21.9.11

Ricardo Andrade fala de suas inquietações e origens artísticas

Encerra hoje no Espaço Cultural Banco da Amazônia, a exposição “Do Silêncio do Gabinete”, do artista plástico Ricardo Andrade. Os 16 trabalhos, que transitam entre a pintura, o desenho e outras técnicas mistas, fazem parte da mostra que ganhou o Prêmio Banco da Amazônia Arte Visuais em 2011. Em entrevista ao Holofote Virtual, o artista fala de suas influências, de suas origens, das lembranças de seu avô, o folclorista paraense Armando Bordalo da Silva e de suas andanças e experiência pelos anos 1970, que influenciam de maneira direta sua obra hoje e sempre.

Aos 48 anos, Ricardo, que nasceu em Brasília, veio morar em Belém ainda criança, e passou parte de sua vida entre a capital e a cidade de Bragança, com a qual tem fortes laços familiares. Neto de Armando Bordalo da Silva, um dos nomes mais expressivos do folclore paraense, Ricardo diz que se sente um iniciante, que vive experimentando a vida em seus diversos aspectos e ângulos dos quais extrai suas idéias para expressa-las em sua arte.

“Vivi nos anos 70, curti de tudo, mas sobre tudo ouvi muita música e rock’n roll. Vi luta contra a guerra do Vietnan, contra as ditaduras e todos os movimentos maravilhosos que derivaram a partir de então. Mas não acho que isto seja tudo. O que quero colocar com o meu trabalho é a observação que faço de que certas coisas não mudam nunca”, diz o artista.

Muito ligado a sua história familiar, também sobrinho neto de uma educadora que o ensinou artes e principalmente lhe incentivou à pintura, ele acredita que aquilo que mais o motiva a pintar mesmo são as suas inquietações.

“A gente é obrigado a aceitar um sistema velho e falido, um sistema político que sempre (em todos os tempos) foi implantado como forma de imobilizar o sistema social e manter o poder nas mesmas mãos. São os mesmos erros, os mesmos vícios, a mesma ganância. Isso pira a minha cabeça e eu preciso mostrar com o meu trabalho, que existe um parentesco entre os astros e os seres vivos, pelo menos através das formas geométricas”, explica.

Em suas obras, estas inquietações e contestações estão refletidas em formas geométricas, mas também são raízes, na forma de um raio que se propaga, ou num reflexo de raio de sol debaixo d'água. São nervuras, veias.

Ricardo já expões desde 1976, quando venceu o primeiro lugar numa coletiva chamada “Expoarte”, no NPI (Núcleo Pedagógico Integrado) da UFPA, da qual também participavam grandes expressões das artes plásticas paraense, como P.P. Condurú, Simões e Alexandre Sequeira.

Foi só em 2009, que ele realizou a primeira individual, "Árvore Cósmica", no Espaço Cultural Ná Figueredo e no ano passado realizou a segunda, chamada "Relatividade", montada na extinta Taberna São Jorge (Cidade Velha).

Formado em Medicina Veterinária, Ricardo buscou com a exposição "Do Silêncio do Gabinete", chegar a um público mais amplo, dando-lhe um caráter mais profissional e contando com a curadoria do artista visual Neuton Chagas. A seguir um bate papo com o artista que despede hoje, até 19h, do Espaço Cultural do Banco da Amazônia.

Holofote Virtual:  De cara, conta um pouco dessa tua origem e trajetória.

Ricardo Andrade: Por parte de mãe, minha família é de Manaus, e por parte de pai, todos são paraenses com exceção de alguns bisavôs, que eram portugueses e que moraram a maior parte da vida em Bragança e em Belém. Nasci em Brasília, mas vim recém nascido para Belém.

Holofote Virtual: Qual é tua relação com Bragança? Quais tuas heranças familiares ligadas à Pérola do Caeté?

Ricardo Andrade: Tive por parte de pai, um avô chamado Armando Bordallo da Silva e que casou com uma moça chamada Marilda que era uma das 08 filhas do casal Benedito Hatayde Cardoso (bisavô) e Rosa Medeiros. Armando Bordallo da Silva, caboclo de Bragança, era médico ginecologista e foi professor de antropologia por 25 anos na UFPA. Membro da Academia Paraense de Letras, ele foi durante muito tempo diretor do Museu Emílio Goeldi, pesquisador e responsável pela vinda do CNPQ aqui pra Belém.

Holofote Virtual: Armando Bordallo da Silva foi seu avô? Ele foi um dos nomes mais expressivos dos folclores paraense. Produziu ensaios, cartas e livros que deixaram um grande legado a todos nós. Conta esta história.

Ricardo Andrade: É. A paixão dele era o folclore brasileiro e em especial o folclore paraense e mais ainda em especial o folclore bragantino. Era filho de uma portuguesa chamada Maria do Céu (bisavó Cotinha) e de um caboclo de Bragança chamado Manoel que vieram para Bragança via Maranhão. Manoel era comerciante, dono de lojas de tecido em Bragança. Teve três filhos, o Armando, meu avô, e ainda o Bolívar e a Almira Bordallo.

O Bolívar era formado em Direito e, como professor de história e diretor do colégio Paes de Carvalho, escreveu alguns livros de história do Pará. Enquanto isso, meu avô escrevia alguns livros de poesia, antropologia e mais especificamente sobre folclore, focou bastante a Marujada bragantina.

Minha tia avó Almira, que considero minha segunda mãe, era dona de um colégio muito especial na época, o Colégio Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que adotava métodos pedagógicos avançados (Montessorianos). Ela era muito talentosa ao piano e pintura e foi quem me alfabetizou e me incentivou à leitura, à música e claro à pintura e ao desenho.

Holofote Virtual: Então a arte vem em ti desde criança. Como foi que você começou a pintar?

Ricardo Andrade: Senti esta necessidade desde muito pequeno, queria me expressar através de meus desenhos e pinturas e acredito que, devido à época em que vivi minha adolescência e juventude (anos 70), me tornei um tanto quanto intenso em tudo que fazia, e porque não dizer exagerado.

Holofote Virtual: O que você quer dizer com isso, tem a ver com posicionamento políticos refletidos na tua obra?

Ricardo Andrade: Tem sim. O fato é que por volta de 1974 (quando eu tinha 12), com a efervescência cultural forte no país, eu tive contato com cinema, música, artes plásticas, cênicas e existia um mote comum na época que era a necessidade de mudança em quase todos os aspectos sociais.

Talvez daí venha o cunho político que costumo imprimir em meus trabalhos. Por acreditar que apesar de se ter conseguido muitas vitórias, não há como negar que a humanidade caminha a passos de formiga e acredito que isto se dá devido a ininterrupta perseguição que sofre a educação e a cultura no mundo. Para reverter isso precisamos provocar profundas mudanças no pensamento humano.

Holofote Virtual: Quais as tuas principais influências?

Ricardo Andrade: Como já falei, os anos 70 fundiram muita coisa, então não houve como escapar das influências maravilhosas da genialidade brasileira de Portinary a Oiticica, de Boulemarx a Joarez Machado, de Valdir Saruby a PP Condurú. Tudo isso para mim foi e é influencia. A Bossa Nova, Jazz, New Age, Reggae, Funk. Enfim, taí Gilberto Gil que não me deixa mentir. Então procuro expressar nos meus trabalhos aquela coisa progressiva que relaciona as energias vitais e invisíveis e que harmonizam a vida do planeta.

Nisso já tem também elementos de astrologia que estudei durante um bocado de tempo,como também procuro evidenciar a relação entre a visão (sobre todas as coisas) de índio e de minhas origens mais remotas, com a visão mais clássica (música clássica, H. Vila Lobos, Egberto Gismont) de brasilidade.

Holofote Virtual: Você vê a arte como algo revolucionário. Isso está no teu trabalho?

Ricardo Andrade: Acho que alguns artistas e estudiosos (cientistas) de todas as épocas sempre fizeram tentativas no sentido de tentar mudar o pensamento "convencionado", sempre tentaram forçar uma reflexão contestatória, mas acredito que isto se intensificou no pós-guerra com as gerações de escritores Beatniks, com os movimentos contestatórios (Dylan) e com as correntes filosóficas antigas que até os dias atuais pregam a paz e o amo.

Foi nesse contexto que surgiu o pensamento "progressivo", o Rock progressivo e o pensamento anárquico e irônico do Rock "Metálico", duas vertentes do Rock que muito influenciam meu trabalho.

(contato com o artista, envie e-mail para rldeandrade@hotmail.com)

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