Zélia Amador (Foto: divulgação) |
A primeira vez em que lembra de ter sofrido racismo, a professora emérita da Universidade Federal do Pará, Zélia Amador, tinha pouco mais de nove anos. Filha de uma empregada doméstica vinda da ilha do Marajó, no Pará, Zélia fazia os primeiros anos numa escola administrada por freiras. As notas chamavam a atenção. Não menos que a cor de sua pele, descobriria depois. A escola ia fazer um espetáculo de dança, baseada em religiões umbandistas.
A freira-professora perguntou quem gostaria de participar. Zélia levantou o braço. A irmã optou por uma menina branca. “Ela tinha uma cara de cavalo”, lembra Zélia. Para justificar, a professora explicou que naquelas atividades sempre eram escolhidas meninas mais ‘ajeitadinhas’. “E eu não me achava desajeitada, pelo contrário”, lembra Zélia Amador.
Muita água passou por baixo da ponte desde esse primeiro despertar para o preconceito vivido por essa mulher paraense preta. Zélia se tornou militante estudantil, ingressou em siglas clandestinas esquerdistas que combateram a ditadura, revolucionou o teatro paraense, à frente do grupo Cena Aberta, foi uma das fundadoras do Centro de Estudo e Defesa do Negro no Pará, lutou pela implantação das cotas raciais na UFPA. É considerada atualmente um dos principais e históricos nomes do movimento negro não só na Amazônia, mas no Brasil. E toda essa história está se tornando filme.
Reprodução/Internet |
A atriz tem experiência, mas estava afastada dos palcos e das câmeras há cerca de dez anos. Iniciou a carreira nas artes cênicas em 2005 quando ingressou na Cia Atores Contemporâneos dirigida por Miguel Santa Brígida. Atuou e modelou em campanhas publicitárias. Atuou no cinema, ganhou prêmio de melhor atriz no curta “Luz” (2010). ‘Amador, Zélia’ foi um reencontro com a arte da interpretação.
“Costuma-se chamar de ‘prêmio’ ou de ‘presente’ quando a gente recebe um trabalho para dar vida a um personagem. E depois de 10 anos longe dos palcos e dos sets de filmagem ser convidada para viver Zélia Amador de Deus no cinema é uma honra. Pois Zélia é muito querida e admirada por mim, por artistas, por ativistas, pela intelectualidade, pela sociedade como um todo”, avalia Carol Pabiq. Logo, no entanto, ela sentiu o ‘peso’ da missão.
Carol Pabiq e Josiel Paz Foto: divulgação |
Outro diferencial no curta é o uso de ilustrações animadas para contar outras passagens da vida de Zélia, assim como representar algumas emoções relacionadas à personagem. A tarefa coube a Josiel Paz, jovem ilustrador ‘queer’, que aos 21 anos, descobriu na arte um “alivio às dores que o racismo e as inúmeras fobias sofridas lhe causavam”.
“Estar nesse projeto, falando de Zélia especificamente, é entusiasmante e desafiador. Ela foi uma das primeiras professoras que tive na universidade, a primeira preta. E vê-la naquela posição me deu mais coragem para não desistir. Zélia não é qualquer professora. Ensinou a turma, apenas provocando debates, discussões, tirando máscaras que tapavam o racismo e a intolerância pré-existente advinda da nossa criação”.
Josiel é um mix. É artesão, ilustrador, drag queen e, em paralelo, poeta, maquiador, estilista, dançarino. Mas acima de tudo, destaca, uma pessoa preta. Por isso o sentimento de estar em trabalho ligado à Zélia Amador, é ainda mais especial.“Falar da vida dela, através da minha linguagem, da minha maneira, da minha arte, é não permitir erros, pela tão explícita história de luta dessa mulher. É falar também de mim, como pessoa preta em um espaço seu, mas tomado por gente que não a quer lá. Mas, ainda assim, está. Insiste e resiste. E sinto um imenso orgulho em saber que estou lá também por ela”.
Levantamento histórico para compor o roteiro
Zélia, em cerimônia na UFPA Foto: Alexandre Moraes |
“É um trabalho feito com muito carinho”, resume a produtora executiva do projeto, Aline Paes. Isso se reflete, inclusive nos procedimentos de segurança à saúde no processo de filmagem. Os depoimentos colhidos com Zélia foram cercados de todos os cuidados. A equipe manteve distanciamento, usou luvas, máscaras e pantufas. Antes de adentrar o apartamento da professora, todos foram submetidos a um verdadeiro banho de álcool em spray. “Nem microfone lapela usamos para não precisarmos tocar nela”, lembra Melo.
As filmagens foram encerradas nesta primeira quinzena de março. Já em fase de edição, a previsão é que entre meados de abril e início de maio, Amador, Zélia já esteja disponível para exibição. A primeira janela prevista é a TV Cultura do Pará, mas a intenção da equipe é que o filme percorra festivais de curtas e seja incorporado a canais pagos e plataformas de streaming o mais breve possível.
(Holofote Virtual com assessoria de imprensa do projeto)
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