21.4.21

Quando arte cênica e afeto se tornam audiovisuais

Nanan Falcão em cena
Fotos: Victoria Sampaio

O experimento cênico audiovisual ama Zona de nós revela as relações de afeto no Casarão do Boneco. A fotógrafa Victoria Sampaio, o ator Lucas Alberto e o músico Cincinato Marques Jr. falam sobre o processo de criação audiovisual para o projeto que recebeu apoio da lei Aldir Blanc, via edital de teatro da Secult-Pa.

Hoje são inúmeras as possibilidades de se contar uma história ou simplesmente experimentar no audiovisual. Em tempos de pandemia, até a dramaturgia passou a dialogar com a dos planos de filmagem. Os desafios, porém, são muitos e não foi diferente para o experimento cênico audiovisual ama Zona de nós do coletivo Casarão do Boneco.

O projeto, em uma situação normal, poderia ter levado, pelo menos, uns seis meses de processo e construção de roteiros, concepção de luz e fotografia, plano de filmagem, para então rodar. No entanto, foi realizado em três meses. O resultado está no canal do coletivo, no Youtube, junto a outro conteúdo do encontro sobre o processo criativo. Vale dar uma conferida. 

As filmagens foram feitas de forma individual, em dias alternados, mas nem tudo teve ensaio técnico para a câmera. Para cada cena, levou-se, em média, seis horas de trabalho que resultaram em sons, trilhas, planos, enquadramentos, cenas com câmera na mão, subjetivas, sonoplastia e por fim, a montagem final, que traduz as emoções impregnadas em cada encenação, fala, narrativa. A direção de fotografia coube a Victoria Sampaio, com assistência de Victor Peixe. Bacharel em Artes Visuais, ela atua como design, fotografia, é DJ e, agora, videomaker. 

“Eu tentei meio que me adaptar a cada ator em cena, de forma que pudesse passar na fotografia o que eles queriam dizer com suas performances. Fui testando coisas, movimentos, planos, luz e sombra”, diz ela, que vem também experimentando no audiovisual, a linguagem do vídeo clipe. “Comecei a fotografar profissionalmente em 2018 e ano passado fiz um clipe com a galera do Hip Hop, com a qual tenho contato, por ser DJ e estar muito presente nessa área”.

Victoria conheceu o Casarão do Boneco, como grupo, o Vertigem, quando este apresentou-se lá com o espetáculo circense Maresia, fruto de bolsa de pesquisa e experimentação do (extinto) IAP.  “Na época eu tocava percussão popular e entrei em cena fazendo trilha sonora e algumas atuações, foi um desafio pra mim, muito bom o processo, mas não quis atuar no teatro, a não ser por trás das câmeras”, conta.

No caso do Casarão do Boneco, ela diz que embora não esteja na cena, foi sensibilizada pela proximidade que já tem com as pessoas, pelo carinho delas pelo que fazem e por essa linguagem audiovisual e cênica, além do cuidado e respeito à poética do outro e o trabalho coletivo. “Neste sentido, essa vivência que eu já tinha me ajudou muito nesse processo do ama Zonas de nós, tanto entender eles melhor, como me entender melhor também”.

O processo de criação para o vídeo teve diversos contratempos e muita coisa precisou ser pensada na hora da gravação. “Tentamos fazer um ensaio geral, com experimentação técnica com cada uma das cenas e atores, depois que eles já tivessem desenvolvido um roteiro, mas não deu para fazer isso com todos, então tivemos que construir muita coisa já no dia da gravação”, conclui. 

Montagem, narrativa e unidade

O documentário tem 43 minutos. Há um clima de magia e afeto, ressaltados por luz, trilha sonora, encenação, fotografia e montagem, esta última, uma tarefa desempenhada por Lucas Alberto, da Cia Sorteio de Contos, que também estava na cena.

“A equipe de filmagem se aventurou em um mar de experiências guiadas pelas inspirações dos intérpretes criadores. A carga recolhida nesta embarcação foi o material para tecer as histórias contadas. Obviamente de conteúdo heterogêneo que no seu inconsciente se interligam”, diz Lucas Alberto que ficou com o desafio de dar unidade final ao material na montagem.

Em relação à montagem, o processo não foi tão difícil quanto até se imaginou inicialmente. Para ele, embora sejam sete cenas distintas, elas possuem uma conexão que se dá pela luz, mas também pela presença de objetos que aparecem em mais de uma cena, e também pelas estruturas ritualísticas, tendo como indutor criativo, os temas do território e ancestralidade em cada cena. Outro ponto de consenso nas cenas é que todas mostram o Casarão do Boneco, que por tanto se torna o protagonista e condutor de sua própria história de afeto.

“A variedade de linguagens é a maior qualidade do Casarão do Boneco, por consequência foi um aprendizado ver cada expressão filmada. Cada cena foi para mim um processo de criação com os outros, sentia como se tentássemos transpor a essência de cada ritual/cena.”, conclui Lucas que se aproximou e atua no coletivo Casarão Boneco com a Cia Sorteio de Contos.

Lucas conheceu o Casarão do Boneco em 2006 e, ao ver Paulo Nascimento e Adriana Cruz, da In Bust, dando uma aula de manipulação de bonecos, ficou encantado. “Nunca tinha visto nada igual e me encantei, tudo que eu via naquela casa eu queria aprender um pouco. Quando eu voltei de Belo Horizonte (MG) fui até lá para uma reunião sobre uma campanha de reforma da casa. Desde então, é impossível contar sobre mim sem falar do Casarão do Boneco”, conclui o ator que já vem experimentando há mais tempo o exercício da montagem no audiovisual.

E assim se fez o som

Cincinato Marques, músico e professor, eterno brincante, atuou no som do documentário, e em todas as suas vertentes, do direto à trilha, e ainda  a sonoplastia, pela qual ele tem se encantado e estudado. "É algo riquíssimo,  um momento parte de composição da película", diz ele que também inclui na trilha duas músicas produzidas por ele, que também fez o som direto. Eu já faço trilhas para documentários, mas desta vez acabei fazendo tudo referente ao som do vídeo.  Foi uma experiência nova pra mim. Já a finalização, fizemos com o Ziza Padilha, do Zarabatana Stúdio”.
 
Para ele, o processo com o ama Zonas de Nós foi rico, envolvendo várias cenas e mais desafios. "A gente teve que pensar no som para cada uma delas. Construí a trilha a partir das conversas que tivemos com cada um dos fazedores, sobre a dramaturgia e a partir daí poder criar. E o que fica é mais uma vez se vem reafirmar esse pensamento de que a gente precisa desse fazer coletivo, com participação e escuta, numa zona de afeto com o casarão e com as pessoas”, conclui Cincinato.

Cincinato está está no coletivo desde 2015, quando fez assistência de produção no projeto “De Bubuia pelo rio Amazonas”. Ele lembra que foram 28 dias de viagem de barco. Partindo de  Santarém, Alter do Chão, Monte Alegre, Prainha, Alenquer, indo até Macapá. “Foi num momento em que na música, o Quaderna teve problemas internos e se desestruturava, então eu acabei abraçando a proposta interessante do Casarão do Boneco, e que tinha ver com o que eu buscava como ideal, que é de partilhar esse fazer arte, esse exercício artístico de criação”.

Para ver

O experimento "ama Zonas de nós - rios de cenas no Casarão do Boneco" e o vídeo do encontro de compartilhamento de experiências, com os artistas casarônicos, estão no Canal YouTube do coletivo. 

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