6.3.21

Homenagem ao vocalista da "Insolência Públika"

Régis e Yã (Foto: Dirceu Maués)

Ainda sob o impacto da notícia publico texto de homenagem escrito por um amigo em comum, jornalista que nos anos 1980 e 1990 acompanhou a cena do rock na região metropolitana de Belém, incluindo aí, Icoaraci, onde o rock tinha cena efervescente e peculiar, lugar onde nasceu a primeira banda de punk rock de Belém, a Insolência Públika, da qual Regis, que partiu neste sábado, 06, era o vocalista. Agradeço e abraço Cláudia Águila, que me enviou essas fotos. Aqui, Regis carrega Yã, filho deles. Descanse em paz, meu amigo, Beirute (não) está morta!  

Regis, sagaz insolência!

Por Ismael Machado - Bill

Márcio Cruz me dá a informação. Regis, o eterno insolente público, morreu. Reação de espanto. Confirmar a notícia. E então, um ímpeto súbito de ouvir The Clash. E é isso que faço. Porque o Insolência Pública (depois viria o K) era o nosso The Clash, na Icoaraci perdida dos anos 80. Onde o rock tinha seguidores apaixonados. 

Regi era da Cohab. Ali, com uma turma misturada de início, havia gente que amava rock. O Beto, o Ânderson, o Dudu, o Nonato...a Cohab podia até ser uma zona suja como gritavam Beto e Regis, mas era um setor divertido, com ruas semiescuras, mato aqui, mato acolá e pouco asfalto. 

Quem viu o Insolência e depois quem assistiu as poucas apresentações do ‘O Crack’ lembra: Regi era foda no palco. Aquele visual de punk inglês, aquela acidez no sorriso e na fala, o corpo magro que entendia bem o recado dado por Joe Strummer. 

Fiz uma entrevista com eles a um fanzine que eu editava nos oitenta, a Vevecos, Panelas e Canelas. O vocalista ainda era o Antônio Carlos, o punk cabeludo. As respostas mais ágeis e sagazes eram do Regi. Nesse dia, me explicou a origem do baixo de Beirute, um baixo sinuoso. Falaram de política e anarquia. 

Anos depois, encontro Regis na UFPA e ele estava num escritório júnior, aquelas incubadoras de empresas na universidade. Falou do cheiro e do som da grana que ecoava na Avenida Paulista, uma conversa meio estranha sobre capital, dinheiro, investimento. Fiquei indeciso se gostei ou não daquele papo. Mas entendi o momento dele. E depois, já no período de feitura do livro Decibéis sob Mangueiras, ficamos quase um dia inteiro de entrevistas, entre risadas e lembranças do período, sob o olhar cúmplice da Cláudia, que de quando em quando aparecia na varanda para ouvir um pouco o relato do Regi.

É meio complicado explicar a magia que havia em Icoaraci, nos anos 60, 70, 80 e até 90. Não é à toa que Gil disse ter composto ali a música Refazenda. O estar perto e longe da capital ao mesmo tempo. O modo de ser bucólica e inquieta no mesmo espaço. Uso a palavra magia por falta de outra melhor.

Regi, de certa forma, era um representante disso. Dos que olhavam sem complacência para aquele lugar, mas que ao ter essa ira indomada, acabavam por fazer movimentos que ajudavam ao distrito ganhar uma característica peculiar. São reflexões.

Esses dias vi uma foto de um personagem desses tempos, que estava do outro lado do muro. Era da turma da MPB, mas transitava bem com todos. O Naldo. Está no interior do Rio de Janeiro, cultivando uma bela barba branca. Sinal dos tempos. Assim como vejo as fotos atuais de Beto e consigo visualizar o cara que me vendeu anos e anos atrás os discos Performance Pop e Who’s Next, do The Who, sob a singela afirmação que aquilo já não lhe dizia muita coisa. Punk total. 

E então, nesses tempos tão nefastos, onde a morte não é sentida, onde a falta de humanidade é o motor principal de quem ocupa a presidência da República- e espero que seja por um tempo mais breve possível- há a morte de Regi. E isso me soa estranho, porque sequer parece plausível, pois quando passamos décadas sem falar com alguém ou mesmo encontrar esse alguém, a imagem parece sempre congelada num tempo/espaço específico.

E Regis me traz essa imagem. Um jovem punk que sacudiu um pequeno distrito de Belém e influenciou uma geração de roqueiros dessa cidade. E agora toca London Calling: “A era do gelo está vindo, o sol está sumindo/ O degelo é esperado e o trigo está nascendo fino/Máquinas param de funcionar, mas eu não tenho medo/Pois Londres está afundando e eu vivo perto do rio”.

Clipe : Beiture Está Morta

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