Chegou recentemente às livrarias o livro “A Cidade Sebastiana”, escrito por Fábio Fonseca de Castro, doutor em sociologia, professor da Faculdade de Comunicação da UFPA e pesquisador no programa de pós-graduação "Comunicação e Cultura na Amazônia".
A obra é resultado de seu trabalho de Mestrado, orientado pelo professor, escritor e filósofo Benedito Nunes e defendido em 1995, na Universidade de Brasília.
"A Cidade Sebastiana, a Era da Borracha, memória e melancolia numa capital da periferia da modernidade" aborda a Belém, que no ciclo do látex, era uma metrópole mercantil, governada por uma burguesia associada ao capital estrangeiro e das heranças deixadas no imaginário coletivo da população até os dias de hoje.
“É um trabalho no campo da sociologia da cultura, com aporte na história cultural”, explica Fábio, que também foi Secretário de Comunicação do Governo Ana Júlia, até meados de 2009, quando deixou o cargo sob algumas polêmicas geradas por anônimos na blogosfera.
Hoje, mantendo o diálogo com o atual governo, discute as políticas voltados à área cultural, participando de inúmeras mesas e eventos que tem esta finalidade. Esteve, por exemplo, na mesa de abertura do II Encontro de Gestores Culturais do Estado do Pará, realizado no último dia 14, no Hangar Centro de Convenções da Amazônia, sob coordenação da Secretaria de Estado da Cultura.
O encontro reuniu secretários municipais de cultura e representantes da sociedade civil, com objetivo debater o Plano Estadual de Cultura. No dia seguinte, Fábio Castro já havia postado algo à respeito em seu blog, o Hupomnemata.
Aliás, Fábio é um blogueiro assíduo e exigente, satisfeito com a qualidade de seus leitores. Há quatro anos vem debatendo assuntos voltados às políticas de cultura e de comunicação, pois acredita não ser possível “falar em política cultural, contemporaneamente, sem falar, ao mesmo tempo, sobre política de comunicação”, escreveu em uma de suas primeiras postagens, em 2006 .
Para ele, “a cultura associada à mídia pode ser descrita como o “quinto poder”, como o elemento estruturante dos imaginários coletivos e, portanto, como uma peça estratégica na construção da visibilidade da cultura local”. Talvez por isso, tenha feito mais recentemente, postagens propondo um debate em torno da Funtelpa e que renderam inúmeros comentários. Mais polêmica.
Há algum tempo, venho seguindo o blog do professor Fábio Castro. Já havia pensado em lhe propor uma entrevista. A oportunidade veio agora com o lançamento de seu livro. Na semana passada fiz o convite, que foi logo aceito. Os assuntos focados no bate papo do Holofote Virtual com Fábio Castro foram seu livro, o blog e as artérias da política cultural paraense.
Holofote Virtual: O livro “A Cidade Sebastiana” acaba de chegar aos pontos de venda em Belém. É resultado de seu trabalho de Mestrado, defendido ainda na década de 90. Da tese ao livro há um hiato de mais de uma década. Por que tanto tempo?
Fábio Castro: Meu trabalho é escrever. Publicar é uma tarefa incômoda, desgastante, cara e que atrapalha muito. Não tenho muita paciência para fazer esse percurso. Mesmo porque, por força dos compromissos acadêmicos e da, por assim dizer, economia da academia, acabamos priorizando a publicação de pesquisas em periódicos especializados, bem como a apresentação dos temas em seminários, colóquios, etc, o que também toma tempo e demanda paciência.
Nesse espaço acadêmico, “A Cidade Sebastiana” já tem uma vida longa e já foi citada em umas três dezenas de artigo e teses. Por outro lado, a publicação em forma de livro e sua disponibilização para o público em geral sempre esteve no meu horizonte. Ocorre que só agora resolvi enfrentar o desafio. Na verdade, estou editando, ao mesmo tempo, três trabalhos. Os outros dois sairão nos próximos meses. Foi uma espécie de esforço concentrado.
Holofote Virtual: Foi a tua paixão pela cidade de Belém que te levou a escrevê-lo? Fala um pouco de como a pesquisa surgiu e se tornou dissertação de Mestrado.
Fábio Castro: Não diria paixão, mas sim intriga. Belém é uma matéria subjetiva intrigante. Tem coisas estranhas na cidade. É material para muita literatura e para muita indagação.
Cheguei ao tema percebendo a persistência social dessa melancolia a respeito da “era da borracha”, algo presente na literatura, nas artes plásticas e mesmo na memória cotidiana, na intersubjetividade social da cidade.
Meu campo de trabalho é a sociologia da cultura, particularmente a formação do tecido intersubjetivo e das práticas de sociabilidade decorrentes dele. Como esse livro foi minha primeira pesquisa de fôlego, essas matrizes teóricas e metodológicas, com o acréscimo da fenomenologia, foram, posso dizer, meus interesses primordiais.
Holofote Virtual: A expressão “terra do já teve” tem haver com estas memórias de opulência deixadas na cidade de Belém pelo ciclo da borracha e que abordas no livro?
Fábio Castro: Sim. A experiência social do ciclo do látex foi de abundância. A oferta de bens de consumo era imensa em Belém, propiciando uma cultura material luxuosa para os que podiam pagar por ela. Por sua vez, a crise econômica na qual a cidade mergulhou, posteriormente, constituiu uma experiência de privação que, para a burguesia local e para setores medianos da sociedade teve contornos dramáticos.
O “já teve” tem duas dimensões: uma empírica, em função do fato de que essa abundância material deixou de existir, e outra no campo da subjetividade coletiva, motivada pelo impacto repentino da perda. Agora, se há uma associação entre o ciclo do látex e o “já teve”, isso não quer dizer que o ciclo do látex é a única experiência histórica associada ao “já teve”.
Toda a história da Amazônia é uma longa reiteração da experiência social de derrota e de perda. Nesse sentido dá para ver o ciclo do látex também como uma renovação dessa memória social de derrota histórica.
Holofote Virtual: De que forma você acredita que esta pesquisa ajuda a refletir as transformações e desenvolvimento da sociedade paraense nos dias de hoje?
Fábio Castro: Refletir sobre as transformações, na verdade. O que falei a respeito das derrotas históricas da sociedade amazônica, por exemplo, está na maneira como a sociedade amazônica atual deixa de se posicionar sobre as grandes questões que lhe concerne.
Como se já houvesse uma predisposição à derrota. As questões sobre a política mineral, A Lei Kandir, a necessidade de recolocar o pacto federativo brasileiro à luz da dimensão amazônica, por exemplo, são derrotas apriorísticas, a meu ver, da Amazônia atual.
Penso que refletir sobre o imaginário social ajuda a identificar os medos coletivos, as predisposições negativas e, por outro lado as potencialidades que existem e que não são aproveitadas.
Holofote Virtual: Você tem um blog sobre política, cultura, mídia, literatura, cinema. Web 2.0, novas tecnologias, mídia livre. Quando teve início este mergulho no universo virtual e como isso tem mexido com o teu cotidiano político, profissional e pessoal?
Fábio Castro: Criei o Hupomnemata, meu blog, em 2006 e o interrompi durante os dois anos e meio em que ocupei o cargo de Secretário de Comunicação do governo. A princípio, era um instrumento para maximizar minha atividade como professor e líder de um grupo de pesquisa sobre comunicação e cultura. Porém, quando retomei o blog, em junho de 2009, ele ganhou amplitude e uma dimensão política.
Como é um blog de posicionamento, de opinião - e não de informação, necessariamente – acabo conseguindo alcançar um público qualificado e introduzir alguns debates. Em função das posições adotadas sou convidado a participar de debates, diálogos etc. Penso que é um modo de fazer política, porque conforma uma participação no debate público. Isso é a esfera pública do nosso tempo.
Agora, é preciso perceber que blog não é mídia massificada, é mídia interativa. Por isso minha estratégia de comunicação, no Hupomnemata, não é alcançar quantidade, mas sim qualidade. Não me orgulho de um índice de leitura de 350 pessoas por dia, mas sim de um length (tempo de permanência no blog) de 5 minutos, e de uma taxa de retorno de 90%.
Holofote Virtual: Há várias postagens abordando políticas culturais, um dos focos do blog. Falando nisso, na tua avaliação, como está a política cultural paraense?
Fábio Castro: No governo Ana Júlia foram feitos avanços importantes em 3 direções: 1) a ampliação da participação popular na discussão da política cultural; 2) a construção de um a política de editais e, consequentemente, uma democratização do acesso ao financiamento público da cultura; e 3) o rompimento do isolamento do Pará em relação as política culturais federais, por pura opção política da gestão Paulo Chaves (PSDB-DEM), que se recusava a firmar convênios com o MinC, numa atitude arrogante que prejudicou muito o estado.
A partir daí, obviamente, resta muito a fazer. Em meu modo de pensar, nada terá condições de ser feito num outro governo do PSDB. Numa outra gestão do PT é possível avançar, mas isso, obviamente, dependendo das circunstâncias políticas estabelecidas.
Holofote Virtual: E quais seriam os caminhos?
Fábio Castro: Em minha opinião, é preciso trabalhar para tornar a Secult um forte ator institucional, um forte ator político e um forte ator econômico. E isso quer dizer o seguinte: no plano institucional, é preciso auxiliar na elaboração dos Planos Municipais de Cultura, incentivar o diálogo intermunicipal e criar metodologia de aferição de indicadores culturais para o estado e se possível para outros estados amazônicos, produzi-los e divulgá-los.
No plano político, é preciso que a Secult atue como uma tribuna da voz social, da voz coletiva dos agentes culturais paraenses, fomentando a formação de fóruns, conselhos, audiências públicas e outras instâncias democráticas e dando voz à sociedade civil e, além disso, que ela também atue como um agente instigador da reflexão sobre identidades e territorialidades amazônicas.
No plano econômico, por fim, a estratégia deve ser a de produzir, em forte articulação com agentes públicos municipais, ações de fomento e dinamização da economia da cultura no estado do Pará, também atuando como instrumento regulador.
Holofote Virtual: É fato que a cara da cultura no país mudou, mas o momento ainda é de afirmação, não acha? O que fazer para fortalecer os mecanismos implantados em apoio às culturas indígenas, populares, à cultura digital, midiática e audiovisual, sem deixar a peteca cair?
Fábio Castro: O núcleo da política de cultura do PT é a ampliação da participação social e o compromisso com a inclusão. Foi isso que aconteceu durante os dois mandatos do governo Lula.
A próxima etapa, se Dilma for eleita presidente, está delineada: ela equivale a ampliar a presença física do MinC nos estados e nos municípios com população superior a 150 mil habitantes. O objetivo disso é produzir uma ampliação dos mecanismos de participação e de inclusão. Para não deixar a peteca cair, basta continuar com o projeto.
Holofote Virtual: Tudo indica, porém, que a cultura continua sendo aquela conta que ninguém quer pagar. Não à toa, o Custo Amazônico foi largamente discutido e levado à II Conferência Nacional de Cultura, este ano, em Brasília. O que é necessário para que os investimentos culturais evoluam concretamente para a implantação eficaz de uma economia da cultura na Amazônia?
Fábio Castro: Em primeiro lugar, devemos nos mobilizar pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 150 (a PEC 150), que determina limites mínimos para o investimento público em cultura, os quais seriam de 1,5% do orçamento federal, 1% do estadual e 0,5% do municipal.
Só isso muda tudo, pois praticamente dobra os recursos atuais para a cultura, na maioria dos estados. Ressalto também o custo amazônico, uma vitória retumbante dos representantes paraenses na II Conferência Nacional de Cultura.
Em relação à economia da cultura, penso que cabe ao Estado, por meio da Secretaria de Cultura, realizar uma política pública para o setor.
Holofote Virtual: Quais seriam as sugestões que você daria...
Fábio Castro: A meu ver teria que ser feito o seguinte: 1º - Mapear as cadeias produtivas da cultura paraense, visando a criação de estratégias específicas de fomento e apoio de produção cultural, em cada região de integração do estado; 2º - Criar um sistema de informações culturais, em consonância ao sistema nacional de informações e indicadores culturais (o SCIIC); 3º - Criar um programa de abrangência estadual que garanta o apoio técnico e jurídico assim como a isenção dos custos cartorários, do CNPJ e demais certificados exigidos nos editais e programas de instituições públicas e privadas, garantindo a priorização de entidades sem fins lucrativos, de pequeno porte da área cultural; 4º - Promover um mutirão visando o registro legal e a institucionalização jurídica das diversas associações e movimentos culturais existentes no estado; 5º - Implementar uma política de financiamento que garanta capacitação na área de elaboração e gestão de projetos culturais; 6º - Incentivar a formação de associações e cooperativas culturais; 7º - Garantir apoio logístico (barco, ônibus e outros) para atender os produtores de cultura e promover intercâmbio entre lugares-pólo e os municípios integrantes; 8º - Criar mecanismos para comercialização dos produtos artesanais; 9º - Promover feiras culturais, agregando setores ou específicas, segundo os setores de ação, e garantir estratégia de intercâmbio e divulgação de produtos; 10º - Promover ações de midiatização de serviços e ofertas culturais associadas a ações de midiatização da cadeia produtiva do turismo; 11º - Garantir a maximização do uso dos espaços sócio-culturais disponíveis no Estado, particularmente aqueles mantidos por OSs e que, ainda assim, dependem de amplos recursos estaduais.
Holofote Virtual: E as Leis de Incentivo à cultura? Elas tomaram o lugar das políticas estatais e fortaleceram o mercado neste papel. Ao invés de fazer com que a produção cultural se tornasse “um bom negócio” para todos, deixou nas mãos do empresariado a função de eleger o que é ou não cultura. Quando esse jogo vai mudar?
Fábio Castro: Dizer que a cultura é um bom negócio centraliza a dinâmica cultural no mercado. E isso não é um bom negócio para a cultura. Embora seja também mercado, a cultura precisa transcender ao mercado. Penso que as leis de incentivo devem ocupar uma estratégia apenas secundária na economia da cultura. Elas são muito perigosas para o artista, porque condicionam a produção à visão empresarial do investidor e, em alguns casos, ao lucro da empresa.
Holofote Virtual: O que você acompanha do ponto de vista da produção cultural? Teatro, cinema, música, literatura etc. O terreno é fértil, mas percebe-se a insatisfação de produtores e fazedores de cultura com as facções políticas. O Conselho Estadual de Cultura, por exemplo, não existe de fato.
Fábio Castro: Sempre estou acompanhando o que se faz, sou um consumidor voraz de cultura, daqui como de fora. Em relação aos artistas e produtores, acho que eles têm mais é que ficar insatisfeitos com as facções políticas, independente de quais forem elas ou de qual competência tenham, em relação à coisa pública. Esse que é o papel deles, e artista que elogia o governo, quando não tem militância anterior, tende a perder a credibilidade.
Por outro lado, o governo também não deve estar aí para agradar artistas e produtores, e sim para fazer política pública, o que é bem diferente. Quanto ao Conselho Estadual de Cultura, concordo com você: ele não existe e nem funciona, é um arremedo. É preciso coragem política para destituí-lo e criar um novo, por via democrática, com participação social e com contemplação de setores e linguagens.
Holofote Virtual: Qual o paralelo que você faria entre este momento e aqueles situados em "A Cidade Sebastiana"?
Fábio Castro: Sempre temos ilusões quanto ao centro do mundo. Só isso.
Holofote Virtual: Para finalizar, quais são os próximos passos em direção a discussão deste livro, onde encontrá-lo? E você já está escrevendo algum outro? Obrigada pela entrevista!
Fábio Castro: O livro está aí, solto no mundo. Está à venda da Fox da Dr. Morais, na livraria da Visão, na livraria Humânitas da UFPA e em outros pontos. A Casa 252, uma loja pop-up (foto) recém inaugurada, agendou alguns bate-papos sobre Belém durante a Era da Borracha. Nessas ocasiões, eu mostro imagens, dou alguns dados, conto algumas histórias e a conversa fica aberta. O primeiro que teve foi muito legal.
Sobre outros livros, como disse, nos próximos meses, lançarei outros. Espero que em novembro saia “Entre o Mito e a Fronteira”, que é uma análise sobre a produção artística de Belém, entre 1970 e 2000 e, algum tempo depois, deve sair “As Identificações Amazônicas”, que reúne dez artigos resumindo minhas pesquisas sobre os processos identitários – ou seja, de produção social da identidade - presentes no espaço amazônico contemporâneo.
6 comentários:
Prezada Luciana,
Parabens pela entrevista; de primeira qualidade. Infelizmente ainda temos poucos espaços como esse seu.
Acabei de ler o livro do professor, excelente. Diria leitura recomendada para todos, mas para aqueles com sensibilidade é especial.
Joana.
Parabéns ao Fábio pela lúcida entrevista, indo ao cerne das questões. Acho que a tarefa mais inglória, Fábio, é a de mobilizar e despertar o interesse da classe média e alta paraense pelo tema cultura, de modo a participar e valorizar mais as culturas genuinamente paraenses.
Oswaldo Reis Junior.
Muito legal essa entrevista. O professor Fábio Castro tem uma grande colaboração a dar. Sempre instigante e algumas vezes polêmico. Gostei!
Hahaha, o Fábio é um sujeito muito provocador, que faz umas inconveniências de vez em quando, como puxar a orelha da Funtelpa em pleno período eleitoral. Imagino o que não tem nesse livro que ele anuncia sobre a produção cultural de Belém. Acho que ele vai ter que sair da cidade...
Achei um pouco dificil encontrar o livro. Não tem mais nem na Fox e nem na Humânitas. Por outro lado, não foi colocado na Saraiva, pelo que informaram.
pelo jeito o cara da 00:05 não deve ter dormido.. deve ser um censor da funtelpa. Ué, não pode criticar em época de eleição? O que é isso companheiro!
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