7.8.10

Deu Cuíra na Zona

"Boa Noite Cinderela", em cartaz no Teatro Cuíra

O ano era o de 2006, quando o produtor da Ópera “Aquiry - A Luta de um Povo”, um espetáculo grandioso, obra do maestro Mário Brasil, sobre a revolução acreana, andou aqui por Belém.

Estava resolvendo questões de produção do espetáculo e acompanhando os ensaios quando se deparou com uma situação nada agradável. O cenário da ópera, que chegara poucos dias antes da estreia, simplesmente não entrava no Theatro da Paz.

Claro que ele quase enlouqueceu. Onde guarda-lo para fazer os ajustes necessários? Precisava de um galpão. Não só isso, deveria ser um espaço próximo ao Theatro da Paz. Felizmente, ele o encontrou e fácil. Na esquina da Travessa 1º de Março com Riachuelo, um galpão adquirido recentemente pelo Grupo Cuíra de Teatro.

Na época, a notícia de que um grupo independente como o Cuíra, estava conquistando um espaço próprio, no centro da cidade, corria largamente entre o meio artístico e na imprensa.

Graças a isso, não foi difícil para o produtor da Aquiry encontrar o que queria, através da produção local e das indicações que recebeu dos amigos que já tinha na cidade. O Galpão passou então, por aquele período, mais ou menos um mês, sendo ponto de referência para os técnicos que, trabalhando no cenário, ficavam num trânsito entre o Galpão e o Glamouroso Theatro da Paz.

“Nossa eu me lembro muito bem disso. Ficaram aqui, quando ainda estávamos de mudança sem nenhuma infra, pintando todos aqueles painéis”, (foto) comentou Zé Charone, ontem à noite, por telefone, com o Holofote Virtual.

Passados quase cinco anos, o Espaço Cuíra agora é referência na cidade. Instalado em plena zona do meretrício, no bairro da Campina, vem criando projetos e montagens de espetáculos que valorizam e envolvem as personagens reais que vivem naquele entorno e, ao mesmo tempo, provocando suas platéias com espetáculos que mergulham, muitas vezes, neste universo de forma crítica e poética.

Cito à exemplo, o espetáculo inaugural, Laquê, que seria dirigido por Luiz Otávio Barata, diretor de teatro falecido, há quatro anos, no mês de julho, em São Paulo. Além de diretor, Luiz Otávio era amigo de Zé Charone, Edyr Proença, Wlad Lima, Olinda Charone, Cláudio Barros e Papi Nunes, na época todos integrantes do grupo Cuíra. Quando foi finalmente encenada em 2007, lembrando a época em que o meretrício era perfumado por laquê, a peça acabou sendo uma grande homenagem a ele.

O Espaço Cuíra resistiu ao tempo e nestes últimos anos vem aprovando trabalhos dentro da política nacional de editais. Mas no final do ano passado, um passo muito mais importante foi dado e vem marcando de forma profunda a vida de todos do grupo e das pessoas com as quais eles trabalham.

Através do IPHAN, o Teatro Cuíra é, hoje, um Ponto de Cultura, indicação feita, principalmente, por ele estar situado em um bairro tombado pelo Patrimônio Histórico. Estes convênios do IPHAN com diversos outros pontos, vem dotando vários centros de difusão cultural com infraestrutura para o desenvolvimento de seus trabalhos.

Com o Ponto devidamente instalado, em abril deste ano o Cuíra deu início ao projeto “Zolhos da Zona”, que vem sendo desenvolvido junto ao público do bairro da Campina, tendo, entre outros, o objetivo de fazer o registro do lugar, das casas, das pessoas, de suas vidas.

Foram realizados Workshop de Introdução à Linguagem Audiovisual, Intervenção Artística Urbana, Cenografia, Teatro e Figurino, tendo em cada oficina cerca de 20 alunos.

“O Cuíra virou uma usina de produção, com todos os seus espaços ocupados”, diz Edyr Proença (na foto com Zê Charone), escritor e dramaturgo do Cuíra.

O resultado dessas atividades começa a ser mostrado ao grande público neste final de semana, com a estréia do espetáculo “Boa noite Cinderela”, que ficará em cartaz no Teatro Cuíra, sempre aos sábados e domingos (hoje e amanhã, tem), até novembro, quando, ao completar um ano, encerrará o contrato com o IPHAN.

Isso, de alguma forma já começa a preocupar o grupo. “Apesar de aprovar nossos espetáculos em editais, estes nunca nos permitiram adquirir bens permanente, então o Ponto de Cultura veio preencher esta lacuna”, explica Zé.

“Por isso, ao mesmo tempo em que tenho felicidade de poder realizar isso com maior tranquilidade, o fato de estarmos finalizando o processo já nos preocupa. Torcemos para renovar o contrato, pois com o Ponto de Cultura aumentamos a equipe de trabalho, envolvemos várias pessoas desta comunidade que já começam a nos perguntar quando serão as próximas oficinas”, explica.

A atriz e também uma das coordenadoras do projeto diz que esta experiência, além de estar sendo rica, já serviu, inclusive, para definir com mais clareza a vocação do Ponto de Cultura do Cuíra, ali no bairro. “As pessoas que nos procuram, querem fazer teatro”, conclui.

Com texto de Saulo Sisnando e direção de Marluce Oliveira, a peça "Boa Noite Cinderela" é justamente a colagem de testemunhos dos atores, em grande parte, moradores ou profissionais que moram na Campina misturada com o conto de fadas “Cinderela” e o desfile carnavalesco dos Boêmios da Campina, repetindo o mote de “Laquê” (foto).

“Estamos finalizando o projeto. E o Boa Noite Cinderela faz um síntese de tudo que produzimos nas oficinas. A temporada do espetáculo vai até final de novembro, mas pode ser que dê muito certo e a gente estenda por mais tempo”, assim espera Zé Charone, o Grupo Cuíra, os moradores da Campina e nós, o público, também.

Serviço
A peça Boa Noite Cinderela faz as apresentações de estréia hoje, 07, e amanhã, 08. Depois continua em cartaz aos sábados e domingos, até novembro, sempre às 21h, no Teatro Cuíra. Ingressos: R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia).

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