Feito de inúmeras imagens fotográficas feitas em cidades do interior do Pará, o vídeo “Carta para Alice ou o nome da cidade”, da fotógrafa e jornalista Maria Christina pode ser visto na Galeria Theodoro Braga, integrando a exposição Anima, que homangeia a mulher e reúne trabalhos de outras artistas, como Berna Reale, Drika Chagas e Luciana Magno.
O projeto foi contemplado pela Fundação Nacional de Artes – FUNARTE – no Edital Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Artística em Artes Visuais de 2010 e traz fotos de Maria Christina, com edição e montagem de Afonso Gallindo, sons ambientes captados nas próprias cidades visitadas com argumento sonoro criado por Renato Torres.
Para realizá-lo, Maria Christina seguiu vários percursos e congelou imagens de cores diversas, rios, bicicletas, redes, saias floridas... “Há uma alegria contagiante e trêmula, repleta de esperança no som dos animais, no riso das crianças, em tantas imagens construídas por seus habitantes”, escreve Orlando Maneschy no encarte de apresentação.
Para Maneschy, “Carta para Alice ou o nome da cidade está além da experiência visual, é fruto de uma experiência de estar no mundo, de olhar o mundo e se permitir ter o frescor de olhar como da primeira vez. Maria Christina se dedica a olhar para o diminuto, o particular, as coisas pequeninas, quase banais, mas se estas parecem ordinárias aos olhos daqueles que não as detém, podem irradiar algo de mais tênue e singelo, do poder de criar vínculos, tecer laços”.
A idéia da fotógrafa foi inventar uma cidade virtual, planejada a partir de suas fotografias e de seu olhar sobre estes lugares, de onde ela pinçou imagens que reunidas e montadas no vídeo fez surgir “Alice...”.
“Fui a Afuá (na contracosta do Marajó, fronteira com o Amapá), Santana do Araguaia (fronteira com o Tocantins), a Viseu (fronteira com o Maranhão) e Faro (fronteira com o Amazonas). Quatro cidades em território de fronteira, sempre fazendo limites e todas banhadas por rios, embora o rio Araguaia (lindo!) fique a uns bons quilômetros de Santana”, disse ao Holofote Virtual.
Há alguns anos Maria Christina vem desenvolvendo pesquisa com a lente macro revisitando e criando novas imagens como ela explica em “As Cidades Invisíveis”, texto em que fala desses pequenos objetos escolhidos para a (re)leitura do mundo ao seu redor, contextualizados com a figura humana. “Por vezes, eles compõem universo à parte deste que o ritmo da vida nos impede de particularizar, de saborear...”.
Maria Christina já trabalhou e colaborou para vários jornais locais e nacionais. Fotógrafa profissionalmente desde os anos 80, desde aí, também, vem trabalhando com a mídia contemporânea como no trabalho “O Olhar de Cada Um – Cromo-clip sobre o Círio de N. Sra. de Nazaré mostrado na VIII Semana Nacional de Fotografia do INFOTO/FUNARTE, em Campinas, SP.
Fez também Cuia, um vídeo experimental (1’15”) apresentado no I Festival Internacional de Cinema da Amazônia, em 1998, em Belém, no III Festival de Cinema e Vídeo de Curitiba; no IX Festival de Cinema do Ceará, no 22º Guarnicê de Cinema e Vídeo, em 1999, em São Luiz (MA) e no Festvídeo Belém no ano 2000, também em Belém.
Holofote Virtual: uanto tempo você ficou em cada cidade para conseguir o material necessário para o vídeo?
Maria Christina: Fiquei em média uma semana em cada uma, andando, olhando ao redor, falando com as pessoas, deixando o tempo passar, vendo o céu, o rio, conversando enfim, sem pressa, deixando que a ideia fosse se formando aos poucos.
Holofote Virtual: E como foi esta relação com estes lugares, com as pessoas...
Maria Christina: Minha relação com os lugares é praticamente o mesmo que eu tenho sempre, quando vou pela primeira vez a uma cidade. Deixo-me levar por ela, nunca a violento, procurando com avidez o que ela pode me mostrar, ou me dar. Fico simplesmente, como se ali fosse minha casa e eu tivesse todo o tempo do mundo. Acordo e caminho, paro e converso, pergunto coisas e ouço o que me dizem. Às vezes tenho sim uma ideia de ir por aqui ou por ali, mas no meio do caminho tudo pode mudar por uma informação nova, um sinal que eu encontro. A cidade se mostra pra mim e eu me deixo levar por ela.
Holofote Virtual: Por que Alice?
Maria Christina: Alice é um nome cheio de simbologia que nos acompanha desde a infância! Todo mundo já assistiu o filme ou a animação, ou leu o livro, ou ouviu falar em 'Alice no país das Maravilhas', e alguns poucos conhecem 'Alice através do espelho'; mas é um nome de sonoridade requintada e que me agrada sobremaneira. Minha neta mais velha, inclusive, chama-se Alice. Minha filha, Clara, deu esse nome a ela porque sabia que me agradaria (bacana isso, não é? senti-me homenageada!). Portanto, quando eu pensei em criar um lugar, para o qual eu pudesse fugir em alguns momentos, e que tivesse uma força particular no nome, não poderia ser outro senão Alice.
Maria Christina: De uma forma geral os projetos vão se formando dentro de mim durante um tempo bastante variável. Alguns nascem prontos e eu fico ansiosa para produzi-los e coloco logo a mão na massa... outros levam anos e anos maturando, até que chega o momento e a oportunidade. A ideia de inventar um lugar já existia, mas o formato, as cidades a serem visitadas, como eu gostaria de construir, foi se configurando pouco a pouco, e levou uns 5-6 anos para eu saber exatamente o que eu queria. Ano passado quando a Funarte e o MINC lançaram o edital Bolsa de Estímulo à Criação Artística em Artes Visuais, o projeto estava pronto!
Holofote Virtual: Já o tinhas apresentado antes?
Maria Christina: O convite da Galeria Theodoro Braga para participar da exposição ANIMA foi providencial, exatamente porque Alice ainda não tinha sido vista. Um pequeno trecho, ao qual chamei de Primeira visita, foi mostrado durante o Fórum de Pesquisa em Arte da UFPA, em dezembro de 2010, mas naquela altura o trabalho estava sendo editado ainda.
Holofote Virtual: O vídeo está em uma exposição que homenageia as mulheres. O que o vídeo diz sobre o feminino?
Maria Christina: Como eu te falei no início Alice tem caprichos, como toda mulher, e portanto o trabalho dialoga diretamente com o conceito e a ideia da mostra. E uma característica singular de Alice é justamente que não se pode sair da cidade pelo mesmo lugar por onde se entrou. Incrível, mas é verdade. Ela se renova e oferece outras opções: cercada de água, tem apenas uma porção de terra que a liga ao continente. E mesmo assim, no mapa, ela está no meio do Estado... enfim, é um mistério...
Holofote Virtual: E quanto a carta...
Maria Christina: Carta... aqui, se refere à cartografia. Eu convido a todos a visitar uma cidade, e o vídeo começa justamente mostrando um mapa e o encontro das linhas que indicam a latitude e a longitude de Alice. Pedi a uma amiga que fizesse o cálculo para eu saber onde a cidade se situaria: minha amiga traçou duas linhas ligando Afuá a Santana do Araguaia, e Faro a Vizeu. No encontro dessas duas linhas, está Alice.
Serviço
A exposição “Anima” está aberta na Galeria Theodoro Braga (subsolo do Centur) até o dia 11 de março. A visitação ocorre de segunda à sexta-feira, das 9h às 18h. A entrada é franca. Contato: 91 3202-4313.
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