Não eram nem 9h da manhã, e o ator, que tem uma longa trajetória no teatro paraense, além de sua atuação como produtor audiovisual, já estava a caminho do Teatro do SESI, palco que recebe a mostra para transmissão ao vivo e sem público presencial. “Já estou indo pra lá, para montagem”, disse de dentro de um Uber e com aquela dicção perfeita de quem sempre teve que utilizar bem a voz para apresentações em público.
Além de Solo de Marajó, do Usina, estão na Mostra, foram convidados para compor a mostra, a Cia Madalenas, com “Marahu”; que se apresenta no dia 10; o Grupo Palha, com “Honorata”, no dia 11; a Companhia Bric Brac, com “Boi Tinga”, no dia 12, e o Grupo Teatro e Pesquisa Papa Xibé, com o espetáculo “Ribeirinhas”, no dia 13 de junho, encerrando essa primeira edição.
A ideia de realizar a mostra partiu da própria experiência do Solo de Marajó. “A gente se perguntou, quem é que está no cotidiano do seu fazer diário, preocupado com a palavra e com a dramaturgia nortista? Quem são esses grupos que estão tocando temas daqui, revisitando escritores, quem são esses artistas? A partir do Solo, olhamos para esses grupos e artistas, numa tentativa de reuní-los em um único lugar”, explica Cláudio Barros que assina essa curadoria junto com o xará Cláudio Melo.
“Eles iam participar da mostra seria presencial, mas tivemos que trocar tudo pra virar uma live, o que para mim ainda é estranhíssimo, eu ainda tenho uma certa resistência, mesmo sendo do audiovisual. O fato é que então perdemos esse grupo porque o espetáculo que seria apresentado é interativo num nível em que o público tem uma participação dinâmica na cena”.
Ficaram cinco grupos e mesmo assim, Cláudio diz que a equipe está muito feliz e com desejo de realizar outras edições, que sabe presenciais. “Abrimos a programação, na verdade, com duas palestras, semanas atrás. Uma palestra com a atriz Valéria Andrade e outra com o dramaturgo e escritor Edyr Augusto Proença. Tomara que dê pra gente continuar nos demais anos, por que é bem interessante, estou gostando de produzir”.
Os grupos envolvidos além de serem voltados a esse teatro amazônico de narrativa nortista, bebendo em nossas fontes literárias que são inesgotáveis, também são grupos que já vem aí de uma longa trajetória do fazer teatral, vindos dos anos 80, 90 e início dos anos 2000, até onde eu sei. Fiquei curiosa e quis saber mais do Cláudio como tem sido para ele e para a categoria essa adaptação da linguagem do teatro, que é essencialmente uma arte feita em público, para essa linguagem digital.
“Quem não saiu da área de vez, teve que aprende a adaptar a linguagem de teatro para a câmera. Tivemos que aprender a lidar com questões não só de produção mas de operar coisas que não estávamos acostumados. Estamos aprendendo, descobrindo e criando outros limites. Estamos na estrada”, complementa.
E não foi só no teatro essa reinvenção. No audiovisual, embora o produto final pode seja digital, mesmo não podendo se aglomerar em uma sala de cinema, o fazer também é essencialmente presencial. “Acho que todo artista teve que criar alternativas para sobreviver, desde a adaptação ao digital até ir trabalhar numa área que não é a sua, como alguns amigos que tenho e que se tornaram entregadores de Ifood”, conclui já depois de ter montado tudo no palco do Sesi para a apresentação que estará no Youtube.
Sobre os espetáculos
A Cia de Teatro Madalenas apresenta Marahu espetáculo cênico performático focado no hibridismo das linguagens teatro, música e artes visuais valendo-se da técnica dos viewpoints construído a partir das poesias do poeta paraense Max Martins (1926 – 2009). O experimento cênico destaca três características marcantes da poesia de Max: o parnasianismo, a influência da cultura oriental e o erotismo. A partir dessas características os atores construíram o tempo e o espaço da ação.
Honorata, do Grupo Palha traz um personagem da realidade, e que nesta ficção irá viver entre a infância, juventude e fase adulta os seus percalços. Nas entrelinhas, a história irá mostrar que desde os tempos primitivos até o momento presente a violência contra a criança se apresenta como um fenômeno social e cultural de grande relevância, e em diferentes sociedades as formas, as mais cruéis e as mais sutis, se diferenciam.
No Brasil e em especial na região amazônica podemos distinguir uma violência estrutural, cujas expressões mais fortes são o trabalho infantil, a existência de crianças vivendo nas ruas e em instituições fechadas, uma violência social, cuja mais vivas expressões se configuram na violência doméstica; uma violência delinquencial, na qual as crianças são vitimas e atores.
A companhia iniciou em 2008 com o processo de pesquisa da linguagem da “supermarionete” e na anulação do ator, buscando as origens históricas e religiosas do teatro de bonecos. O nome da companhia vem do francês bric à brac (conjunto de objetos de arte). Os personagens do folguedo conhecido como Boi Tinga, de São Caetano de Odivelas, no Pará.
Ribeirinhas, do Grupo de Teatro e Pesquisa Papa Xibé, é um espetáculo que retrata o cotidiano de mulheres a partir de um olhar intergeracional, nos trazendo a infância, a juventude, a vida adulta e a idosa, vivenciada pela atriz Karoline Morgana. Escrita por Diego Alano Pinheiro, o autor e diretor, faz um recorte de gênero e passa por temas invisibilizados das nossas populações ribeirinhas, tais como, crenças, mobilidade, acidentes, exploração de crianças, fenômenos naturais como o das terras caídas, entre outros, valorizando a nossa sociodiversidade e cosmologia Amazônica.
A I Mostra de Teatro – Narrativas do Norte, um projeto selecionado pelo Edital de Festivais Integrados – Lei Aldir Blanc Pará através da Secretaria de Cultura - SECULT, Governo do Estado, Ministério do Turismo e Governo Federal.
Para assistir
De 9 a 13 de junho
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