2.4.21

Território e direitos humanos no cinema amazônico

Fotos: acervo da cineasta
Fazer cinema na Amazônia é desafiador. A atriz e cineasta Célia Maracajá que o diga. Diretora de arte e também preparadora de elenco, com vivência no cinema brasileiro, ela cultiva uma relação profunda com as questões da região amazônica. Prestes a ver mais uma minissérie que realizou estrear na TV Cultura do Pará, ela é uma  das convidadas da live “O Cinema das Amazonas”, que irei mediar neste domingo, 4 de abril, a partir das 19h, pelo canal de Youtube do Festival Internacional de Cinema do Caeté. A conversa conta também com a atriz e pesquisadora Nani Tavares, a artista pesquisadora e escritora, Carol Magno e com a atriz e diretora Rosilene Cordeiro. O 6o Ficca segue até esta segunda, 5 de abril, encerrando com live de lançamento do livro Kynema, de Francisco Weyl. Apoio da Lei Aldir Blanc Pará.

Célia Maracajá tem uma longa e bem definida história de atuação no cinema brasileiro, incluindo aí um leque extenso de produções que trazem à tona questões ligadas à região amazônica. Atuou nas minisséries Diários da Floresta e Palmares Coração Brasileiro Alma Africana, no telefilme A Descoberta da Amazônia Pelos Turcos Encantados. Dirigiu documentários como Aprendendo a Voar e a Arte do Saber, em conjunto com realizadores indígenas. Em cena, atuou ainda nos Teatros Oficina ( José Celso ) e Arena ( Augusto Boal).

Na trajetória também atuou em longas como Feio, Eu?, de Helena Ignez, e em filmes clássicos do cinema brasileiro como O Homem que Virou Suco, de João Batista de Andrade e Ladrões de Cinema, de Fernando Coni Campos; Realizou com Luiz Arnaldo, Aikewara, A Ressurreição de um Povo e o Vento das Palavras, Célia hoje vem ministrando Oficinas de Interpretação Teatral para a juventude do MST. É Coordenadora da Oficina de Audiovisual Indígena, em Belém, professora da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro e atualmente faz parte do elenco do projeto Antígona, dirigido por Milo Rau e desenvolvido em conjunto com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. 

Célia define o cinema como um "território de emoções que percorrem insondáveis e profundos caminhos”.  Para ela, a Amazônia é o lugar onde “as águas desaguam nas lutas de todos os povos desse imenso continente” e onde “ecoam as vozes das culturas e imaginários dos povos indígenas, negros, ibéricos, caboclos”.

Um de seus trabalhos, a série Transamazônica - Utopias na Selva, desenvolvido a partir do edital Prodav-5 da Ancine, será exibida na TV Cultura do Pará entre 21 e 24 de abril, às 23h.  Na entrevista a seguir, Celia traz reflexões acerca do cinema e as histórias contadas a partir do território amazônico. 

Holofote Virtual: Qual é a missão de quem ousa a contar histórias da Amazônia 

Célia Maracajá: Filmar na Amazônia é instigante e inspirador. Na prática você desconstrói as imagens feitas da Amazônia por séculos, como o Inferno Verde e tantas outras igualmente colonizadas. Procuro no ofício de fazer cinema reaprender as histórias dos homens e mulheres simples, comuns, mas possuidores de uma magnitude e sofisticação, tal como um cristal. Visitada por povos antigos frente a uma chamada modernidade  avassaladora, movida pela cobiça, e pelo cinismo carimbados no Deus neoliberal. Amazônia é luz. Intensa. Por vezes breve. É épica. 

Holofote Virtual: Você também realiza oficinas de cinema para indígenas, qual é o propósito?

Célia Maracajá: As Oficinas Indígenas de Audiovisual, que realizamos junto aos povos: Aikewara, Gavião, Xikrin, Kayapó, Wai-wai, Parakanã, Assurini, buscaram introduzir no mundo do cinema, estes parentes, a fim de contarem as suas próprias histórias. Resultando disso foram   07 curta-metragens. Acreditamos na arte de contar histórias. O nosso cinema amazônico-paraense busca revelar os muitos brasis do norte brasileiro. Que estas imagens nos encantem. Revelando o novo. Nascido em tempos imemoriais.

Holofote Virtual: Eu queria também que você apresentasse sua visão e experiência com essa produção cinematográfica voltada à Amazônia, mas que expressasse isso por meio das temáticas e processos de produção de alguns filmes.

Célia Maracajá: Tenho desenvolvido um cinema que ouso chamar de indígena, uma utopia, porque acredito que possamos nos reinventar, nos reencontrarmos, e quem sabe pelas imagens pisarmos as Terras  Sem Males dos Guarani. Um cinema que são representações da memória viva, sempre perguntando: a que se destina as imagens que produzimos.

No filme Aikewara, a Ressurreição de Um Povo, um documentário longa-metragem que realizei junto com Luiz Arnaldo, narramos a saga do povo Suruí-Aikewara, seu silêncio  e seus renascimentos. Na década de 70, o Exército Brasileiro tomou de assalto, e ocupou sua aldeia, no Sul do Pará, e iniciou uma operação de guerra para erradicar os jovens guerrilheiros do Araguaia. Os Aikewaras sofreram uma tremenda violência cultural mas conseguiram superar as marcas dolorosas e recuperaram, na prática, o direito de existir.

Na série Transamazônica- Utopias na Selva, onde fui assistente de direção e coordenei a produção, navegamos no meio de um êxodo, sem precedentes, com milhares de pessoas, vindas de todo país, trazidas em meio a ilusões, sonhando com um pedaço de terra que muitas vezes não existia. Gente que foi largada à própria sorte. Atravessamos também o drama de povos indígenas como os parakanãs, os araras, os apinajés, os tenharins, mundurucus, parintintins para quem a estrada significou  invasão e muitas vezes o desalojo de suas terras, e, sofrem agora com as agressões do garimpo, do tráfico de drogas e das madeireiras e o agronegócio. Neste caminho encontramos resistência: sindicatos dirigidos por mulheres, gente que resistiu e doou sua vida em defesa dos povos da Amazônia. 

Holofote Virtual: Como você lê esse momento do país, em relação a nossa produção audiovisual?

Célia Maracajá: Aqui em Belém estávamos em plena efervescência com o aumento das produções locais, bem como com as discussões quanto a estética, linguagem, produção, exibição, quando fomos golpeados duramente por esse desgoverno genocida que ocupa a presidência do Brasil. Ao extinguir o ministério da cultura e a política cinematográfica , implantada durante os governos Lula e Dilma, o desgoverno busca nos destruir. Necessário re- existirmos, buscarmos encontrar na ausência a nossa emergência .

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