19.1.12

14 anos de Luz e três indicações ao Prêmio Shell

Cine Camaleão, estreia em outubro de 2011
Com um rigor cada vez maior em busca de um estética brasileira, tentando juntar forma e conteúdo em suas montagens, a Cia Pessoal do Faroeste está tomada de motivos para comemorar o início de 2012. Além de estar completando, hoje, mais um ano de fundação, o ator e diretor da companhia, o paraense Paulo Faria, que mora em São Paulo há mais de duas décadas, foi indicado pela segunda vez ao Prêmio Shell de Teatro na categoria Melhor Autor e também concorre a Melhor Cenário e Figurino, junto com F. E. Kokocht, tudo por “Cine camaleão – A boca do lixo”, espetáculo que traz no elenco Beto Magnani, Juliana Fagundes,  Mel Lisboa, Roberto Leite, Thais Aguiar e a paraense Lorenna Mesquita.

O anúncio dos vencedores do prêmio Shell será em março. Ma já há e muito o que se festejar. Ontem Paulo visitou o espaço que será a nova Sede da Cia Pessoal do Faroeste. A Luz do Faroeste, em março, já estará instalada na Rua do Triunfo, na capital paulista, saindo da Cleveland, a 100 metros do Sesc Bom Retiro, mas continuará, na região da Luz, área que já sofreu processos de preservação patrimonial de instituições culturais, intervenções urbanísticas, próximas ainda dos bairros Campos Elíseos, Bom Retiro e Santa Ifigênia. 

A Luz do Faroeste está localizada na área que nos anos 70 ficou conhecida como a Boca do Lixo, por abrigar as principais produtoras de São Paulo, responsáveis na época por realizar os filmes do cinema marginal brasileiro, com suas pornochanchadas e filmes de bang bang urbano, polêmicos na época, e agora inspiração para o novo trabalho da companhia. 

O espetáculo que vem lotando a sede do grupo, por exemplo, conta a história de uma Produtora de Entretimentos Cinematográficos, a Cine Camaleão que acabara de filmar seu longa ‘O Faroeste da Rua Apa’, ambientado em 1978, ano da produção do filme. Durante a historia, em cena, os atores assistem os 20 minutos finais daquela produção, esperando uma tal cena de sexo.

“Cine Camaleão – a boca do lixo” também recebeu este ano Prêmio da Cooperativa Paulista de Teatro de Melhor Texto, Melhor Elenco e Melhor Projeto Visual, além do Prêmio Governador do Estado: Melhor Espetáculo, o que possibilitará que a peça fique por mais três meses em cartaz. Além de um valor em dinheiro, os mais votados pelo público, ainda receberão um troféu feito por um artista plástico. Clique aqui para votar. 

A Boca do LIxo, anos 70.
Paulo Faria diz que já está articulando a vinda do espetáculo para Belém, no mês de abril. Está à procura de pauta em espaços e apoios e patrocínio locais para isso. Em breve é possível também que seus laços com Belém, onde ele nasceu, se estreitem ainda mais, pois recebeu um convite para escrever crônicas semanais em um jornal local. 

Formada hoje por ele, Beto Magnani (co-fundador) e uma turma variada que foi se chegando nos últimos sete anos – entre eles a paraense Lorenna Mesquita, a Cia Pessoal do Faroeste ainda abraça uma equipe de produção nova e tem muitos planos para o futuro. 

“Acho que conseguimos formar uma equipe legal que chegou, no último ano, proveniente de oficinas e de intercâmbios com outros coletivos. E também recentemente descobri a parceria do Dário José, nos vídeos e filmes que estamos produzindo”, diz Paulo.

Para ele, o grupo é um grande agregador de artistas que se encontram. “Sempre tem alguém conduzindo o fogo entre os elencos e nossos parceiros. Eu sou o único presente em todas as montagens desses 14 anos. Eu carrego o andor. Trabalho 24 horas aqui na Cia”, diz ele que depois de um dia cheinho de coisas, em contato com o Holofote Virtual, respondeu na madrugada desta quinta-feira a entrevista que vem a seguir.

Paulo Faria, na foto de Rose Silveira
Holofote Virtual: São 14 anos de estrada. Como tudo começou e o que podes destacar nesta trajetória?

Paulo Faria: “Um Certo Faroeste Caboclo”, que iniciou a abordagem que fazemos do herói (ou anti-herói) do melodrama brasileiro.

A peça tinha uma estrutura de texto muito cinematográfica, de cortes, de flashback, com uma encenação bem teatral, investindo nos atores em busca de uma estética plástica brasileira, buscando referencias em instalações, videoarte e trazendo a tona a crônica da cidade.

E em Cine Camaleão pudemos aprofundar o experimento com a linguagem cinematográfica, nos aproximando do gênero _faroeste feijoada_, ou, o _bang bang brasileiro_, produzido pela Boca do Lixo, e de grande alcance popular – fenômeno pop mesmo. 

Não sei se foi intencional essa homenagem ao gênero faroeste que a cultura pop projetou no cinema, e que estava naquele fim da década de 1970, já agonizando, mas é engraçado que quando Renato Russo escreve no inicio dos anos oitenta a “Faroeste Caboclo”, ele volta a trazer o tema através da música, da rádio, dos grandes shows. Fenômenos culturais midiáticos.

Fazer perguntas para essa estrutura que tanto o Brasil consome, é o que nos provoca. Digamos que foi se construindo a partir dessa primeira montagem da Cia um desejo de fazer um fazer um teatroPOPolítico ("Puta que pariu, acho que bebi demais" - fala de Wanda Marquetti vivida por Mel Lisboa em Cine Camaleão). 

Mel Lisboa e Roberto Leite
Holofote Virtual: O Cine Camaleão – a boca do lixo foi, ao lado do espetáculo peças “Prometheus – A tragédia do fogo”, da Cia. Teatro Balagan, campeão de indicações ao Prêmio Shell. E ainda há outras indicações. Qual a importância disso tudo?

Paulo Faria: Esta é a segunda indicação que recebo como autor neste prêmio. É bom ser reconhecido pela crítica e meus pares, ter um retorno sobre o que estamos fazendo, se tem eco, interessa, se existem provocações.

Desde o ano passado foi reeditado um premio muito importante em São Paulo, que estava há 20 anos na geladeira, e que foi criado na década de 50, o prêmio Governador do Estado da Secretaria do Estado de Cultura, que dá 60 mil para uma dos 5 indicados e nós estamos lá. Se ganharmos esse prêmio vai possibilitar que o espetáculo possa se estender por mais três meses em temporada na nova Sede.

Em abril termina o patrocínio da Lei de Fomento. Esse prêmio também tem uma modalidade popular que não dá dinheiro, que é o voto popular, e que dá um troféu confeccionado por um artista plástico. Essa votação ainda está no ar, é só clicar o prêmio e vai ver todos os indicados em São Paulo nas diversas áreas, e como a gente tem tido sempre aqui um público paraense na peça, e que acessa este seu blog, então a turma pode ir lá e votar


Cine Camaleão
Holofote Virtual: Como está sendo este momento para a companhia?

Paulo Faria: Trouxe mais público esse movimento todo que a Cia vem construindo nesse lugar da contra cultura paulistana há 14 anos.

Apesar de trabalhar com essa estrutura pop, em todas as montagens, estar na Cracolândia, falar de eugenia nunca foi muito palatável para uma certa classe média. Além do que estar indicado em São Paulo, já é um prêmio, diante de tantas produções apaixonadamente produzidas aqui. 

A Cia fica muito honrada em estar ao lado de mais três ou quatro coletivos artísticos importantes em cada indicação que rolou aqui, diante das mais de 500 estréias anuais. Deve ser uma loucura pra uma comissão, sempre formada por pesquisadores, críticos, artistas e produtores. Isso nos estimula a investigar mais e mais esse teatro político que fazemos.

Falar sobre direitos humanos em nossas produções, fazer denuncias de intolerâncias, buscar temas relevantes para a construção dessa nossa identidade brasileira, cavucar a nossa história, ver isso na continuidade de nosso trabalhos. E é muito bom ter o teatro cheio com as pessoas se divertindo e conhecendo a história da cidade invisível que habitam. O público tem voltado. Tanto que vamos nos mudar pra rua do Triunfo, endereço do cenário da peça. 

A produtora de Entretenimentos Cinematográficos Cine Camaleão na ficção da peça está localizada nesta rua, em São Paulo. Ali foi a Hollywood brasileira. Todas as produtoras eram ali. São três quadras. Em frente ao largo onde está atual Pinacoteca (antigo Dops), Faculdade Tom Jobim, Contemporânea, Chope do Leo (reduto do samba), a uma quadra da Estação da Luz. 

Antiga Estação da Luz, em São Paulo
Holofote Virtual: Como foi que isso aconteceu? 

Paulo Faria: O prédio é histórico. Tudo foi acordado direto com o dono, um possível patrocinador de nossos projetos.

Vi o prédio no dia 15 de dezembro, o dia da leitura que fizemos de “Os Crimes de Preto Amaral”, na defensoria pública, véspera de viajar pra Belém [Paulo veio passar o final de ano com a família aqui]. Liguei pro dono e falei que o prédio tinha que ser nosso. Ele me esperou retornar. Fizemos um acordo bom pra ambos.

Holofote Virtual: Mas porque a necessidade de mudar?

Paulo Faria: Recebemos há um ano ordem de despejo da imobiliária que administra nosso prédio. Uma ação abusiva. Para que fosse feita uma reforma e sabemos da possibilidade dele ser vendido e demolido antes de ser tombado (1945). 

Isso está acontecendo nesta região por conta da ação equivocada da Prefeitura e do Estado a cerca da Cracolândia, por conta de não considerar a questão humana. É pura limpeza eugenista para faciliar a vida da especulação imobiliária do nosso prefeito. Chama empreiteira, derruba e constrói e vai colocando os moradores de baixa renda dessa região para a periferia. 

Vi muitos prédios caírem por aqui nos últimos dois anos. Hoje mesmo, derrubaram um conjunto arquitetônicos de um casario Art déco na Rua Helveitia com a Cleveland, onde estava a cracolandia e onde teve o churrasco dos diferenciados - “peguemos todos as nossas coisas e fomos poro meio da rua apreciar a demolição”, Adoniran Barbosa, morador por anos do entorno da Luz, dentro da Boca do Lixo. 

Decidimos não brigar pelos nossos direitos. Paz e amor, “Vou procurar outro alguém, você não serve pra mim”. Decidiu-se trabalhar o desapego e ir trás de coisa melhor. Recebemos esta notícia no inicio de 2010, junto com o prêmio que recebemos via Lei de Fomento.

Entramos num acordo de entregar o imóvel em abril quando se encerra esta primeira fase do projeto, patrocinado pela prefeitura. E estava brabeza achar um lugar aqui legal. Não sair do entorno da Luz. E foi justamente na Rua do Triunfo, em que estudamos nos últimos dois anos, que vamos habitar. E vamos entregar o atual no dia 31 de janeiro. E o nosso carnaval este ano vai ser no coração de onde surgiu o samba em São Paulo. Isso tudo junto é muito simbólico.

Lorenna Mesquita, no espetáculo
Holofote Virtual: A experiência do Cine Camaleão... a história toda da Boca do Lixo. É tudo muito interessante. Vamos trazer pra Belém?

Paulo Faria: Estou tentando levar a peça pra Belém em abril. Já fiz pedido de pauta aí. Fiz reunião com produtor local, agora vamos atrás de patrocinadores. Tem que ser em abril, pois já fica mais difícil pra Mel viajar que está grávida, ou depois de setembro quando ela volta do parto. Seu nenê é pra junho.

Holofote Virtual: A peça traz referências que muito indetificarão o público paraenses, começando com a participação da atriz Lorenna Mesquita... 

Paulo Faria: Queria fazer uma homenagem ao Pará através de uma personagem, e os estudos nos levaram a um estereótipo de personagem da Boca, o Índio, que além de representar o tipo no cinema, também fazia efeitos especiais, maquiagem. Pra essa personagem chamei a Lorenna Mesquita, que já havia trabalhado comigo anos atrás. 

Essa homenagem também se estendeu à Fafá de Belém, pois citamos o ‘Foi Assim’ do André Barata, e a Dira Paes, pois a personagem Indianara nasce em Abaetuba. Quem sabe logo, logo o público paraense não assisti ‘Cine Camaleão’? Enquanto isso, os paraenses que estiverem de férias por aqui venham ver Cine camaleão, to esperando por todos.

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