30.8.11

Daniel Leite é "Peso Vero" da literatura paraense


Já escrito e cantado em prosa e verso, o Ver-o-Peso continua sendo uma fonte inesgotável para os artistas e amantes de todas as artes. Nem mesmo este blog resistiu a uma de suas imagens mais emblemáticas. Estamos todos impregnados dessa cultura da feira. Belém é cheinha delas. Mas quem frequenta a maior da América Latina (à céu aberto, é bom que se repita) sente, mais do que em todas as outras, seus cheiros, seus sons, enxerga suas cores e o horizonte emplacado pela baia do Guajará.

É assim que o Veropa (ou Verupa), como muitos costumam chamá-lo, encantou mais dois olhares sensíveis, do poeta Paulo Vieira e do escritor Daniel da Rocha Leite, que vão lançar juntos uma obra que são duas ou vice-versa, o “Peso Vero”.

Ilustrado pelo poeta Maciste Costa (autor de Pedrinho e o peixe azul – Prêmio IAP 2007) e com designer de D’Arcy Albuquerque, “Peso Vero” será lançado no dia 05 de setembro, no Hangar, às 19h, dentro da programação da XV Feira Pan Amazônica do Livro, no estande do Banco da Amazônia, que patrocina o projeto através de seu edital de seleção pública.

Mas já há outro, previsto para o mês de outubro quando o livro será lançado no exato local de memória que o inspirou, ocupando o setor das barraquinhas das Erveiras. “Será um lançamento para doação do livro aos feirantes, no dia 1º de outubro. Livros farão parte, como gratidão de histórias que ouvimos. Livros serão um pouco de perfume, em garrafas de 5 ml de Chama Amores, Chega-te a mim e outras mandingas e remédios”, diz Daniel.

Nascido carioca, o autor veio com dois meses para Belém, onde cresceu sob a atmosfera ribeirinha da cidade e fazendo passeios pelo Ver-o-Peso. Em sua memória há lembranças de sua infância entrando pela primeira vez no Mercado de Carne, quando viu seus “talhos vermelhos, pregões de vendas de agulhas, alcatras, costelas, cabeças de porco, chãs e outras palavras”.

Ilustração para o poema Sun (days)
Premiado pelo Sesc de Poesia Carlos Drummond de Andrade – DF, Edição 2007, com a poesia "Travessia para um abraço”, ele possui outros livros publicados.

“Águas Imaginárias” - Contos (Prêmio IAP/2004); “Casa de Farinha e outros mundos” - Infanto-Juvenil (Secult-Pa/2007); “Invisibilidades” – Contos (Prêmio IAP/2007); “Girândolas” – Romance (Prêmio Mac-Dowell – Academia Paraense de Letras/2008). No ano passado ele lançou “Procura-se um Inventor” (Prêmio Rafael Costa – Academia Paraense de Letras), também um livro infanto-juvenil.

“Peso Vero” é um livro de Contos, Poemas e Haicais ou, preferindo Paulo Vieira, de “Feira-Cais”, como este de Daniel, chamado “No céu da página”, em que diz: “redemoinho azul de nuvens e vertigens/ cirandas de urubus escrevem um tempo/ fome”.

No prefácio do livro, Lilia Silvestre Chaves, poeta e professora de Literatura Francesa, autora de ensaios sobre teoria literária e do livro de poemas “E todas as orquestras acenderam a lua”, afirma com propriedade que ao se ler os textos de Daniel da Rocha Leite “temos a impressão de que o tema que a narração inicia projeta-se na direção do poético: seu texto é elástico, com parágrafos impregnados de um lirismo quase sacro, e versos cotidianos em que a prosa se dissolve. Essa alternância prosa-verso já se mostra desde o primeiro conto”.

Daniel é de uma escrita em que poesia e prosa transitam naturalmente, garantindo a nós a delícia da leitura, assim como ele se mostra na entrevista do Holofote Virtual que vem a seguir e à qual ele diz que nos coloca suas impressões, não respostas.

Daniel Leite
Holofote Virtual: Na apresentação do livro, a Lilia (Chaves) fala que se de um lado o Paulo é "influenciado pelo ambiente", você pesquisa o invisível. Como traduzir/interpretar o invisível?

Daniel da Rocha Leite: "Pesquisar o invisível" talvez venha de uma vontade de escrever sobre um lugar - não pela perspectiva apenas de um símbolo cultural e histórico, mas, sim, pela vida das Pessoas que o fazem, os seus dramas diários, as suas esperanças, os seus diários de muitas lutas, Peso Vero de um lugar de lida de sol a sol, sonhos, trabalho, felicidades, redenção e perdas.

Holofote Virtual: Fala da tua relação com o Ver-o-Peso, presente na tua memória...

Daniel da Rocha Leite: Minha relação com o Ver-o-Peso vem com a minha infância. Menino inquieto sempre, muito inquieto, minha mãe começou a me levar, todos os sábados, para as compras no Mercado de Carne, Feira do Boulevard e Mercado de Peixe. E nós íamos, eu e ela, dia nascendo pela Padre Eutíquio até a Sete de Setembro. Silêncios das seis da manhã, histórias da minha mãe, vida de prédios do comércio, vida portuguesa.

Naqueles caminhos soube de um meu avô português que trabalhava no Ver-o-Peso. Ele, um homem da farinha, em uma casa chamada Casa Caranguejo, na ocidental do mercado. E nós íamos ali, andando, mãe e filho, pelas ruas da manhã de um sábado, João Alfredo e outros mundos para sempre inesquecíveis.

Entrávamos no Mercado de Carne. Aqueles talhos vermelhos, pregões de vendas de agulhas, alcatras, costelas, cabeças de porco, chãs e outras palavras. Nos talhos "ésses" de carne suspensos pendurando pedaços de quartos de boi e o céu coberto com umas grades de ferro para que os urubus não invadissem a área da venda. Defumações, cheiro de creolina pelo chão, cheiro de carne verde das manhãs de sábado de um menino e a sua mãe.

Tudo era fascínio para os olhos daquele menino que fui e sou. Antes de sairmos para o Boulevard e atravessarmos a rua para o Mercado de Peixe, havia, na saída do Mercado de Carne, um lugar imenso onde ervas eram vendidas, pimenta do reino, remédios, garrafadas e outros segredos.

Lá, neste final do Mercado de Carne, havia a imagem de um Preto Velho imenso, um Preto Velho que era muito meu amigo. Gostava de ficar por ali, olhando para ele, ouvindo os seus silêncios, a sua calma de mucuracaás, folhas de canela e outros mistérios.

Ficava, ali, sentindo aquelas outras vozes que vinham lá, da rua, ouvindo um mundo que iria se marcar para sempre em minha vida. Este mundo tão esfíngico que é o nosso Verupa, um nosso lugar de vida, mercado marcado pela sua humanidade e as suas lutas, o nosso Ver-o-Peso.

Holofote Virtual: Como aconteceu o encontro com o Paulo Vieira?

Daniel da Rocha Leite: O meu mundo com o Paulo Vieira vem da poesia. Conhecemo-nos por ocasião dos Prêmios IAP e outras aventuras. Paulo é, para mim, um dos maiores poetas brasileiros. E um irmão eterno. Há em nossa fraternidade este mundo simples dos irmãos, mundo de muitos sonhos, trabalho e muita esperança. O sonho sempre de que um dia - quem sabe - conseguiremos viver do trabalho das nossas palavras.

Holofote Virtual: És autor de romance, contos, histórias infanto-juvenis. Como é tua produção e o que estás pesquisando agora?

Daniel da Rocha Leite: Escrevo com alguma disciplina. Tiro férias do meu trabalho "normal" para pesquisar sobre o que eu estou debruçado. 

Há dois anos, venho pesquisando sobre Serra Pelada. Interesso-me sobre as pessoas pelas quais toda história é escrita. “Entre a Montanha e o Lago" é o nome do romance que, nestes dois últimos anos, vem acendendo a luz do meu olhar, a ponta dos meus dedos e os labirintos do meu peito.

Há insônias, fraquezas, intimidações do mundo e a necessária consciência de que nem tudo que se escreve é bom. Rasgo, escrevo de novo. Rasgo mais uma vez, pesquiso, sondo as palavras, sigo na faina. Persevero, escrevo. Esperança e Trabalho são verbos.

Em alguns momentos da vida é preciso ler mais do que escrever. Em outras, escrever mais do que ler. Trabalho assim, pés em cima desse arame quase insondável, indo e vindo, buscando algum equilíbrio para me sentir vivo na luta. 

Holofote Virtual: Tuas leituras...

Daniel da Rocha Leite: Dalcídio, Maria Lúcia Medeiros, Max (Martins), Lygia Bojunga, Drummond, Bandeira, Pessoa, Eça, Gabriel G. Marquez são leituras eternas.

Holofote Virtual: Tens livros dedicados ao público infanto juvenil. Como você entende a importância da literatura na vida das pessoas desde bem cedo?

Daniel da Rocha Leite: Sim. Escrevo livros infanto-juvenis, contos, romances e outras coisas. Escrever é uma ausência essencial de si mesmo. É quase um ar rarefeito. É o meu pedaço de humanidade no mundo. Meus olhos, minhas palavras e meus silêncios.

Escrever para criança é sonhar junto com ela um primeiro sonho. Fascinação, alumbramento, encantos. Literatura de criança é sonho, não é cartilha. Mais tarde este sonho, se bem sonhado, ajuda a afirmar outros sonhos.

Um comentário:

Erlon Andrade disse...

Para todo o trabalho e dedicação há uma recompensa!