5.8.16

Natureza e alma na obra de Francelino Mesquita

Crescentia Cujet traz obras feitas com cuieira, ou cabaceira, as famosas “cuias”. Fruto de investigação de materiais da natureza, o trabalho do artista também é preenchido por uma espiritualidade que o acompanha em sua trajetória. Com 26 exposições no currículo e mais de 15 anos de carreira, o artista é dotado de profundo senso simbólico em suas representações. A terceira mostra do artista na Galeria Theodoro Braga fica aberta ao público até dia 31 de agosto, e é um dos projetos contemplados no edital Pauta Livre 2016, do programa Seiva da FCP.

“A minha exposição é uma invenção do novo com uma tradição, ou estilo artístico de uma representação do artesanato (ortifato) da nossa região, em obra de arte contemporânea, no meu campo escultórico no vazio, onde os desenhos geométricos tridimensionais interpretarão o passado com o presente, explorando a iconografia marajoara e tapajônica em formas abstratas”, explica o artista.  

Crescentia Cujete

Por Renato Torres
músico, poeta e arte educador

“Nossas representações criativas do passado são moldadas não pelo que sabemos ser verdade sobre o passado, mas pelo que acreditamos ser verdade sobre o presente.” (Henrietta Moore, The problems of origins. Poststructuralism and beyond. 1995, p.51)

Com uma trajetória peculiar voltada a materiais imbuídos de um forte caráter cultural da região norte do Brasil, Francelino Mesquita é um artista visual dotado de profundo senso simbólico em suas representações. Em 2008 apresentou nesta galeria a mostra Mauritia Flexuosa, um misto de escultura/desenho/instalação/móbile, utilizando a tala do miriti; em 2014, retorna com Estereoscopia, novamente cruzando os mesmos vértices ao utilizar a bucha do miriti, explorando sua leveza e movimento. 

Desta feita, o artista empreende sua pesquisa formal do campo escultórico no vazio com base no fruto da cuieira, ou cabaceira, cujo nome científico, Crescentia Cujete, dá nome à exposição.
O termo tupi Kuya e’tê (cuia verdadeira), raiz etimológica da palavra cuia, aponta sinais dessa busca estética do artista, que procura relacionar reflexivamente arte e artefato, função prática e poética do objeto.

Grafismo e ancestralidade

As cuias de Mesquita podem não servir para o mingau ou o tacacá, tampouco para a ressonância vibrante de berimbaus, mas em seus recortes precisos, sinuosos, geométricos ou biomórficos, evocam identidades imemoriais ligadas à ancestralidade indígena, aos grafismos marajoaras e tapajônicos, reordenando suas cabaças inventadas na árvore-galeria, cujo fruto direto são as sombras projetadas na parede; um fruto-em-movimento, cinemático e metamórfico. 

Se a arte é um fato em constante devir, cuja espacialidade é plena de vazios a serem preenchidos pelo olhar que observa, dialoga e frui, os cuités de Francelino possivelmente tangem essa verdade profunda que a existência humana corrobora, nas palavras do compositor Maurício Pereira: sou recipiente e não tenho forma/ porque sou areia do fundo do mar.

Crescentia Cujete revela ainda uma espiritualidade insuspeita na trajetória do artista, em sua investigação de materiais da natureza. Sua preocupação em esculpir a ausência é flagrante, assim como a reiterada afirmação da leveza e do movimento, e o privilégio dado ao conteúdo residual das sombras projetadas – o que nos leva invariavelmente a pensar na Caverna de Platão. 

Suas obras de arte (como, aliás, devem ser todas as que são dignas desse nome) traduzem uma realidade mais profunda do que a mera materialidade de seus suportes consubstanciados; se empenham numa narrativa silenciosa e contundente sobre identidade e patrimônio cultural sem, contudo, limitarem-se a historicidade e à reprodução. Para além, buscam a liberdade da invenção, ou a verdade do que acreditamos ser o presente, no dizer de Moore. As cabaças de Francelino são, cada uma, a sua cuia verdadeira.

Serviço
Exposição “Crescentia Cujete”. Galeria Theodoro Braga. Av. Gentil Bittencourt, 650 – Subsolo da Sede da Fundação Cultural do Pará. Abertura: Dia 4 (quinta-feira) às 19h. Visitação até o dia 31 de agosto – 9h às 18h, de segunda à sexta. Informações: 3202-4313.

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