15.3.21

Geraldo Ramos nos deixa em decorrência da Covid

Estamos há semanas vendo amigos partirem. Na área cultural, várias perdas. Voltamos a estaca zero, Belém entrou em lockdown nesta segunda, 15, dia em que mais um nome da nossa cultura se vai em decorrência da Covid, o fotógrafo Geraldo Ramos. 

Muita tristeza para começar a semana, depois de um domingo também difícil com outras perdas. As redes sociais voltaram a ser só lamento. Ontem partiu também a cantora Jacely Duarte. Estamos com o escritor Vicente Cecim hospitalizado. A secretária de cultura do estado Úrsula Vidal testou positivo. Fiquemos em casa, mesmo que tenham loucos fazendo carreata contra o isolamento social, por inacreditável que pareça.

A notícia da partida do Geraldo Ramos mexeu muito comigo assim como entristeceu vários amigos em comum. Fiquei aqui com minhas memórias e vieram as lembranças de várias ocasiões em que a gente se encontrava profissionalmente. Ele sempre fotografando, eu cobrindo ou produzindo algum evento. Nosso último encontro ocorreu em 2019, muito antes da gente começar esse pesadelo, e num momento muito especial para a trajetória dele. 

Atuante na Amazônia paraense, Geraldo tinha uma trajetória de mais 45 anos. Sempre com aquele jeito tranquilo, observador, ele começou a fotografar na segunda metade da década de 1970 e até meados dos anos 1990 registrou aspectos da cultura popular amazônida paraense, na capital e no interior, por meio de incursões fotográficas a serviço do Museu da Imagem e do Som, MIS, do qual foi diretor, instituição vinculada à Secretaria de Cultura do Pará, SECULT. 

Entre 1992 até 2007, ele atuou na revista Ver-o-Pará, como Editor de Fotografia, publicação bimestral de conteúdo difusor da cultura amazônida paraense, assim como prestou serviço de fotojornalista para publicações nacionais (Veja, Exame etc.). Entretanto, as incursões fotográficas do artista antecederam a trajetória profissional e sempre estiveram presentes ao longo do trabalho institucional. 

Em 2019, parte desse seu acervo fotográfico integrou a exposição “Uma poética do arquivo do artista: o contínuo desdobrar das paisagens da memória de Geraldo Ramos” (CAPES- PPGARTES- UFPA),  que resultava da pesquisa de Madalena Felinto, a amada companheira, que mergulhou no acervo do fotógrafo, destacando uma Amazônia palmilhada por dentro, por águas, por chãos, pelo interior do interior amazônico.

Na época, em entrevista ao blog, ele me falou: “Eu e Madalena temos uma parceria muito grande e ela conhece bem o arquivo. Não foi tão difícil chegar a esse recorte, embora o tamanho dele não seja tão simples. É claro que numa exposição não dá para abarcar tudo, fazer uma retrospectiva. Escolhemos alguns ritos e fatos e a partir dessa escolha inicial, resultando nesta exposição”, diz Geraldo Ramos. 

E continuou contando: "O mergulho profundo neste arquivo trouxe coisas novas. Eu me descubro e redescubro muito olhando o arquivo. Gosto muito de fazer isso quanto tenho tempo, mas o recorte que me recordo agora é mais ou menos recente, um trabalho que fizemos em Marapanim e Bacuriteua, nas terras da família de Madalena. Fomos ate a nascente do rio. E foi muito bom entrar na floresta, que não é visitada há algum tempo, e encontrar a beleza da vegetação, dos rios e esse contato com a natureza que é muito bom, mais ainda sabendo que essas terras foram palmilhadas pelos passos, andares e olhos dos antepassados de Madalena”.

Madalena cuidou de cada detalhe da exposição. Dois dias antes da abertura ela me enviou um e-mail repleto de riquezas, o que incluía cópia de sua dissertação de mestrado e folders que impulsionaram o projeto artístico da exposição apresentado ao edital de artes visuais do Banco da Amazônia. Junto a isso, fotos dela e do Geraldo que estou compartilhando aqui. Ela estava muito feliz e me contagiava com essa felicidade. 

A abertura, no dia 16 de abril de 2019, no Espaço Cultural Banco da Amazônia, foi uma delícia de encontro com vários amigos, muitos fotógrafos. Um vernissage como eu nunca mais tinha visto na vida, desde os anos 90, quando as galerias eram badaladas e onde também era fácil de encontrar o Geraldo.  Hoje, ao saber de sua morte, também fiquei sabendo que Madalena Felinto, sua companheira, se encontra internada, também por Covid. Difícil escrever esse texto, sem pensar nela. Força, minha querida.

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