6.12.19

Mateus Araújo estreia "Chico Buarque de Chambre"

Ao completar sua residência de dois anos na capital francesa, como recipiente do Prêmio Icatu de Artes, o maestro, compositor, pianista e violinista Mateus Araújo apresenta o concerto “Chico Buarque de Chambre”, na próxima segunda-feira, 9, às 19h30, na Cité internationale des Arts de Paris. Bati um papo com ele e com Landa de Mendonça, cantora e atriz, sua convidada, e também companheira.

Em sua trajetória, Mateus Araújo já dirigiu extenso repertório sinfônico e lírico, assim como desenvolveu um trabalho educacional com orquestras jovens no Rio de Janeiro. Como compositor e arranjador teve obras apresentadas em Nova Iorque, Paris, Zurique, Leipzig, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campinas e Belém, entre outras cidades e países, com sucesso entre músicos, público e crítica. 

Em 2018, estreou na Cité des Arts de Paris seu livro "88 Prelúdios para 88 Notas" para piano solo. Neste ano, seguiram-se as estreias da Sonata para Clarineta e Piano e do  Concerto para Quinteto de Cordas e Orquestra em Pistoia, além da peça Triálogos, em São Paulo e Zurique.

Nesta nova apresentação, ele convida a atriz e cantora Landa de Mendonça e um quarteto de cordas formado por jovens brasileiros já atuantes na cena musical parisiense: os violinistas Walber Matos (PA), Rafael Gonçalves do Carmo (PR), o violista Adyr Francisco (RJ), e o violoncelista Abner Borges (SP). Mateus estará ao piano, assinando composição e arranjos. 

Landa é natural de Belém-PA, estudou Teatro e Canto Popular na Universidade Federal do Pará, na Escola de Teatro Martins Pena e no Conservatório Brasileiro de Música no Rio de Janeiro. Com mais de 20 anos de experiência em Teatro e Cinema, ela se dedica a cantar um repertório desenvolvido sobre a pesquisa da música popular brasileira.

Graduado em Composição pelo Conservatório Brasileiro de Música, Mateus Araújo trabalhou como regente titular e convidado de importantes orquestra brasileiras, desde sua participação no concurso mundial Maazel em 2002. Como titular, esteve a frente da Orquestra Jazz Sinfônica (1999/2000), Sinfônica de Ribeirão Preto (2003/04), Sinfônica do Teatro da Paz (2005/09), OSB Jovem (2012/13) e Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro (2016/17). 

“Chico Buarque de Chambre” é composto por uma abertura original intitulada Poema pro Chico (2019) e uma suite com dez das canções mais icônicas de Chico Buarque, arranjadas para uma formação de câmara: voz, piano e quarteto de cordas. É ao mesmo tempo uma homenagem ao universo buarqueano e à música de câmara universal, como um ciclo estruturado em estilo clássico contemporâneo.

Estão no repertório, Roda Viva (1967), Construção/Deus lhe pague (1971), Gota d’Água (1975), O que será (1976), Cálice (1978), O meu guri (1981), A volta do malandro (1985), Joana Francesa (1990) e Vai passar (1990). Todas as canções e letras são de Chico Buarque, exceto Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, e Meu Guri, de Francis Hime e Chico Buarque. De Paris, envolvidos com os últimos ensaios, recebendo brasileiros que moram em cidades próximas, Mateus e Landa responderam a entrevista do blog, confiram! 

Holofote Virtual: Cantar Chico Buarque se tornou um ato revolucionário, também fora do país? Vocês sabem do que estou falando. Além disso, qual foi a inspiração maior para escolher esta obra para interpretar neste projeto?

Landa de Mendonça: Com certeza, é um ato revolucionário resgatar uma expressão gigante de nossa cultura que está sendo atacada. Se alguns textos de Chico carregam denúncias sociais, que elas possam vir à tona. A inspiração foi a própria qualidade de sua obra, sua importância e beleza, que é nossa grande referência de criatividade e comunicação. 

Mateus Araújo: Numa época onde estes valores estão sendo desprezados ou até intencionalmente diminuídos, nossa consciência nos impulsiona a querer defender e compartilhar nossa visão de qualidade, e se possível trazendo mais conexões. É uma questão até de responsabilidade. Imagino o ímpeto que deve sentir um bombeiro vendo uma casa pegando fogo na sua frente com pessoas aprisionadas dentro.

Holofote Virtual: Chico é também um lugar de fala para as mulheres. Você já tinha feito outros trabalhos com a obra dele, Landa?

Landa de Mendonça: Chico sempre esteve presente, desde o tempo de escola, e assim que me inclinei ao teatro e a música, vi que seu texto nunca perdeu a força, e carregava a universalidade atemporal dos grandes gênios. E para as mulheres realmente é uma luva, um luxo, um bálsamo e um antídoto contra a opressão. Aos poucos fui aprendendo e imaginando o que eu poderia acrescentar como intérprete de  algumas canções. Fui compondo um repertório e também participei de uma montagem da Gota d’água.

Holofote Virtual: Mateus, o show também celebra esses dois anos de residência na França. Como tem sido esses anos e esse projeto ao acaso representa uma despedida? Vai circular para além dos telhados de Paris?

Mateus Araújo: Paris foi a cidade capaz de catalisar o desenvolvimento artístico da humanidade e aqui surgiu a expressão vanguarda, de avant-garde. Aqui existe uma perspectiva única sobre o tratamento das sonoridades, e este caminho é explorado por tantos compositores. Encontrei muitos compositores que trabalham com novidades e músicas eletrônicas, mas escrevem bastante tradicionalmente, com tonalidade e coloridos desenvolvidos nos séculos XIX e XX. 

No ano passado pude concluir meu projeto de 88 Prelúdios para 88 Notas que, apesar de utilizar somente recursos acústicos, foi uma maneira inédita de fazer música. Entre tantos trabalhos em construção e desenvolvimento, este era um sonho acalentado há muito tempo. Achei que neste momento era o mais importante a se fazer: traduzir a música popular brasileira para a formação de concerto. 

O desafio de constituir um conjunto onde os elementos da música popular e de concerto estejam absolutamente equilibrados. Quando se faz concertos de música popular com orquestra ou instrumentos acústicos, em geral uma das partes acaba incapacitada de demonstrar todo seu potencial. Então posso dizer que meu objetivo é diferente de  colocar uma nova roupagem, mas sim abordar uma nova visão musical, independentemente de qualquer sofisticação. Com essa proposta e este conteúdo, espero mesmo que circule além dos telhados de Paris. O Brasil merece e o mundo merece.

Holofote Virtual: Como está a dinâmica do show, o repertório. E a Lelê também vai participar? Vi uns vídeos

Mateus Araújo: Foi um processo de criação conjunto, cheio de debates e descobertas, e principalmente cheio de verdade. Como se diz em alemão - “Hausmusik”, a música que fazemos em casa; ensaiamos separadamente com cada músico, e sim, a Letícia, participa, claro, ela é a flor que cresce no seio familiar com seus talentos sendo desenvolvidos naturalmente.

Holofote Virtual: Vocês estão aí no meio artístico. Falando de política, como as loucuras que estamos vivendo aqui, repercutem aí?

Landa de Mendonça: Infelizmente, a exploração dos governos e a distorção dos fatos é uma tendência global generalizada, mas a falta de compromisso com a educação no Brasil é assustadora. Vemos e sentimos os ataques à cultura e à ciência. O que poderia nos tirar do buraco é justamente a educação, e nossa cultura é que nos define. Passamos vergonha todo santo dia. 

Holofote Virtual: Voltando ao show, como estão os preparativos e as expectativas para essa estreia mundial ?

Mateus Araújo: A expectativa é grande, mas já podemos sentir que a receptividade será calorosa. Uma coisa que sentimos aqui é que o interesse e o respeito pela arte podem ser correspondidos.

Holofote Virtual: Landa, experiência na Europa, o que impacta na tua trajetória? Alguma saudade do Rio ou Belém? Contrastes?

Landa de Mendonça: Estar aqui significa pensar no que temos para oferecer de melhor, enxergar o melhor em nós mesmo e desejar a superação. Por enquanto, saudades monstruosas de açaí, rs.

Holofote Virtual: Mateus, teus sonhos daqui por diante?

Mateus Araújo: Meu sonho é continuar aprendendo e compartilhando este aprendizado, sempre com a maior verdade possível, mesmo quando isto possa parecer distante do fluxo do sucesso. Não existe nenhum sonho que ultrapasse o anseio pela integridade artística. 

Nenhum comentário: