16.3.11

Entrevista: Elza Lima revela as novas Amazonas em exposição premiada pela Funarte

O imaginário que cerca a vida real da mulher ribeirinha, na Amazônia, é o objeto de pesquisa da fotógrafa Elza Lima, na exposição “O Lago da Lua ou Yaci Uaruá - As Amazonas do rio mar” , aberta desde o dia 17 de fevereiro, na Galeria de Arte do CCBEU (Padre Eutíquio), onde fica até o dia 31 de março. 

Quem visita a exposição encontra 44 imagens, em grandes formatos, tendo logo à entrada,  duas fotografias e um trecho da filmagem feita sobre o Espelho da Lua. Ao final, uma foto retrata a imagem que interpreta a carta do viajante espanhol Francisco Orellanas, pintada em uma parede de Terra Santa, um dos municípios visitados pela fotógrafa.

Elza Lima não expõe individualmente em Belém desde os anos 90. “Não gosto muito de exposições. É um nervoso grande expor para quem tu conheces, na tua terra”,  explica-se. A mostra  atual faz parte do projeto homônimo premiado no ano passado pela Funarte. Elza foi uma das vencedoras do XI Prêmio Funarte Marc Ferrez, na categoria Documentação Fotográfica/Registro das Transformações do Cotidiano na Sociedade.

Parte de uma geração que fez a história da fotografia paraense dar uma volta de 180 graus, a fotógrafa admira a mais nova turma que hoje se espalha pelo estado, mas principalmente, em Belém, onde tudo começa nos anos 1980. 

A exposção fica aberta até dia 31 de março
“A nova geração da fotografia é uma delícia, acho todos eles antenados com o mundo, já nasceram com acesso às novas tecnologias, dominam a internet, enfim, tudo o que sonhamos na minha época, quando desejávamos ter contato e saber o que outros artistas estavam fazendo e isso tudo eles conseguem hoje”, afirma.

Além de tecnologia, para atravessar o universo da fotografia, é necessário por os pés na estrada ou navegar, sim, é preciso. E foi isso que ela fez. Para buscar as imagens desta nova exposição, Elza Lima atravessou vários municípios navegando o rio Nhamundá, localizado no Baixo Amazonas.

Partiu de Oriximiná e passou pelas cidades de Nhamundá, Juruti, Faro e Terra Santa, onde está o “Espelho da Lua” e, supostamente, o local em que aconteceu, em 1542, o encontro dos exploradores Francisco Orellanas e Gaspar Carvajal com as lendárias Amazonas.

O projeto também terá como resultado um curta metragem, filmado pela também fotógrafa Luciana Magno, novíssima geração, e dirigido pela cineasta Priscila Brasil. A previsão é que ele seja apresentado ao público até o final deste ano.

Algumas semanas antes de abrir sua exposição, Elza Lima conversou com o Holofote Virtual. Falou de sua trajetória e da experiência de expressar a região e seus mistérios, através de sua fotografia, capturando, em belas imagens, a essência feminina da Amazônia. Leia a entrevista.

Elza Lima
Holofote Virtual: Já fazia muito tempo que você não realizava um exposição individual aqui em Belém. Quando aconteceram as últimas?

Elza Lima: A última individual foi 1995, na Galeria Theodoro Braga, em paralelo com a mostra do artista plástico Armando Queiroz. Eu havia passado uma temporada na Suíça e retornei com a exposição. O Armando Queiroz mostrava trabalhos que faziam uma interpretação da Alemanha.

Antes disso, fiz “Nunca haverá um país como este”, na Galeria Rômulo Maiorana, quando ainda situava-se em frente à Estação das Docas de hoje. Sempre acabei fazendo outras individuais, mas fora daqui, onde eu geralmente não tenho tanto tempo.

Holofote Virtual: Você também participa de encontros e mostras coletivas dentro e fora do Brasil. Com são estas experiências?

Elza Lima: Em novembro de 2010 expus no Japão, durante um grande encontro de fotografia, mas não pude ir até lá, pois estava em Caiena, realizando uma palestra e uma exposição. E lá também foi um grande encontro. Fiquei encantada com fotógrafos que vieram de vários lugares. Conheci vários deles e até fiquei com vontade de trazê-los para alguma ação aqui.

Na exposição, a fotografia da pintura em Terra Santa
Holofote Virtual: A tua pesquisa pelos rios da Amazônia começa quando e como?

Elza Lima: O primeiro prêmio que eu ganhei com este é tema foi o da Bolsa de Criação Artística do Instituo de Artes do Pará, há sete anos. Foi a minha primeira viagem para esta região. Mas já tenho 25 anos navegando pelo rio Amazonas. 

Cada afluente, cada riozinho que eu descubro é como se eu desvendasse seus mistérios e tivesse sobre eles novos olhares, em perspectivas que antes não tinha nem pensado. São estes desdobramentos do rio têm me proporcionam estes projetos.

O do Nhamundá nasceu de uma viagem que fiz ao Equador, onde fui dar palestra sobre os fotógrafos da Amazônia. Fiz um levantamento desde a história dos viajantes até chegar aos da fotografia de hoje e descobri que a Amazônia é extremamente visual, que ela nasce com esse símbolo da visualidade.

Nesta palestra do Equador me levaram para o local de onde Orellanas e Carvajal partem e descobrem o rio Amazonas. Isso me despertou para o seguinte: não conhecemos a história da descoberta do rio Amazonas. A carta que relata a viagem do Orellanas é linda. Eis que surge a idéia: se estes exploradores tivessem feito esta mesma viagem, hoje, quais seriam estas Amazonas que eles encontrariam?

Holofote Virtual: Eles não poderiam mais fazer isso, mas você realizou parte deste percurso. Conta o que fostes encontrando pela frente.

Elza Lima: Fiz a primeira viagem e detectei que a Amazônia é muito matriarcal. Delimitei o rio Nhamundá, afluente do amazonas, porque dentro dele existe o Espelho da Lua, que é exatamente o lugar do encontro entre o Orellanas e as Amazonas. Queria ver como se encontra a lenda e as mulheres que hoje vivem lá.

Fiz várias viagens e foram deslumbrantes. Há sete anos, a primeira entrevistada que eu encontrei foi uma mulher andando a cavalo no rio e a historia dela é muito louca.

Holofote Virtual: O que te chamou tanto atenção?

Elza Lima: Descobri Nhamundá, o rio que separa os estados do Pará e Amazonas. Nesta cidade eu descobri a maior mulher pescadora do lugar. Ela era casada com um filósofo em Manaus, mas não deu certo e ela resolve ir para o município e começou a pescar. A história e a imagem dela estão na exposição.

Em 2010, quando retornei, não a encontrei, pois ela estava em Manaus, mas me disseram que ela já duplicou a frota de barcos. Junto com esta pescadora, tem várias histórias de mulheres vivendo sem homens, criando seus filhos, vivendo com muita garra e revelando como é viver na Amazônia. Mas não é só lá. Existe também a Amazonas da cidade. Aliás, foi uma sequência de mulheres interessantíssimas.

Holofote Virtual: O que você vai fazer com tantas histórias?

Elza Lima: Todas as histórias estão gravadas. As primeiras ainda estão em fita de vídeo cassete, sem qualidade de som. Mas vi que se trata de um campo muito maior e com o prêmio da Funarte eu quis voltar também para consolidar minhas pesquisas e as primeiras impressões que eu tive desses lugares. Depois de sete anos, eu fui atrás das mesmas pessoas e não as encontrei mais.

Holofote Virtual: Como exatamente você construiu a pesquisa sobre a leda das Amazonas para fazer um paralelo com os dias atuais?

Elza Lima: Esse projeto, desde o inicio, tinha sido enfocado de uma forma que eu pudesse brincar com o real e o imaginário. Pesquisei muito de como surgiu a lenda das Amazonas e como ela se dividiu e se espalhou pelo mundo, desde os gregos. Quais os pintores focaram este tema etc. E então durante este tempo, mergulhei na pesquisa e na história dos viajantes que discutiram a veracidade ou não da lenda e seus desdobramentos.

Em todo este processo eu percebo que há uma ligação que atravessa o tempo. E aí quando eu volto agora encontro a maior seca da Amazônia dos últimos 100 anos e é um impacto. Foi um choque ver o rio tão baixo. Eu vi outra realidade, dois tempos do rio e a dificuldade do povo em sobreviver. O rio é a vida deles, de onde retiram e por onde escoam os alimentos que chegam até lá, como a merenda escolar que não chega para as crianças.

Holofote Virtual: Pra gente encerrar. Você é fruto de uma geração que revolucionou, pode-se dizer assim, a história da fotografia paraense. Como você lê tudo isso?

Elza Lima: A história da fotografia aqui é interessante. Para mim foi um aprendizado, fizemos o coletivo, tivemos avanços. Vejo o Luiz Braga valorizando a fotografia como instrumento de sobrevivência, o fazer fotográfico.

Depois tem Miguel Chikaoka, com a escola de fotografia e a criação de um público que interpreta o fazer fotográfico. Isso foi um ganho e tanto, chamar o público para discutir fotografia, estética, temáticas, o que ele retoma nos dias atuais, com o Café Fotográfico (Fotoativa).

Além deles, tem muita gente como o Paulo Santos, a Leila Jinkigns e tantos outros. Esta geração mais antiga, do fotojornalismo, da foto arte, preparou o terreno para os novos e acho maravilhoso ver agora todos convivendo. 

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