Produtores e Artistas Associados reúnem-se em Belém e apresentam, a outros movimentos, como as políticas podem influenciar na vida e na gestão da cultura de cada território
Por Elielton Alves Amador*
O movimento Produtores e Artistas Associados (PROA) reuniu na última noite do dia 23 de junho no Teatro Cláudio Barradas, da Escola de Teatro da UFPA, em Belém, para debater e compartilhar entre seus membros e com representantes de outros movimentos culturais a implementação do Sistema Estadual de Cultura.
Uma de suas maiores bandeiras de luta, o Sistema representa a efetividade de uma política iniciada em 2003, com a gestão do então ministro Gilberto Gil, que tem continuidade na gestão do atual ministro Juca Ferreira.
O Sistema Estadual de Cultura se inicia com a adesão do Pará ao Sistema Nacional de Cultura (SNC), criado constitucionalmente em 2012 a partir de uma diretriz do Plano Nacional de Cultura (PNC) – esta, outra lei promulgada pelo então presidente Lula em 2010, após o período de escuta e diagnóstico feito pela gestão do músico e compositor Gilberto Gil, que se iniciou com a primeira conferência nacional de cultura e com as reuniões das câmaras setoriais, embrião dos colegiados setoriais, que compõe, por sua vez, o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), órgão consultivo que demanda as diretrizes e ações do Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura, em construção.
Mas essa adesão é somente o primeiro passo para a efetiva instituição do Sistema Estadual, como bem lembrou a convidada especial do grupo, a professora visitante da UFPA, Eliana Bogéa, que pesquisa o desenvolvimento por meio da cultura. Para efetivar o sistema é preciso ter um plano estadual e um fundo de cultura, que receberá, fundo a fundo, recursos da União e também deverá ter recursos do próprio estado. A mesma dinâmica se dará entre os municípios que devem receber, fundo a fundo, recursos do fundo estadual e recursos da União.
Para gerir esse fundo, o sistema estadual deve estar ligado aos sistemas municipais, que devem ter cada um o seu conselho de cultura, que é o órgão paritário (ou seja, composto por membros da sociedade civil e do governo) que demanda e estabelece os critérios e diretrizes de aplicabilidade do fundo, de acordo com o plano elaborado para o sistema. Assim, conselho, plano e fundo, formam o que os militantes chamam de “CPF da Cultura”.
Lei Municipal - Essa grande aula, que resumo aqui, foi dada por Eliana e por membros do PROA, como Valcir Santos, irmão de Valmir Bispo dos Santos, que foi gestor da Fundação Curro Velho e faleceu em 2012 deixando a militância cultural de Belém comovida.
Foi com o nome de Valmir que a Lei Municipal que cria o Sistema Municipal de Cultura de Belém foi criada, a partir de uma ampla mobilização popular que arrecadou mais de 30 mil assinaturas durante uma longa campanha.
Paulo Ricardo Nascimento, um dos coordenadores do Fórum Municipal de Cultura, foi protagonista desse movimento e esteve também presente no debate promovido pelo PROA contando essa trajetória, juntamente com Cincinato Marques, também professor da UFPA, que falou sobre a situação do Sistema Estadual, cuja adesão foi assinada, mas que, efetivamente, não se concretizou. O encontro teve ainda a participação de Delson Cruz, representante regional do Minc.
Em vez das políticas estadual e municipais serem efetivadas, as notícias vinculadas no encontro do PROA são de que esses governos estão atentando contra as políticas culturais. Por um lado, o governador Simão Jatene não avança na implantação do sistema estadual. De acordo com Delson Cruz, o Pará é um dos apenas três estados da federação que ainda não efetivaram o sistema estadual – o que implica em atraso na participação de recursos para obras e ações fundamentais para o fortalecimento da cultura, do patrimônio material e imaterial, além de ações de impacto econômico.
Por outro lado, o prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, se prepara para pedir a revogação da Lei Valmir Bispo na Câmara Municipal.
Primeiro, no ano passado, Coutinho enviou à casa de vereadores uma proposta de emenda em que mudava o texto que estabelecia o mínimo de 2% do orçamento municipal para a cultura para “até 2%”, o que desvirtua completamente a proposta da Lei, como bem frisou na reunião o economista Valcir Santos.
A informação de que o prefeito pedirá a revogação total da lei ainda circula internamente nos órgãos municipais, segundo Valcir, mas demonstra que a luta dos movimentos culturais enfrenta grande resistência, principalmente das administrações mais conservadoras e de orientação neoliberal.
Uma orientação política liberal implica em uma visão de desenvolvimento pautada no crescimento econômico e no enxugamento da máquina pública. Ocorre que, em um estado de dimensões continentais, assim como o país, não somente o Estado deve estar presente como deve colaborar com a organização da sociedade civil, para que ela tenha recursos e instrumentos efetivos para sua organização política e para o ordenamento social de seus territórios.
Esse tema fica ainda mais gritante na Amazônia – onde a ocupação irregular e baseada em grandes projetos de desenvolvimento econômico, de impacto avassalador sobre a vida e a cultura das comunidades locais tem promovido a enorme desigualdade entre as elites locais (aliadas aos exploradores mercantis estrangeiros) e a população que vive à margem dos benefícios desses projetos.
Essa visão, ainda pouco consolidada na percepção das comunidades menos instruídas, tem reiterado o poder político daqueles que efetivamente não querem o desenvolvimento social organizado da região.
Reiterando essa visão, duas representantes de movimentos culturais que tiveram o primeiro contato com o PROA nesse citado debate, reivindicaram informação sobre os projetos e sobre as políticas. Uma dessas representantes, cujo nome não consegui guardar, vinha de Ananindeua e a outra, de Capanema, municípios das regiões norte e nordeste do Pará, que compõem o que seria o Pará “original” em uma possível redistribuição das terras legais do estado.
As regiões do Tapajós e de Carajás, que compõem territórios que reivindicam, ainda dentro do Pará, sua autonomia ficam ainda mais distantes. A mobilização do PROA, pelo que pude perceber das falas, busca ampliar suas conexões, mas ressente-se de uma certa falta de representatividade em municípios e territórios dentro do próprio estado.
Na minha visão, a mobilização do PROA deve buscar estabelecer conexões cada vez maiores e deve levar ao maior número possível de comunidades a informação e o conhecimento de como as políticas de cultura podem ajudar a transformar a realidade territorial, implantando ações que deem novo sentido à vida social.
Esse território deve ser determinado na Amazônia Legal. Seus coordenadores localizados na capital paraense não devem temer o papel de liderança local e de efetivos articuladores e facilitadores de um “movimento Amazônico”.
No entanto, o papel de liderança necessita engajamento, carisma, além de uma postura dialógica e aberta, sem pretensões colonizadoras ou de interesses personificados ou minoritários. Quais quadros do movimento devem ser (ou estão dispostos a serem) empoderados nesse contexto? Penso que essa é uma das muitas questões que o movimento deveria avaliar nesse momento.
Esse conhecimento (das dimensões culturais e seu impacto na vida social) é transformador e, de certa forma, revolucionário. Por isso, enfrenta enorme resistência. É preciso organizar os movimentos, as comunidades e os grupos em torno de um objetivo comum. E divulgar esse conhecimento é parte fundamental da liga que pode agregar os movimentos dispersos pela região, vencendo resistências culturais e territoriais. Organizar essas estratégias teriam grande impacto no avanço da implantação dessas políticas.
*Elielton Alves Amador é produtor, músico e jornalista. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É membro do Movimento PROA.
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