A cidade da região do Baixo Tocantins está em festa. É que a iniciativa de dois professores de arte, criada há três anos, com duzentos alunos e envolvendo hoje 1.500, acaba de ser escolhida para receber um dos maiores prêmios destinados para a arte e educação no país.
O Auto da Barca Amazônia – ABA ficou entre os cinco melhores projetos de educação em artes do Brasil e vai receber o XI Prêmio Arte na Escola Cidadã, do Instituto Arte na Escola.
“Em virtude da premiação, vamos realizar uma edição especial do ABA, trazendo para o público, este ano, um histórico de suas três últimas edições”, avisa Jaqueline.
O espetáculo sairá nesta quinta-feira, 30, às 18h, do Colégio São Francisco Xavier, em cortejo, pelas ruas de Abaetetuba. Este ano, o projeto conta com participação especial dos alunos do CRAS, do grupo folclórico da terceira idade, Ney Viola, entre outros. Não percam este espetáculo é gratuito.
O espetáculo começou a ser idealizado e executado em 2007, pelos professores Jaqueline Souza, artista plástica e cênica e Paulo Anete, artista plástico e carnavalesco sairá às ruas da cidade em uma edição especial nesta quinta-feira, 30, e será todo gravado para o documentário que será exibido no dia 26 de outubro, em São Paulo, quando os Jaqueline e Paulo receberão a premiação.
O ABA surgiu com objetivo de envolver os estudantes em atividades ligadas às artes do espetáculo, como teatro, dança e circo, também traz de volta os velhos costumes de contar estórias, a valorização da cultura local e dos saberes da comunidade.
Destinado aos professores ou equipes de professores que desenvolveram projetos nos anos nos dois últimos anos, em escolas de ensino regular, públicas ou particulares, o prêmio é direcionado a todo o território nacional, para projetos realizados em quatro linguagens artísticas: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.
A premiação é realizada pelo Instituto Arte na Escola, pelo SESI e Fundação IOCHPE (SP) visando reconhecer e revelar projetos desenvolvidos por profissionais de ensino na área de Arte.
“É a primeira vez, em onze edições do concurso, que o prêmio sai para um projeto de escola pública do Pará e foi justamente no interior do Estado do Pará, na cidade de Abaetetuba de onde saem as mais diversas notícias de violência, tráfico de drogas”, diz Jaqueline, reforçando a importância desta premiação.
Para falar mais sobre o projeto, o Holofote Virtual entrevistou a professora Jaqueline, que nos conta abaixo mais sobre esta experiência que com toda certeza precisa ser compartilhada e também seguida como exemplo em várias outras cidades paraenses.
Holofote Virtual: Como está sendo o recebimento deste prêmio e o que ele dimensiona para vocês e toda a comunidade envolvida?
Jaqueline Souza: Bom, às vezes pedimos um ao outro: Me belisca? (risos). Essa premiação está sendo muito bem vindo, pois estávamos passando por algumas dificuldades institucionais, já tínhamos até desistido de realizar o evento este ano devido a falta de apoio.
O prêmio veio como uma injeção de ânimo e o orgulho de termos conquistado esse prêmio para o Pará, principalmente para Abaetetuba que sofre tanto com a violência e com o tráfico.
Serviu para mostrar que temos coisas legais aqui e que nossa força cultural é imensa, que nossa riqueza não está somente nos minérios e recursos naturais, está também na sabedoria de nosso povo. Nossa vivência é um baú de ouro escondido na águas barrentas do desconhecido.
Holofote Virtual: Como foi que surgiu a idéia de monta rum cortejo cênico na cidade de Abaetetuba?
Jaqueline Souza: A idéia começou em 2007, quando eu tinha acabado de ser lotada pela SEDUC na cidade e a escola pediu para que os professores de arte fizessem um trabalho com os alunos do ensino médio para um evento de Hallowen que iria acontecer na escola.
Bom, nada contra, mas questionei e me recusei a fazer isso, pois já somos muito massacrados pela cultura norte americana. Na época, conheci Paulo Anete, outro professor de arte e ele me falou que estava pensando em ensaiar uma representação teatral que falasse sobre lendas para apresentar na quadra da escola e pediu minha ajuda devido ao meu histórico com o teatro.
Quando ele me falou que era carnavalesco pensei: por que não fazer com esses alunos um cortejo pela cidade, utilizando fantasias de contos de assombração amazônicos (antigas lendas que a vovó contava) e que nesse cortejo tivesse elementos de circo (pirofagia e malabares), performance e teatro de formas animadas?.
Não tínhamos um tostão furado no bolso para realizar o projeto, mas os alunos apostaram na idéia. Fizeram coletas, arrecadaram material e assim, em forma de oficinas, ensinamos a eles a construção das próprias fantasias, dos bonecos, adereços. Em 26 de outubro de 2007 surgiu o primeiro ABA, com cerca de 200 pessoas em cena, e deu tão certo que os alunos esperaram ansiosamente o do ano seguinte.
Holofote Virtual: Como é o processo de vocês, quem mais participa?
Jaqueline Souza: A concepção de todo o roteiro é sempre minha e do Paulo, mas hoje temos algumas pessoas que nos apóiam, como os diretores do colégio São Francisco Xavier, os pais do alunos, alguns professores que seguram a barra junto conosco - Alberto Valter Vinagre, Nazinha Ferreira, Jones Gomes -, músicos da região como Ney Viola e os alunos participantes que são quem banca a maior parte do evento.
A maioria do elenco vem do colégio São Francisco Xavier, mas participam também alunos da unidade de educação especial de Abaetetuba e alguns alunos que vêm de escolas de regiões mais afastadas (zona rural e ilhas). Na primeira edição éramos 200 alunos, mas esses números cresceram com o decorrer dos anos e hoje temos cerca de 1500 alunos participantes.
Holofote Virtual: É um grande feito. Por isso é incrível que não tenham nenhum tipo de apoio financeiro, fora o que os alunos arrecadam na comunidade...
Jaqueline Souza: Esta é uma iniciativa de dois arte educadores, que acreditam na transformação do mundo pela arte, e que essa transformação se dá no processo diário, um trabalho de formiga mesmo.
Podemos dizer que nosso trabalho é como a parábola de multiplicação dos pães, você partilha o pouco que tem e quando vê, alimentou muitas pessoas de conhecimento e essas mesmas pessoas multiplicarão com tantas outras pessoas e assim por diante. Isso é um processo lento de transformar, mas ele é eficaz, torcemos para que um dia nós possamos ver que essas pessoas estão levando mais adiante esse trabalho e contribuindo para a construção de uma sociedade melhor para as gerações que virão.
Holofote Virtual: E este documentário, como vai ser feito?
Jaqueline Souza: Todo o documentário será produzido pelo Instituto Arte na Escola/ Fundação IOCHPE de São Paulo, que virão à Abaetetuba e farão a gravação de todo o processo de construção do cortejo, entrevistarão alguns alunos e a nós (Paulo e eu), de quarta-feira, 29, a sexta-feira, 01 de outubro.
O documentário será lançado no dia 27 de outubro, na cerimônia de premiação que acontecerá em São Paulo e depois será distribuído para todas as unidades do Instituto pelo Brasil afora.
Holofote Virtual: Fala um pouco da trajetória de vocês com o teatro e com iniciativas como esta...
Jaqueline Souza: Eu já vinha de um histórico de projetos sociais, grupos de teatro e pesquisa em artes que fizeram parte de minha formação profissional.
O Paulo tem experiência com o carnaval de Belém em escolas renomadas como o Rancho Não Posso Me Amofiná, mas é a primeira vez que ele e eu dirigimos um evento de tão grande porte como o ABA. Esse é de fato um grande aprendizado para nós.
Estamos juntos em quatro edições do projeto, o que nos fez criar a Companhia de Teatro Anima Itinerante composta por mim e por Paulo que visa levar oficinas de artes cênicas e visuais para as áreas mais carentes e também levar o teatro até onde o povo está. No caso do ABA, por enquanto ele só acontece em Abaetetuba mesmo, mas quem sabe daqui algum tempo possamos levá-lo por toda a região do Baixo Tocantins ou outras regiões do Pará?
Holofote Virtual: Seria excelente. Mas e agora, quais são os próximos passos, já que o projeto está ganhando outras dimensões?
Jaqueline Souza: Bom, nos próximos passos vamos bater nas portas do patrocínio para ver se conseguimos algum apoio, pois até então, fizemos o trabalho com recursos próprios.
Um comentário:
São expereiências como essa que transformam a realidade e formam pessoas cidadãs.
Parabéns Profa. Jaqueline e Prof. Paulo!
Foi um prazer encontrar com a profa. Jaqueline no V Fórum Bienal de Pesquisa em Arte. Ela com sua sensibilidade me fez lembrar ações que desenvolvemos no Pólo Arte na Escola.
Profa. Sandra Suely dos Santos Francisco.
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