5.12.11

Wlad Lima e a cena híbrida do teatro paraense

Wlad Lima (Ensaio: Bob Menezes)
Ela tinha pouco mais de dois anos de idade quando era fundado, em 1963, o curso livre de teatro da universidade, o embrião da Escola de Teatro e Dança da UFPA, que hoje oferece cursos técnicos, duas licenciaturas e ainda programas de extensão como o GTU. Integrante da geração de 80, que aprendeu teatro na prática dos grupos, Wlad Lima, que acabou de completar meio século de vida, no último dia 03, é uma das grandes responsáveis pelo teatro que se faz hoje em Belém dentro ou fora da universidade. Em entrevista ao Holofote Virtual, ela nos conta como sua história corre paralelamente a do teatro paraense mais recente, fala de suas reflexões sobre a atual produção da cidade e do momento por que passa a ETDUFPA.

Articuladora da Rede Teatro da Floresta, mais de 30 anos de carreira. A atriz, cenógrafa e diretora de teatro, além de professora e pesquisadora da ETDUFPA – Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará, já atuou, dirigiu e ainda é ligada a grupos como o Cuíra do Pará e a Dramática Companhia, sem falar das consultorias e rápidas participações em novas montagens, sejam elas dentro ou fora da Universidade Federal do Pará. 

Para Wlad Lima, neste segmento artístico, nós temos de um tudo e para todos os gostos. Nos últimos dois anos, Belém viu montagens de linguagens diversas. “Aldeotas – Lugar de Memórias”, com texto de Genro Camilo, do Grupo Gruta de Teatro, privilegia o ator como também vemos em "Eutanázio e o princípio do mundo", inspirado na obra do escritor e romancista Dalcídio Jurandir, montagem do grupo Usina Contemporânea de Teatro.

Mais na linha híbrida entraram em cartaz o performático “Red Bag”, de Jefferson Cecim, e o poético teatro de sombras tridimensionais do Miasombra, em “A Sombra de Dom Quixote”, e “Sem Dizer Adeus”, do Cuíra, entre outros. 

O Pequeno Grande Aviador (GTU)
Marcante também é a nova produção universitária que vem sendo mostrada à cidade, nas constantes estreias e temporadas dos trabalhos montados e apresentados pelo GTU da ETDUFPA. 

Outra faceta dessa diversidade são os espaços alternativos, abertos pelos próprios grupos, para difundir o que é produzido, mas não entra na pauta dos poucos teatros existentes na cidade. 

Além do Teatro Porão Puta Merda, comandado pela própria Wlad, a Casa dos Palhaços Trovadores, o Casarão do Boneco do In Bust, o Teatro do grupo Cuíra, o Estúdio Reator, de Nando Lima, e a Casa da Atriz, residência onde pai (Paulo Porto), mãe (Yeyé Porto) e filhas (Luciana e Juliana)se dedicam ao fazer teatral, também são exemplos disso. Neste sentido, importante dizer que o Teatro Universitário Cláudio Barradas tem, de certa forma, sanado esta lacuna, abrindo as portas não só para o que é produzido dentro da universidade. 

“Temos um teatro corajoso, que possui formatos quebrados, mas também o mais convencional. É assim em toda parte do mundo, onde se questiona a forma, o jeito de fazer, quer outros formatos, invade todos os lugares, invade toda a cena, desde a caixa preta, do teatro italiano, aos espaços livres da cidade, como os porões, como é o meu caso há mais de 20 anos, e vai pra rua”, diz. 

Mas para chegar e se compreender o momento atual, é preciso voltar uns 60 anos. Recente mesmo, esta história, segundo Wlad, tem muitas versões. “São vários documentos vivos que estão aí”, diz. 

A turma do Teatro Norte Escola
Wlad refere-se à Margarida Schivasappa, Maria Sylvia, Benedito Nunes, Cláudio Barradas, Paes Loureiro e Paraguassú Éleres (Leia dele, Teatro de Vanguarda) e outros tantos, que viveram entre os anos de 1950 e 1960, um dos momentos férteis do nosso teatro, que vai da fundação do Norte Teatro Escola - grupo que reunia não só atores, mas também intelectuais da cidade - até a criação do curso livre de teatro da universidade.

“O Teatro Norte Escola era um grupo muito forte, influenciado pelo Paschoal Carlos Magno  (fundador do Teatro de Estudantes do Brasil) e que queria dialogar com vários estados. É esta turma que forma a escola de teatro da UFPA e influencia toda uma nova geração”, conta. 

Pesquisadora engajada e interessada, além de uma leitora voraz de tudo que tem a ver com teatro, arte e filosofia, Wlad Lima tem uma agenda sempre cheia de compromissos, acadêmicos principalmente. Apesar disso, ela encontrou um tempo para receber o Holofote Virtual em sua biblioteca (incrível), no Teatro Porão Puta Merda, seu atelier-residência no bairro da Campina, em pleno centro comercial de Belém.

Holofote Virtual: Onde começa a história mais recente do teatro paraense? 

Wlad Lima: O que temos agora se cria entre 1950 e 1960, e vem como uma pororoca arrastando tudo e depositando coisas em outros lugares para desaguar num grande mar, muito misturado, hibrido,liquido. Mas há várias versões que ainda estão aí. Há documentos vivos da história, como Maria Sylvia, Paes Loureiro, Nilza Maria e Claudio Barradas, entre outros tantos. 

Paschoal com Benedito e Maria Sylvia Nunes
Holofote Virtual: A turma dos anos 50, que criou o Norte Teatro Escola... 

Wlad Lima: Sim, é quando temos Margarida Schivasappa que ainda trabalhou com esta turma. Pascoal Carlos Magno foi o homem que fez o Teatro de Estudantes do Brasil e passou por todo o país contaminando a todos com seu ideal, de fazer teatro em todo os estados do país, e que talvez tenha sido a pessoa que começou a descentralizar o teatro feito em são Paulo e Rio de Janeiro. 

O Teatro Norte Escola reunia pessoas que faziam teatro. Mas nem todos eram atores, eram intelectuais da cidade, literatos, filósofos, poetas. Estávamos nos anos 50, quando o rádio está no seu ápice, temos as radionovelas e a implantação da Televisão. Tudo que vem dai, forma o Norte Teatro Escola. 

Holofote Virtual: O que vem depois deles e acaba desencadeando um grande movimento nos anos 80?

Wlad Lima: Nos anos 70 e 80, tivemos uma explosão de grupos que surgem e se firmam como o Gruta, o Experiência, e o Cena Aberta. Cláudio Barradas, que permanece na cena, continua formando outros atores. Na cidade, tínhamos Luis Otávio Barata, principal colaborador do Cena Aberta, além de Walter Bandeira, Margaret Refskalefsky e Zélia Amador de Deus. 

Lembro que o Teatro da Paz vivia fechado para manutenções. É de fato um teatro especial, que precisa de atenção. Foi tantas vezes fechado para a categoria teatral que hoje nem sentimos mais falta dele, que definitivamente entrou na linha do teatro monumento. Mas na época, quando ele fecha, a classe teatral vai pra rua e grita que quer um espaço. Isso acontece em1975. Já em 1979, o experimental Waldemar Henrique é inaugurado.

Neste mesmo ano é renovada a entidade de representação da categoria, que passa a se chamar FESAT – Federação de Atores e Técnicos de Teatro do Pará. Chegamos aos anos 80 e 90 com novas perspectivas. 

Holofote Virtual: Foi aí você entrou no movimento teatral? 

Wlad Lima: Eu sou resultado da década de 70. Considero que esta história faz um grande triângulo, onde eu me coloco no meio: Teatro Escola Norte, dos anos 70 e 80 e finalmente dos 90 e 2000. Quando entrei para a escola de teatro, ela funcionava na Rua Padre Prudêncio. Antes ficava na Trav. Quintino, onde houve um incêndio, perdendo-se muitos documentos importantes desta história. 

Na Padre Prudêncio, porém, a escola já estava decadente, já era penúria. Mas ficava bem localizada, perto da Praça da Republica, do Waldemar Henrique, da escadaria do Teatro da Paz e do Bar do Parque. 

Entro para o teatro num momento muito efervescente, político e de organização também. A década de 80 é uma década incrível, pois surgem todos os grupos, o Palha, Gruta, Cuíra, além da Unipop. 

Holofote Virtual: Como foi o processo para que tornar o curso livre de teatro em graduação?

Wlad Lima: Foi um caminho muito longo. Paralelo à explosão da categoria na década de 80, a escola ainda estava muito decadente. Eu fazia o curso livre, mas saí dele em 1981, quando a direção nos chamou para dizer que quem fazia o curso livre não podia fazer parte de grupos. 

Eu e Olinda (Charone), alunas do terceiro ano dissemos ‘tudo bem, então vamos ficar nos grupos e sair da escola’. Voltamos em 1986, numa atitude muito pessoal, pois queríamos estudar teoria, porque nos grupos tínhamos só a prática. 

Chego a ser professora colaboradora da escola, mas no finalzinho dos anos 80 saio novamente. E neste momento, surgem outros espaços de formação, fundamos a Unipop e aparece a Fundação Curro Velho, e tudo o que eu e Olinda não conseguimos implantar na escola fomos fazer isso nestes lugares. 

Com a criação do Núcleo de Artes - Nuar - , em 1991, inicia-se um novo processo e em 1993, através dele, abrem-se as primeiras vagas para professor na já chamada Escola de teatro e Dança da UFPA, isso depois de mais de 20 anos. 

Então entramos eu e Miguel Santa Brígida em Teatro, Waldete Brito e Lenora Brito, em dança. Foi aí nos começamos o trabalho que se mostra hoje. Depois começamos a chamar pessoas da categoria, como Walter Bandeira, Marton Maués, Olinda Charone, para escola. Eles atuavam como professores colaboradores, convidados, até que mais vagas são abertas pela universidade, para professores, tanto de teatro como pra dança. 

Em 1994, resolvemos organizar uma eleição pra mudar a direção na escola. Miguel é eleito e aquela turma antiga que tinha entre seus expoentes Cláudio Barradas sai de cena, ao não compor com as novas diretrizes que queríamos dar. Isso nos assustou, mas ganhamos apoio da direção da universidade, que tinha Zélia Amador de Deus, Margaret Refskalefsky e o Alex Fiúza de Melo, pro reitor na época (1991), e depois reitor (2005). 

"Em Nome do Rio" (GTU)
Holofote Virtual: Foram longas décadas até que a escola deixasse de ser um curso livre... 

Wlad Lima: Foram 20 anos só como curso livre. Depois ainda levamos mais uma década para a regulamentação dos cursos técnicos. É que achávamos um absurdo as exigências do MEC. Não concordávamos com a conformidade nacional por achar que a realidade regional deveria ser vista por eles e só quando fomos ouvidos é que as coisas puderam acontecer. 

Holofote Virtual: Depois disso, veio o processo para a implementação das licenciaturas... 

Wlad Lima: Sim. Quando o Alex (Fiúza de melo) assume a reitoria da UFPA, ele vem com tudo. Mexe em sua estrutura administrativa e organizacional, e se a torna modelo pra muitas universidades do Brasil. Tivemos o primeiro Instituto de Ciência da Arte – o ICA, um trabalho importante que teve à frente o Afonso Medeiros e sua equipe. E aí, juntamos todos os cursos de linguagem artística, como teatro, música, artes visuais. 

Abre-se o Programa de Pós Graduação em Artes – PPGARrte - e começamos a ir atrás das licenciaturas para o teatro e a dança. Para isso era necessário que se formasse uma equipe de doutores e fizemos a pergunta a todos que estavam envolvidos. Vamos sair? Saímos, dezessete, ao mesmo tempo. A Escola ficou só com professores substitutos. Hoje nosso quadro tem 43 professores, e quem ainda não é doutor ou mestre é mestrando.

Holofote Virtual: Há ligação do que se produz academicamente e o teatro que se faz na cidade, pelos grupos? 

Wlad Lima: Alguns grupos se formaram com a saída do curso técnico. A Licenciatura em teatro só iniciou em 2009. Logo, a primeira turma de graduação da escola ainda não saiu, mas tem muita gente que mesmo fazendo a graduação já está em grupos. 

Quem quer fazer teatro na prática tem que fazer bacharelado. Não temos isso aqui, embora esta ainda é a grande demanda da cidade. Como temos licenciatura, estamos incentivando esse outro lado através dos cursos técnicos e mais recentemente do Grupo de Teatro Universitário – GTU - que une graduandos aos estudantes do curso técnico com o projeto Jovens Encenadores

O Boi do Romeu no Curral da Julieta (GTU)
Holofote Virtual: Como funciona o projeto? 

Wlad Lima: Estamos proporcionando aos alunos uma estrutura mínima para que eles tenham noção do que é organização de um grupo. Já temos um repertório de sete espetáculos, com as linhas de montagem de teatro e novas mídias, rua e Jovens Encenadores. Dois espetáculos do projeto Jovens Encenadores, ‘O Pequeno Grande Aviador’ e ‘Em Nome do Rio” já começam a ser mostrados fora da escola e até do estado. 

Holofote Virtual: E como era antes do GTU? 

Wlad Lima: Na década de 90, as turmas do curso técnico já saíam formando um grupo ou até mais de um. A Companhia de Teatro Madalenas é exemplo disso. Mas a escola não ofertava tantas coisas como hoje. Acredito que esta oferta tenha dobrado cinco vezes mais. 

Hoje você pode terminar o curso técnico e continuar na escola, na graduação, depois tem o mestrado. Temos quatro cursos técnicos, projetos e mais poder de expansão. Isso faz com que os alunos fiquem na Escola por muitos e muitos anos. É onde tem estrutura. 

Holofote Virtual: Não há caminhos para o teatro fora da ETDUFPA? 

Wlad Lima: Quando o aluno sai da Escola o que ele tem? O que a Secretaria de Cultura te oferece em termos de política pública para o teatro? Não há nem estrutura e nem apoio. Não conseguimos negociar pautas nos teatros, o Waldemar Henrique que era específico da categoria local, está fechado. Não temos editais. Não temos espaço de trabalho. 

Eu fiz um teatro que a gente vivia de outra forma. Hoje, sem editais, os grupos estão mais parados que naquela época, quando a falta de incentivo era até maior, por incrível que pareça. O diversificado da produção de hoje está mais naquilo que você tem como teatro solista, onde os atores fazem solos e participam de vários grupos. Estamos num momento de transição, no meio do caminho. Mas isso não é uma crise. Acho este modelo, aliás, bastante velho, e que oscila muito em todo o país. Onde não se tem apoio, se gera outros formatos, então você tem impressão de que está sempre mudando e está mesmo. 

Foto: Bob Menezes
Holofote Virtual: O teatro paraense ganha repercussão fora do Pará? 

Wlad Lima: Acho muito legal quando vejo alguns trabalhos saírem, como o do Claudio Barros (Solo do Marajó), Mariléa Aguiar (A Muher das Sete Saias), do Nando Lima (Morgue Insano – and Cool), Milton Aires (Makunaíma) e do Jeferson Cecim (Red Bag). Mas ainda é muito pouco o que sai. 

Não temos mais os grandes festivais, onde nos encontrávamos, falamos agora em festivais de breves e curtas cenas. Daqui estamos indo pra onde? Eu sou a favor do teatro de grupo. Tenho produzido pelo Cuíra, colaborado com o grupo do Hudson Andrade, na Casa da Atriz, mas são convites específicos para projetos e isso me incomoda demais. O projeto rola e depois acaba, são de uma temporada apenas, termina o recurso, encerra o ciclo. 

Então ainda tenho trabalhado mais com GTU. Ninguém ganha nada, mas como formação é muito bacana. Eu temo pelo teatro de grupo em Belém, seriamente. Gostaria que desse uma virada. A Escola vai muito bem, mas se não tiver virada desse outro lado, não tem jogo.

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