18.7.10

Do cinema no tucupi à história do cinema paulista

Pedro Veriano e Máximo Barros, encontro histórico
No melhor estilo nunca te vi, sempre te amei, dois grandes pesquisadores do cinema brasileiro se encontraram, pela primeira, em Belém do Pará. Um é a memória viva do cinema pioneiro paraense, o outro, do cinema paulista dos anos 50. Em seguida, a entrevista com Máximo Barros, que esteve em Belém para participar de um festival de cinema de animação, o Bacuri.

Pesquisador, professor de cinema, montador, escritor, Máximo Barro é um notável contador de histórias, uma das figuras mais queridas do cinema paulista, graças a seu trabalho de muitos anos na Escola de Cinema da FAAP. Ao longo de sua carreira, montou mais de 50 longas, entre eles, filmes de alguns dos mais importantes cineastas paulistas: Ozualdo Candeias (A margem, O vigilante), José Mojica Marins (Meu destino em suas mãos), Walter Hugo Khouri (A Ilha), Rubem Biáfora (O quarto), além de alguns filmes de Mazzaropi, fitas religiosas e pornochanchadas.

Ele também já escreveu vários livros, entre eles, “Caminhos e Descaminhos do Cinema Brasileiro – a década de 50”, além de grandes contribuições à Coleção Aplauso, com as biografias dos cineastas José Carlos Burle, Agostinho Martins Pereira, o compositor Rogério Duprat, o ator Sérgio Hingst e a edição do roteiro de O caçador de Diamantes, de Vittoirio Capellaro. 

Pedro Veriano, leitor voraz do assunto, criou uma biblioteca própria tanto para avaliar os filmes que assistia, como também para aprender a realizar seus próprios filmes. Fez curtas metragens nos anos 50: “A Visita”, “Um Professor em Apuros”, “O Deus de Ouro”, “O Desastre”, “O Acidente”, etc. Entre as décadas de 60 e 90 fez também: “Curió” (documentário feito sob encomenda para o USIS), “O Vendedor de Pirulitos”, “Brinquedo Perdido”, “A Jaula” etc. 

No final da década de 1960, fundou o Cine-Clube da APCC – Associação Paraense de Críticos Cinematográficos, da qual até hoje faz parte. É pesquisador e memória viva da história do cinema em Belém, no âmbito da exibição e da produção de filmes.

Já lançou “A Crítica de Cinema em Belém” (Falangola/SECDET/1983), “Cinema no Tucupi” (SECULT/1998) e “Fazendo Fitas” (Editora UFPA), dizendo-o ser o último de sua contribuição para contar a história do cinema paraense. 

Pedro Veriano, 74, e Máximo Barro, 80, há cerca de seis anos vem se comunicando através de e-mails e telefonemas, realizando constantes trocas de livros e discutindo muito sobre o assunto que os une, o cinema. “Temos muito em comum. O Pedro Veriano tem toda uma bibliografia de cinema voltada para os inícios do cinema. A chegada dos primeiros filmes aqui no Pará, dos pioneiros do cinema paraense. Ele tem uma grande vivência, neste aspecto. Eu o conheço de obra e por telefone. A distância fez com tivéssemos uma convivência assim, e sempre trocamos livros”, disse Máximo em entrevista ao Holofote Virtual. 

E foi então que ele me contou que tinha muito interesse em ver Pedro pessoalmente, além de todos que possam estar, hoje, fazendo pesquisa neste campo das primeiras coisas no cinema, que também é o foco dele. “Gostaria muito em ter contato com estes grupos e manter estes contatos”, reforçou. 

Achei que seria fantástico promover este encontro e resolvi então arquitetar a situação. Era uma terça-feira, 06 de julho, quase 17h, quando o telefone tocou na casa de Pedro Veriano. Foi ele mesmo quem atendeu. Falei no Máximo pra ele, que imediatamente lembrou-se do amigo “virtual”. Expliquei que ele estava de passagem por Belém para ministrar oficinas de animação no festival "Bacuri - I Mostra de Cinema Infantil", que encerrou no sábado, 17, em Barcarena, para a qual eu fiz a assessoria de imprensa. 

Encontro histórico marcado e registrado em vídeo

Pedro, entusiasmado, me propôs recebê-lo no dia seguinte em sua casa. Fechado. Na tarde de quarta-feira, 07 de julho, finalmente os dois conversaram por mais de uma hora seguida, sem parar, sobre cinema e, desta vez, sem a ajuda das novas tecnologias. E eu pude acompanhar tudo, e melhor que isso, com uma câmera ligada. 

Não sou exímia fotógrafa, mas dei meu jeito, com uma câmera simples. Foram, na verdade, quase duas horas de um papo que percorreu vários momentos da história do cinema. Máximo, com interesse e curiosidade aguçada de um historiador, quis saber sobre Líbero Luxardo e a forma que ele filmava. Pedro Veriano, relatou várias situações de filmagens, a fase política de Luxardo, além de sua convivência com o cineasta paulista, autor de longas como "Um dia Qualquer", "Marajó Barreira do Mar" e "Brutos Inocentes". 

O professor da FAAP quis saber de "Um Diamante e Cinco Balas", um longa de Luxardo dado como desaparecido. Pedro fez uma revelação. "Sei com quem ele está ou pelo menos esta pessoa disse ter uma cópia", mas não revelou o nome dessa pessoa e isso não pôde ser, até o momento, comprovado. Infelizmente, Pedro não tem mais o número de telefone lhe dado como contato para que fosse ver a película. Máximo Barro instigou Pedro e o incentivou a não parar de colocar no papel ou nas páginas de seu blog, tudo que lhe vier à memória sobre os fatos cinematográficos paraenses. 

“Você não deve parar de escrever. Se nós não fizermos isso, as próximas gerações não saberão aquilo que nós sabemos, muito por termos vivido. Não deixe de escrever”, insistiu Máximo, encerrando assim um encontro histórico. O registro foi feito. Fiz duas cópias do material captado. Uma delas deixei no acervo do Museu da Imagem e do Som do Pará. A outra, o professor Máximo levou consigo para o acervo da FAAP, em São Paulo.

A seguir a entrevista realizada com Máximo Barros durante sua estadia em Belém, na semana de 06 a 10 de julho, período em que ele e o professor Eliseu Lopes Filho, também da FAAP, ministraram as oficinas de animação para um público de 02 a 12 anos.

Holofote Virtual: Você é montador de cinema em película. Como surge teu envolvimento com a animação de hoje?

Máximo Barro: Sempre me interessei por animação, mas não sou animador. Nunca tive oportunidade de montar um longa de animação. Mas sempre estive muito unido a esta área, pois é um dos departamentos mais interessantes do cinema, por causa da liberdade que o animador tem em relação ao filme. Já disseram que o único homem que faz obra dentro do cinema é o animador porque ele é o dono de cabo a rabo do filme. Não tem o ator, não tem o fotógrafo, não tem ninguém no meio...

Holofote Virtual: E como é esta experiência de trabalhar com pessoas de idade tão pequena assim?

Máximo Barro: Vinha trabalhando animação na FAAP, sempre com pessoas de maior idade. Agora também trabalho com crianças e isso é uma novidade, pois você percebe a quem a animação deveria ser verdadeiramente dirigida. A gente tem que ter muito cuidado, pois estamos formando uma geração para assistir cinema.

Formando a criança, para que ela tenha no cinema um de seus caminhos, estamos fazendo com que esta pessoa, aos 80, ainda participe da área cinematográfica. É o que devíamos pensar seriamente aqui no Brasil.

Quando cultuamos um grupo de criança de 02 anos até 12, isso é muito interessante porque está se formando um grupo de uma idade pequena interessado naquilo que deva ser o cinema. Pode ser que estas crianças nem venham a fazer cinema ou animação, mas serão sempre participantes como espectadores do mistério cinematográfico.

Holofote Virtual: Você tem livros lançados, alguns deles são biografias de pessoas ligadas à área do cinema...

Máximo Barro: Fiz uma biografia do músico Rogério Duprat, mas é um trabalho que aborda a música que ele escreveu para o cinema, até por que o Rogério já tem uma outra biografia, abordando seus discos e outras coisas, como de quando ele fazia orquestrações para a Bossa Nova, ele era uma pessoa muito influente naquele meio.

Então já há um livro muito bom neste aspecto, por isso eu me prendi às trilhas de cinema que ele fez e sobre o interesse que ele sempre teve, desde criança, pela obra cinematográfica. Trabalhamos em muitos filmes, convivi bastante com ele, que me falava com freqüência sobre estas coisas.

Holofote Virtual: O cinema está muito diferente daquele que você chegou a viver?

Máximo Barro: Montei 51 longas metragens. No ano passado montei dois filmes para um produtor da Bahia, um de ficção e outro documentário, ambos longas. Então pela primeira vez eu não trabalhei com a moviola (foto), eu trabalhei com material magnético e não foi uma experiência agradável para mim. A máquina atual tira muito da potencialidade do montador. Na moviola você é dono, domina tudo. Mas é claro que é interessante. Você não perde tempo abrindo as latas, ou em procurar tal tomada que você vai encaixar. É só apertar um botão e você já tem a tomada colada até, no sentido moderno da palavra, no lugar em que você quer. Sob este aspecto, isso é muito interessante.

Fiquei tão contate quando vi duas moviolas lá no Museu da Imagem e do Som do Pará. Aliás, o Museu da Imagem e do Som do Pará possui coisas preciosas. Como os cines jornais, que são de importância histórica (referindo-se aos cines jornais do Milton Mendonça). Lembrei que antes os cinejornais nacionais eram vaiados quando passavam no cinema. Mas quando a gente olha de novo para eles, vemos inaugurações de lojas, que hoje viraram grandes indústrias, temos a noção de que os cines jornais fixaram um momento histórico.

Não é igual a um jornal onde você tem uma fotografia estática, não é um relato, não é uma entrevista radiofônica, onde ficou a voz. Nos cine-jornais, as notícias eram mostradas dinamicamente, com som, imagem e movimento.

Holofote Virtual: Como você vê a história da produção de cinema no Brasil?

Máximo Barro: O cinema brasileiro não trabalha com curvas ascendentes e descendentes, mas sim em círculos que sobem e descem. Houve épocas em que fazíamos entre 120 a 140 filmes por ano. Só a Boca do Lixo (foto) fazia de 80 a 90 filmes, embora continue sendo odiada por gerações que nem sabem exatamente que espécie de filmes fez a Boca do Lixo.

A produção era intensa. O aluno saía da FAAP e no dia seguinte estava empregado fazendo longa, diferente de hoje que ele pode até estar empregado no dia seguinte, mas fazendo um comercial.

Hoje a propaganda é o caminho para você fazer um longa. Naquele tempo você fazia o longa e, depois, o comercial, para não sair do cinema... Você estava fazendo um comercial, mas no momento que surgisse um longa, pedia-se demissão.

A maioria das produções, agora, é digital, a tecnologia ajuda a baratear o cinema, pois não trabalha com negativos e laboratórios, que encarecem enormemente o orçamento de um filme. Mas o que vejo se fazer intensamente hoje, é o documentário, coisa que na minha época, eu posso garantir a você, como historiador, que na década de 50, fazia-se, no máximo, um documentário por ano.

Pelo que acompanho, são produzidos atualmente, no mínimo, um documentário e meio por semana. Então é um gênero que tinha ficado perdido lá nos cafundós e que agora assumiu uma importância extraordinária.

Holofote Virtual: Qual é o momento histórico atual do cinema nacional?

Máximo Barro: Pela primeira vez está se permitindo ao cineasta fazer aquilo o que ele gostaria de fazer e não o que é obrigado. Sempre trabalhamos em ciclos...

Tivemos a Chanchada, os estúdios Vera Cruz e o cinema industrializado paulista, o cinema independente e o cinema novo... a Embrafilme.

Na Era Collor, caímos numa depressão quilômetros abaixo de zero. A renovação, no final dos anos 90, veio através de alguém que estava fazendo um filme diferente, um filme histórico. E no Brasil, raramente se fez isso. Foi a Carla Camurati, com seu “Carlota Joaquina”, que mostrou esta nova faceta que poderia ser bastante usada no cinema brasileiro.

Por isso, as pessoas, quando dizem: vou fazer isso porque deu certo para 15 filmes iguais, está fazendo isso porque acha que é aquilo que vai dar certo. Ele vai se arriscar em alguma coisa que está na índole dele. Isso me agrada bastante.

Holofote Virtual: Ainda é um ato heróico fazer cinema? Com se manter nele, diante das dificuldades?

Máximo Barro: Ainda é um ato heróico. Fazer cinema é uma aventura, mas uma aventura extremante graciosa. Quando eu me despedi de um grupo de alunos da FAAP que estava se formando, falei de tantas dificuldades em se fazer cinema. Mas falei que eu tinha atravessado todas as crises do cinema brasileiro e assim mesmo continuava no cinema. Então que eles realizassem coisas que lhes dessem um retorno espiritual. Assim, despedi-me deles dizendo até amanhã, como se fossemos nos encontrar, agora não mais como professor e aluno, mas como profissionais, no mercado, nessa coisa gostosa que se chama fazer cinema.

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