17.12.11

“As Toadas de Papel do Boi Rulieu” estreia no IAP

Rulieu é o boi mais querido da fazenda
Capaz de emocionar diferentes gerações, o teatro de formas animadas se une à magia da brincadeira do boi bumbá e à essência natalina para se transformar em um auto especial que será apresentado ao público neste sábado, 17,  às 21h, no IAP. Entrada franca.

A matéria prima é o papel. É dele que nasce a criação de objetos e personagens expressivos para a cena do teatro de animação. O espetáculo “Todas de Papel do Boi Rulieu” é resultado do projeto de pesquisa “Olhos de Papel de Seda”, coordenado por Aline Chavez, a partir da Bolsa de Criação, Experimentação, Pesquisa e Divulgação Artística – 2011 do Instituto de Artes do Pará. 

Ao ver tudo já em cena, o público talvez não dimensione, mas o esforço de vários meses de processo e a exigência técnica dessa equipe, que foi incansável, estarão impressos em tudo que passar em frente aos seus olhos e pelas mãos dos atores manipuladores que, personificando Griôs, velhos sábios da cultura popular, darão vida aos bonecos.

Aline divide a direção com David Matos (que também assina cenografia com ela e está na encenação) e com Ruthiel Felipe (também direção musical e partitura corporal), e teve como consultores, nada menos que Aníbal Pacha, do In Bust Teatro com Bonecos, e de Ronaldo Silva, fundador do Boi Pavulagem, cada um, mestre em seu ofício, sem falar da equipe de atelier, fundamental para o resultado que será mostrado agora.

David Matos está em cena com o elenco estreante
No elenco estão não atores, jovens mais ligados ao universo musical, que estreiam hoje no teatro de formas animadas. A ficha técnica é enorme e ainda há uma extensa lista de agradecimentos e apoios.  

Aline, que já trabalha por mais de 10 anos com teatro, descobriu que sua atuação é por trás e não em frente às cortinas.

“A lembrança de aproximação mais específica foi numa oficina de Edgar Castro, no Teatro da Paz em 97. Depois disso fui descobrindo outros caminhos, um deles o Curso de Formação de Atores da ETDUFPa, no qual me formei em 2001”, explica. 

Ela conta que apesar ter entrado no curso com a ideia de se tornar atriz, logo no início da carreira, seus caminhos já apontavam para um outro lado. “Já no espetáculo final do curso ‘As Noivas de Nelson’, fiz uma assistência de cenografia para Anibal Pacha e foi a partir deste momento que compreendi que a minha função no teatro seria de alguém que fizesse parte da magia que existe por trás dos bastidores, ou seja, na criação de tudo”, afirma. 

Para Aline, o encontro com Aníbal Pacha foi determinante para ela, que teve oportunidade de exercitar a criação de bonecos e cenários para o Catalendas, junto com Pacha. “Foi o marco na minha decisão em trilhar este caminho do teatro de formas animadas, especificamente no ofício de bonequeiro”, finaliza. 

Na entrevista que segue, Aline Chavez fala mais sobre o processo de criação e pesquisa com a bolsa do IAP e sobre o espetáculo que estreia logo mais, às 21h. 

Aline, no atelier
Holofote Virtual: O que você antecipa sobre o espetáculo que é fruto de uma pesquisa? 

Aline Chavez: O resultado de uma pesquisa, por todas as fases que se passa, por todas as descobertas que podem ser feitas, dificilmente deixa a sensação de algo acabado. 

Principalmente quando se requer de um pesquisador uma atitude administrativa paralelamente a todo o processo artístico. Uma pesquisa, uma experimentação não tem um resultado exato, previsível, uma verdade absoluta. Uma prestação de contas tem que ter. 

E o procedimento específico para se chegar a isso é muito, muito trabalhoso, mais até que a experimentação artística. Enfim, neste sentido foi muito complicado para nós, principalmente por ser a nossa primeira incursão no Concurso de Bolsas. 

Holofote Virtual: Que caminhos foram percorridos para se chegar a esta montagem? 

Aline Chavez: Tivemos vários princípios, como montar o Auto Popular, de Bruno de Menezes, pontuado de “estações” como numa encenação tradicional da Paixão de Cristo. Mas no final, optamos por manter os personagens principais da comédia do boi dentro de uma trajetória de auto de natal. 

Holofote Virtual: A pesquisa do papel para a construção dos bonecos foi fundamental. O que você usou?

Boneco indígena
Aline Chavez: No processo de construção dos bonecos, o papel foi experimentado na sua diversidade de tipos e texturas como o papeis artesanal (curauá), papel crepon, papel de seda, papeis de enfeites de aniversário, papeis de caixas de sapato, papeis de out-door, jornal – apontando para um desdobramento de pesquisa com o reaproveitamento.

Nesse trabalho o papel é cor, é volume, é sombra; tanto que não há utilização de qualquer tipo de tinta ou pigmentação posterior, que não seja o do próprio papel. A concepção dos tipos que deram traços aos personagens, foram encontrados no Guamá, em São Caetano de Odivelas, pessoas entrevistadas que foram servindo de fonte de inspiração para a criação dos bonecos. 

Holofote Virtual: O que resulta do contato que vocês tiveram com as crianças que brincam nos bois Malhadinho e Faceiro?

Aline Chavez: Com as crianças a principal fonte veio do olhar sobre o cortejo do Boi Faceiro em São Caetano. Uma cena especial é a de quando o boi descansa. Ele é colocado no chão e as crianças sobem no boi, abraçam e fazem carinho nele até que os “pernas” voltam e o cortejo segue em frente. Isso se tornou o momento da ressurreição do boi dentro da dramaturgia do espetáculo. 

O professor e escritor José Ildone Favacho Soeiro diz uma coisa maravilhosa: “Ao falar suas falas regionais, dançar suas danças típicas, alimentar-se, vestir-se, gesticular, plantar e colher, cantar idosas ladainhas, contar espantosas estórias, aplicar seus remédios, reviver as lendas – e mais, muito mais – o Homem, atado à terra-berço e aos seus conterrâneos, está se alimentando de seu próprio sangue (o Folclore) e mantendo uma substância que a moderna parafernália não vai destruir facilmente.”

Nosso propósito é fazer parte disso, possibilitando novos espaços, novas formas de visibilidade para este patrimônio. A poética disso está na abordagem que só o teatro de formas animadas pode proporcionar, com toda a sua magia, trazendo de melhor o que ainda temos na nossa memória. Uma memória de muitos sorrisos e muitos abraços sinceros, infantis, colhidos durante este processo.

A tribo ajuda nas buscas de Rulieu
Holofote Virtual: Como foi trabalhar com este elenco que está estreando no teatro de formas animadas? 

Aline Chavez: Nessa experimentação com um elenco de não atores, julgamos ter encontrado no processo um dos desdobramentos mais significativos: a dificuldade de brincar, um brincar espontâneo, genuíno. Uma das probabilidades desta dificuldade pode estar ligada a diminuição dos antigos espaços de brincar, seja dentro das escolas, apartamentos, praças públicas – que poderia justificar a aproximação cada vez maior entre tecnologia e lazer. 

Mas isso é um desdobramento para mais adiante. Por hora, cada um trouxe o que melhor tem de si dentro da proximidade com a linguagem artística, ou seja: uma contribuição bem mais voltada para a área musical – três integrantes do elenco pertencem ao Grupo Casa de Folha. 

O elenco, dentro desta pesquisa conduzida de forma participativa, nos instigou a pesquisar e incluir as antigas cantigas de roda e parlendas infantis. É uma geração que não traz mais esta memória, é a geração audiovisual dos games, do You Tube, Twiter, e Facebook. 

Esperamos que até o derradeiro momento todos possamos compreender que o representar neste processo é igual a brincar livremente como se estivéssemos num cortejo junino.

Catirina diz a Chico que deseja a língua de Rulieu
Holofote Virtual: Foram meses de trabalho e aproximação entre todos que fizeram este espetáculo. O que fica de amoroso e de prático dessa vivência? 

Aline Chavez: As parcerias encontradas nas pessoas como o Rondi Palha (Faceiro), Sandreane Arrais, Prof. Gláucio, Ronaldo Silva, Anibal Pacha, Carol Abreu, Ruthiel Felipe, André Butter pódem ser citadas até mais que parcerias, foram verdadeiros encontros e em alguns casos reencontros. É a prova de um trabalho em comunhão, em torno de um compromisso com a arte. Não arte pra si mesmo, mas arte que transcende, que pode apontar caminhos para outros. 

Holofote Virtual: A trilha sonora é um dos pontos altos do espetáculo. O que vocês estão trazendo? 

Aline Chavez: Temos cantigas como “Boi da Cara Preta”, musicamos parlendas encontradas no processo de pesquisa e algumas trovas que foram sendo compostas dentro das necessidades impostas pela dramaturgia, ou seja, de autoria de David Matos. 

Vaqueiros, personagens da narrativa do boi bumbá
Holofote Virtual: O futuro de Rulieu... 

Aline Chavez: O principal compromisso é com o IAP. A agenda para o ano que vem ainda tem algumas apresentações para o Instituto, mas é certo que o projeto vai procurar meios e recursos para uma circulação tanto estadual quanto interestadual. O que se quer é dialogar com outros espaços e grupos o que se construiu nesta experiência.

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