção, então, de “A Ilha de Deuses e Monstros”. 

Holofote Virtual: Trazes a tua verdade, trabalhas a partir das tuas origens, isso é muito legal. Você costuma voltar muito ao Marajó para se inspirar? 

Jomaique Melo: Com toda certeza, o meu local de origem, é o que me torna o que eu sou hoje, então eu devo tudo ao lugar de onde vim. Acho que até os meus últimos momentos de vida eu tenho que agradecer a ilha do Marajó, e vou levar sim a minha cultura para sempre comigo em tudo o que eu fizer, vou continuar enaltecendo esse lugar, porque a minha família mora lá, eu moro sozinho aqui. Minha mãe mora lá e também vem por aqui de vez em quando, assim como eu vou lá todo final de ano passar o Natal, fico com a família e também aproveito para desenvolver outros trabalhos e realmente me inspirar. 

Holofote Virtual: Teu trabalho traz críticas fortes. Para você, arte e moda precisam ser engajadas. Como você entende isso? 

Jomaique Melo: Essa é uma pergunta muito interessante, porque muitas vezes levamos a moda como algo superficial, como algo que não vai agregar nada ao mundo, digamos assim, mas saibamos nós, existe a moda comercial, em lojas de departamentos, mas existe a moda conceitual, na moda tudo é muito abrangente. Não é só dentro do vestuário que existe moda, então geralmente quando eu faço os meus trabalhos, eu não penso só em vestir alguém. 

O meu estilo não é só levar algo para o vestuário, mas na verdade é levar esse conceito, é repassar algo para as pessoas pensarem. O que é moda atualmente? E o que é a moda paraense? Quem são os estilistas paraenses? o que eles fazem? Então eu acho que sim, a moda precisa estar engajada no mundo, ela precisa fazer críticas sociais, acho que isso precisa ser trazido e falado na passarela. 

A moda conceitual, que é o meu maior forte, está ali para ser expressada, vista e interpretada. É o que tento trazer para as pessoas, porque a minha passarela é uma passarela com “espetacularidade”. Eu sempre junto teatro, performance, eu não uso essa forma padrão de moda, não uso essa forma ir e vir da passarela, eu sempre deixo os meus modelos muito livres e crio sempre um roteiro pra que a passarela fique mais, digamos assim, atrativa para o público.

Holofote Virtual: Você foca o mercado? 

Jomaique Melo: Eu não levo moda pro mercado, e muitas pessoas me criticam, “ah, mas o que você faz não dá dinheiro”, “ah, você precisa fazer peças pra vender”. Eu trabalho em uma loja de departamentos, e não, eu não vou trabalhar ali para sempre, porém com o dinheiro que eu recebo, eu consigo desenvolver as minhas coleções, e eu consigo fazer a minha moda, digamos assim. 

Eu não ligo muito para vinda do dinheiro, eu ligo para o meu reconhecimento, e é disso que eu sustento a minha moda, eu consigo fazer isso todos os anos, pelo reconhecimento que eu levo, pelas pessoas virem e dizerem “nossa, sou tua fã”, “nossa, o que tu fazes é incrível”. Saber que outras pessoas estão falando o meu nome é incrível, e eu estou crescendo desta forma, sendo reconhecido com o meu trabalho sendo diferente. 

Isso me alimenta muito mais do que receber esse dinheiro e seguir um ciclo de fazer, vender, comprar mais material, fazer, vender. Eu não quero viver assim, mas obviamente que eu vou fazer a minha marca crescer, vou vender as minhas peças, só que antes eu preciso ter reconhecimento.

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