13.11.19

Papo empoderado com Gláfira e o “Mar de Odoyá”

Fotos: Alan Soares/Moises Hunger
Ode à força feminina com ritmos brasileiros que evocam  sonoridades nortistas e ancestrais. Toada, quadrilha, canção, afoxés, além dos flertes com a cúmbia, o marabaixo e o carimbó. “Mar de Odoyá”, o segundo disco solo de Gláfira, será lançado com show, nesta quinta-feira, 14 de novembro, às 20h, no Teatro Estação Gasômetro. Ingressos à venda pelo Sympla.

Quem ouviu “Jardim das Flores”, o primeiro disco de Gláfira sabe que ela já mergulhava nesse mar de sonoridades, agora acentuadas neste segundo trabalho. Entre os dois discos solos há um "hiato" de sete anos, tempo em que um processo de maturidade inabalável se apossou de Gláfira e vice versa. 

“Mar de Odoyá” é fruto de dois anos de trabalho e autonomia artistica da cantora, que também é produtora. Assim, entre a maternidade, que também foi inspiração, e o dia a dia profissional, Gláfira cuidou ponto a ponto de tudo que envolveu o disco. Algumas faixas vêm sendo ouvidas desde o ano passado. Travessia do Marajó, por exemplo, chega em segunda versão ao CD. 

Ainda sem recursos, Gláfira lançou o primeiro single, “Tereza Navalha”, com clipe de clima junino como bem pede o ritmo da música, uma quadrilha. Foi feito de forma colaborativa, com baixo custo e muito amor. Mar do Odoyá também já toca na rádio. Ontem, um privilégio, ouvi todas as faixas e não vou perder o show.

Gravado no Ápce Music e Guamundo Home Stúdio, reuniu os músicos Renato Torres (voz e violão), Heraldo Santos (percussão) e Helder Queiroz (baixolão); além das participações especiais de Gustavo Guerreiro, Tista Lima, Marcelino Santos, Camila Barbalho, Loba Rodrigues, JP Pires, Renata Beckman, Kath Marques e das cantoras Nanna Reis, Marcella Martins, Priscila Duque e Joelma Kláudia.

O trabalho foi contemplado pela Lei Tó Teixeira e Guilherme Paraense, Prefeitura de Belém e Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel). A realização é da Reator Cultural Socioambiental, com produção de Narjara Oliveira e Hugo Marola. O projeto conta com apoio do Guamundo Home Studio, A2 ateliê, MM produções e Secretaria de Estado de Cultura (Secult).

No show de lançamento, além das sete músicas do CD - Travessia do Marajó, Mar de Odoyá, Tereza Navalha, Sou da Encantaria, Samaumeira, Vontade de Mulher e Corrente de Jurema – também serão cantadas duas faixas de Jardim das Flores e quatro músicas que a inspiraram, inclusive no processo de composição do novo CD, mas ela não revela antes da hora. Será uma surpresa para o público.

No palco, com Gláfira, também estarão as cantoras Marcella Martins, sua conterrânea de Soure, Camila Barbalho, da banda B3, e o sanfoneiro Tista Lima, que gravaram no disco, e ainda Thalia Sarmanho, convidada para fazer as vozes que a cantora Nanna Reis gravou no álbum. “A Joelma Kláudia e a Nanna, que gravaram comigo no disco, estão viajando nesta data do show e por isso não vão participar do lançamento, mas elas estão super bem representadas pela Camila e Thalia”. 

Odoyá é uma saudação a Iemanjá, significa Mãe das águas. A Orixá considerada a rainha do mar é generosa e costuma atender a quem humildemente lhe pede auxílio. E Gláfira não deixou de lado o aspecto afro-religioso que o trabalho reflete e pediu permissão às entidades nele reverenciadas. 

O disco, feito sob a luz do empoderamento feminino, faz reverencia  ao feminino na cultura afro amazônica, numa releitura e interpretação própria da mulher como divindade e guerreira. A licença foi pedida e o auxílio foi dado, porque que a humildade é sinal de respeito. E é sobre tudo isso que vamos conversar a seguir, confira.

Holofote Virtual: Além do show de lançamento, o disco também vai entrar nas plataformas digitais, nesta quinta-feira, mas mesmo antes de ser ouvido, já houve críticas a respeito da capa, cuja imagem homenageia Iemanjá. O que houve?

Gláfira: Essa imagem é do meu imaginário. É uma homenagem minha (mãe da Ramona) para essa outra mãe, mulher, linda, incrível e generosa, que é a Iemanjá. Estamos falando de licença poética, mas tudo com muito respeito. As fotos são lindas, como imagino que deva ser uma rainha. Não ofendi ninguém, não fiz de qualquer jeito. Pelo contrário, fiz o melhor que pude. E olha que muita coisa deu errado, mas entendi que era porque tinha que ser desse jeito que ficaram nas fotos. Se alguém se ofende, peço que me perdoe, mas eu fiz tudo com o devido respeito e autorização. As fotos são do Alan Soares e do Moises Hunger.

Holofote Virtual: As músicas trazem a força da nossa tradição musical, e em algumas letras, referências da cultura e religiões afro brasileiras. Você mergulhou mais profundamente neste universo para compor estas canções? 

Gláfira: Esse disco é baseado nas minhas raízes, na minha vivência. Corrente da Jurema, Mar de Odoyá, Tereza Navalha e Sou da Encantaria tem sim essa influência da afro religiosidade. A construção da cultura brasileira foi forjada pela miscigenação entre índios, negros e brancos. Então naturalmente aprendemos um pouco sobre essas entidades. Mas o disco não enfatiza a religião, e sim a força do poder feminino que esses arquétipos trazem. 

Jurema, índia que se recusou a obedecer a divisão social de gênero impostas às mulheres índias, e se tornou guerreira e cacique das tribos Tupinambás. Iemanjá, grande mãe de todos os orixás, rainha do mar. A faixa faz referência a Marujada, onde as mulheres é que comandam a festa e ainda as mulheres do carimbó de Maiandeua. Tereza Navalha é a representação da mulher empoderada, que é dona de si. Sou da Encantaria fala sobre as três irmãs turcas que foram encantadas no Maranhão e são grandes representantes da encantaria na Amazônia. E assim, faixa a faixa, o disco se pauta no empoderamento feminino. 

Holofote Virtual: “Mar de Odoyá” chega depois de 8 anos do lançamento de “Jardim das Flores”. E antes de chegar, maturou quase dois anos. Podes me falar um pouco sobre essa travessia?

Gláfira: O processo foi longo e tortuoso. Captar recursos para um projeto cultural requer talento, destreza e muita, mais muita paciência. E aí são anos buscando o patrocínio que conseguisse me dar as condições necessárias para realizar um bom trabalho. Alguns editais te cobram áudios do CD que queres gravar, e eu me pergunto, “Mas não tô querendo financiamento pra isso?”. É muito doido. Mas final do ano passado eu finalmente encontrei um mecenas que financiou o meu disco e o show de lançamento. Inclusive a logomarca dele não consta na divulgação do trabalho. 

Holofote Virtual: O disco anterior foi considerado um disco de música brasileira, sem negar as tradições do norte, mas que tinha também o rock, algo que te identifica como artista quando olhamos para a tua trajetória. O que mais amadureceu em ti e influenciou a composição desse repertório e desses ritmos, que a gente ouve neste segundo disco?

Gláfira: Eu mantive a linha do disco anterior, continuei na música brasileira. Agora a presença dos ritmos regionais está mais evidente, como a toada Travessia do Marajó. Essa é uma faixa totalmente inspirada no Arraial do Pavulagem, que também tem raízes no Marajó. O Ronaldo é de Cachoeira do Arari. Tem dois ijexás, Mar de Odoyá e Corrente da Jurema, que fazem lembrar os trios elétricos em Mosqueiro, com o Mahrco Monteiro passando pela orla do Murubira. Apesar do ritmo não ser paraense, a referência e a inspiração são. Eu acho que nesse disco eu tenho muito mais consciência do que eu estou fazendo. Todas as canções tem um porque de estar ali.

Holofote Virtual: Quando paras e pensas neste segundo disco, neste lançamento, o que mais fica claro pra ti em relação a tua carreira?

Gláfira: Que eu amadureci infinitamente em tudo. Desde do processo de composição, passando pela captação de recursos, gravação, prensagem, arte gráfica, comunicação, gestão de pessoas, logística, enfim, todo o processo até chegar no show. São dois anos de trabalho para fazer 1h30 de show. Ainda dizem que artista é vagabundo (risos, muito risos). Se isso não é trabalhar, eu não sei mais o que é trabalho.

Holofote Virtual: És uma artista que não só pensa, mas também age como produtora. Depois do lançamento, o que já se está programando para circular com o show, distribuir o disco.

Gláfira: Vou fazer uma sequencia de show pela cidade, dia 21/11 no Bar Teatro Municipal, dia 29/11 no Espaço Cultural Apoena, dia 07/12 Casa do Fauno e dia 14/12 no Festival Gastronômico Comidinha de Praia. Além disso estou no aguardo de várias respostas de editais nacionais. Bora ver se agora vai. 

Serviço
Lançamento do CD "Mar de Odoyá", nesta quinta-feira, 14 de novembro, às 20h, no Teatro Estação Gasômetro - No Parque da residência. Entrada pela Trav. 3 de Maio, entre Magalhães Barata e Gentil Bittencourt. Ingressos: R$ 25,00 e R$ 17,50 (meia), na bilheteria do teatro ou pelo Sympla.

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