13.3.13

Salomão Habib traz Tó Teixeira de volta pra nós

Mais de 20 anos se passaram até que Salomão Habib concluísse a pesquisa que retoma, em dois livros, três CDs e um documentário, a obra e trajetória do músico, compositor e professor de violão, Tó Teixeira. Dono de uma obra gigante, ele foi considerado, pelo historiador Vicente Salles (falecido recentemente), um marco da música popular urbana do Pará. Entusiasmado com a chegada deste momento, o pesquisador e violonista conversou com o Holofote Virtual e contou detalhes da pesquisa, cujo resultado será lançado dia 20 de março, às 20h, no Theatro da Paz. 

Salomão Habib tinha ido a uma entrevista sobre o aniversário dos 397 anos de Belém, quando nos encontramos. Era um programa especial de televisão (É do Pará, da TV Liberal), que estava sendo transmitido ao vivo, direto do Theatro da Paz, no dia 12 de janeiro deste ano. O músico fora convidado para falar sobre o projeto que retoma a obra de Tó Teixeira, um presente não só para a cidade como para todo o país. 

Em mãos, Salomão já tinha os CDs, livros e o DVD do documentário prontos, patrocinados pelo SESC Pará. Na ocasião, o Holofote Virtual, que estava nos bastidores da transmissão, foi presenteado com um dos CDs, e após o ao vivo chamou Salomão Habib para um bate papo, ainda no Foyer do belíssimo Theatro da Paz. 

A conversa durou quase um hora, e foi o suficiente para que Salomão nos revelasse boa parte do percurso que vem traçando em sua pesquisa, a fim de descortinar a obra deste violonista que, embora até empreste seu nome à Lei Municipal de Incentivo à Cultura, é pouco ou nada conhecido pelo grande público. As pessoas podem ter ouvido falar dele, mas poucos sabem de sua história e, principalmente, desconhecem sua obra que, espalhada por toda a cidade, foi garimpada, literalmente, por Salomão Habib. 

Foto de Miguel Chikaoka, feita na casa do músico
As partituras originais de Tó Teixeira estavam esquecidas, adormecidas em gavetas e baús dos vários alunos que ele teve. Algumas, inclusive, foram queimadas, mas uma salvou-se e foi resgatada por Salomão que, a partir dela, deu inicio a sua longa jornada como pesquisador. 

“É a obra do compositor que o imortaliza. Infelizmente, antes desse projeto, o único trabalho que trazia suas músicas, foi o realizado em um LP lançado 1991, por mim, através da UFPA. Antes disso ele nunca tinha sido publicado”, lamenta o músico. 

Antônio Teixeira do Nascimento Filho era o nome completo do compositor Tó Teixeira, que costumava escrever exercícios musicais para seus alunos. Eram composições inteiras em manuscritos, levados por eles para suas casas, onde ficaram engavetados após sua morte 1982. Tudo isso poderia realmente ter ficado, para sempre, desconhecido não fosse o acaso do destino. Na entrevista que segue , Salomão nos conta mais detalhes de sua pesquisa e dessa história incrível de Tó Teixeira. 

Holofote Virtual: São mais de 20 anos de pesquisa, Salomão. Como foi que tudo começou? 

Salomão Habib: Isso começou em 1985, se não me engano, ou em 1984. Eu namorava uma moça que morava numa vila onde a duas casas residia um senhor violonista que fazia um trabalho muito interessante. 

Ele era compositor e, num certo dia, compôs uma música que provocou ciúmes na mulher dele, que ficou enfurecida. Quando ele morreu, a viúva, ainda com raiva, resolveu várias partituras que ele guardava. Uma vizinha que sabia que eu gostava de música salvou algumas delas, entre as quais uma de Tó Teixeira. 

Holofote Virtual: E qual foi a tua reação? 

Salomão Habib: Quando eu resolvi executá-la, de imediato, me surpreendi e disse: peralá, vamos combinar, o que é isso? (risos). Aí fiquei completamente apaixonado e comecei a pesquisá-lo. Tó era uma pessoa talentosíssima, de grande humildade, tranquilidade. 

Qualquer um que entrar em contato com a obra, porque agora assim, o estudante de música, o pesquisador vai poder entrar em contato com a obra de Tó Teixeira, também vai se apaixonar. A obra dele é tão grandiosa quanto à de Waldemar Henrique, só que ele nasceu numa época difícil. E ele era negro pobre, humilde e tocava violão. Não teve chance, nem projeção, calculo eu, em função do preconceito que havia na época. 

Holofote Virtual: O que encontrou na sua pesquisa, sobre a vida dele. Como foi este percurso? 

Salomão Habib: Tó Teixeira era professor de violão e escrevia, para seus alunos, peças inteiras para eles estudarem. Os alunos levavam par casa e assim a obra dele foi pulverizada em toda a Belém. Ele mesmo ficou com pouca coisa. Até hoje eu encontro senhores que estudaram violão com ele que me dizem: ah você é o Salomão? Eu tenho uma partitura do Tó, aqui. Por isso esta pesquisa demorou tanto. Fui arrecadando estas obras, até de gente que já morreu como o Paolo Ricci. 

Holofote Virtual: Paolo Ricci morreu em 2011. Ele era advogado, artista plástico e violonista, não era isso? 

Salomão Habib: Sim, ele foi um dos alunos e se tornou amigo de Tó Teixeira. Mas também encontrei coisas com o Seu João, morador da Av. Dalva, na Marambaia, e com outras pessoas comuns que estudaram violão, mas não seguiram a carreira musical. Eu fui pegando coisas aqui e ali, mas a primeira partitura foi mesmo aquela sobrevivente do incêndio. Ela literalmente caiu em minhas mãos por uma obra do acaso. Foi a primeira vez que li o nome: Tó Teixeira. 

Holofote Virtual: Onde ele morava, e como ele sobrevivia além das aulas de violão? 

Salomão Habib: Ele nasceu no dia 13 de junho de 1893, no bairro do Umarizal. Era filho de Antonio Teixeira do Nascimento Costa, que era ferreiro e regente de uma banda de pau e corda. Tó exerceu o ofício de encadernador de livros, era conhecido como ressuscitador de livros. Era amigo-irmão de Bruno de Menezes. 

Os dois trabalhavam juntos numa portinha que tinha ali na 13 de Maio. Era ali a oficina de encadernação, onde ele aproveitava e estudava nos livros que davam pra restaurar. Ele e Bruno estudavam juntos estes livros. Por isso, o trabalho demorava, ás vezes, até 20 dias pra ser entregue (risos). Tanto ele quanto Bruno de Menezes falavam e escreviam muito bem. 

Holofote Virtual: Como foi o contato de Tó Teixeira com a música?  

Salomão Habib: O pai dele era flautista e ensinou ele a ler e escrever música, e a tocar um pouquinho, mas quem realmente ensinou a ele as técnicas de violão foi o Raimundo Trindade, violonista vizinho dele, e posteriormente o Aluísio Santos, que também outro grande violonista de Belém, também negro, como Tó e vários outros compositores violonistas paraenses, como Pedro Mata Fome, Ataulfo Miron, Raimundo Canela. 

Era no bairro do Umarizal que tudo acontecia. Na Cidade Velha, ficavam os Teatros de Revista. Na Estrada de Nazaré, as rocinhas e as casas de campo. Já os negros, moravam no bairro do Umarizal. Eram lá as melhores baladas de Belém. 

Holofote Virtual: Podemos dizer que o to Teixeira foi um dos precursores do Choro em Belém? 

Salomão Habib: Sim. Ele foi precursor do Choro e do Batuque Negro, como Bambiá e Carimbó. Ele tinha um grupo chamado “Carimbó dos Pretinhos de Moçambique”, um bloco que tocava curimbó de barrica, era tipo como se fosse o Arraial do Pavulagem daquela época. O bloco saia tocando pelo bairro. 

Holofote Virtual: Há músicas que ouvimos por aí, sem saber que são do Tó Teixeira? 

Salomão Habib: Não, a obra dele é muita oculta, desconhecida, por isso este trabalho é muito importante. A partir disso, sim, ele vai ser bem conhecido por jovens músicos, violonistas, estudantes e pesquisadores, pessoas que fazem arte aqui em Belém. 

Holofote Virtual: Como está organizado todo este conteúdo. Você mesmo gravou as músicas? 

Salomão Habib: Eu gravei e sou eu interpretando a obra dele, revisada, corrigida. Algumas obras que tinham sido perdidas e eu recompus, mas 98% é obra completa dele. Isso está nos CDs. Há um livro histórico de quase 300 páginas, onde eu conto um pouco da historia musical violonista paraense, dos teatros de revista, e falo, claro, do Tó Teixeira. O outro livro é o de partituras comentadas. Então, o violonista que pegar a peça pra ler vai ter meu comentário ali, dando uma indicação técnica de como interpretar a obra.

Os produtos vão estar à venda, em um kit, nos poucos pontos de distribuição que temos aqui. Isso são os livros e os CDs. O documentário será exibido no Olympia, já tenho o convite do Marco Antonio Moreira, que coordena a programação do cinema. Com uma hora de duração, o filme traz depoimentos de ex-alunos, poetas e amigos do velho Tó. 

Holofote Virtual: Nossa é um filho e tanto que você está parindo. Depois disso, o que vem aí pela frente do compositor, artista Salomão Habib? 

Salomão Habib: Ah, tem muita coisa aí. Compus uma série de oito suítes com cinco movimentos cada. São músicas ao todo, uma série de prelúdios para Belo Monte. E estou também compondo uma opera com João de Jesus Paes Loureiro, sobre uma obra densíssima e ainda estou compondo uma outra peça para violão solo, mas to me envolvendo mesmo é com a ópera. É obra pra orquestra sinfônica, não é fácil e está sendo uma nova experiência para mim.

Um comentário:

Juista Kzam disse...

Salomão...que riqueza que vc está trazendo para nós.Deus te abençoe e te guarde sempre e que vc possa despontar com a sua "Tese" do Tó e com seu trabalho autoral.Felicidades e BJÃO.