O título da exposição no cartaz soa como uma de suas performances, introduzindo o que seria o arremate e recado principal a ser dado. “PAM Barará Pá TUM! PAM Barará Pá TUM! PAM Barará! PAM Barará! PAM Barará Pá TCHÍÍ! Bacalhau, presente! cerveja, presente! vinho, presente! picanha, presente! Leite condensado, presente! Voltem para os quartéis! Viva a Democracia!”.
Entre as obras registradas em fotos e vídeo que estarão na mostra, cito “Banquete das Águas” e “Outros Caminhos”, de 2001; “Sanitário ou Santuário?”, “Flutuantes”, “Crisalis” e “Olhar de Vivó “, de 2003; “Stop Pedofilia” e “Convescote de Urubus”, ambas de 2004; “MMMM, de 2005”, “1964BR1985”, de 2008, “Ditadura Nunca Mais”, de 2009; “O Pesadelo do Trabalho Infantil de Todos os Tempos”, de 2010; Projeto “Me Manda Pra China”, de 2010; “Sucuri Engolindo Corruptos e outros bichos papão”, de 2012; “AI 5 NÃO!”, de 2016; “ReplanCHE”e “#”, de 2017. Há outras, e a mais recente, ela acabou de realizar, em Quatipuru.
“Sou eu de fantasma, só que não uso um lençol, mas sim aquele tecido de camuflagem do Exército. Chama-se ‘Viúvo da Ditadura’. É o trabalho mais novo”, diz Lucinha. “Essa exposição é para mim muito importante pois estou reunindo os meus trabalhos contra a ditadura e contra os atos enlouquecidos do Bolsonaro. É uma exposição de resistência, e outras performances e outros trabalhos. Vai ser na galeria Direitos Humanos. Eu que a criei e é no pátio daqui de casa, uma coisa muito simples”, complementa a artista.
Viúvo da Ditadura (2021) |
Lúcia Gomes nasceu em Belém, passou sete anos de sua vida na Suíça e, desde que retornou ao Pará, se instalou na cidade de Quatipuru, onde vive e trabalha. Lúcia Gomes comemorou os 20 anos de trajetória artística com a exposição Arara Arere Ariri Aroro Aruru, e ampla programação paralela com seminários e mesas redondas, em 2014, no Instituto de Artes do Pará. Foi artista convidada no Salão Arte Pará nos anos 2016, 2017, 2018 e 2019 e em 2020 foi premiada no edital Rede Virtual de Arte e Cultura, pela Fundação Cultural do Pará.
A exposição “Viva a Democracia” ficará montada na Galeria Direitos Humanos, em sua casa, até agosto e haverá uma programação virtual para que o público que não vai poder estar presente, possa acompanhar e ver a mostra. “Ainda estamos organizando. Com a pandemia e a atual situação, ficou um pouco complicado fazer algo agora, mas vamos inaugurar e aqui receber de forma reduzida as pessoas para uma visitação programada”, ressalta.
ENTREVISTA com a CURADORIA
Viva a Democracia (2021) - Tecido sobre lona camuflagem do Exército. |
Depois de viver por 13 anos fora do Pará, atuando em diversas frentes da produção artísticas, principalmente nas artes visuais, ela retornou em 2019 a terrinha. Paula também bateu um papo com o blog sobre a obra e trajetória de Lúcia Gomes, confira a seguir:
Viva a Democracia! entoa um chamado cívico em pleno século XXI. E isto traduz muito da essência da produção aqui exposta, das constantes simbologias impregnadas nas obras e vida dessa artista cujo ativismo é caraterística natural.
O processo desta curadoria traz, principalmente, a tentativa de traduzir os próprios anseios de Lúcia neste mar turbulento que vivemos o Brasil de hoje. Há uma emergência e uma urgência de dizer, bradar e entoar o que a revolta é capaz de produzir.
Na supressão de direitos sociais acontecendo ao escancaro de nossos olhos, à revelia dos valores humanos, nos encontramos ditados e censurados por mãos de ferro que gozam da violência social, que nos sangram a existência e o que ainda possa sobrar. É preciso dizer, é preciso gritar.
"Amai-vos", também na mostra |
Paula Michie: A costura dessa narrativa político-social fez-se parecer muito com tudo o que vejo de essência na produção de Lúcia Gomes, como a coluna vertebral onde todo o corpo é sustentado e alimentado: o processo de seleção e revisita da memória de cada obra foi generosamente partilhado entre artista e curadora, evidenciando o caráter democrático onde sua trajetória sempre se debruçou. Uma eterna construção de tudo que é plural, do que seria justo e coletivo para um bem comum.
São justamente estas as poéticas sobressalentes nas interferências artísticas como Amai-vos e Uni-vos, quando a artista propõe a comunhão de um alimento de valor cultural que já anuncia a mensagem do coletivo; Resistência, que projeta uma memória afetiva da guerra de travesseiros que as crianças costumam travar, com a mensagem poetizada no gesto de resistir e AI5 Não, quando atravessa uma mensagem direta e objetiva gravada no artefato artesanal que é a cerâmina paraense. Ela nos oferece a ideia, e a nós é difícil resistir participar.
1964BR1985 é uma interferência artística que fala sobre as torturas vividas por prisioneiras daquele regime, assim como Birkenau Auchwitz reproduz, dentro da poética artística, os efeitos psicológicos dessas terríveis experiências. Na indumentária de maruja – marco da cultura paraense que muito versa sobre o feminismo e o lugar ocupado por mulheres, a artista interfere no que é mais característico desse costume para protestar Pelo julgamento dos golpistas e torturadores de 1964: assim suprime as cores vibrantes da maruja para vesti-la toda de preto.
Assim seguem as incansáveis proposições de tudo que sabemos e sofremos, das diversas vertentes sociais desajustadas e violentadas, da condição da mulher, do cidadão, do meio ambiente, da justiça, e principalmente, dos afetos. Lúcia poetisa no gesto da ação e nos desvãos - ora costurando lixo na neve, ora propondo atos de afeto cotidiano, o que ela oferece é sempre uma entrega sincera e extremamente humana, na simplicidade de uma artista que parece não se importar mais com a categorização artística que a reconheçam do que com a infinidade de coisas que ainda precisa compartilhar.
Serviço
“Viva a Democracia”, exposição de Lúcia Gomes. Na Galeria Direitos Humanos, em sua casa, no município de Quatipuru-Pa – Prêmio Reconhecimento Fotoativa – Lei Aldir Blanc, Secult-Pa.
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