4.5.18

"A Visita da Velha Senhora" fica três dias em Belém

Até onde você é capaz de ir pelo dinheiro? A pergunta é a chave para a reflexão provocada pelo espetáculo “A Visita da Velha Senhora”. O texto, escrito em 1956 pelo suíço Friedrich Dürrenmatt, usa a ironia ao abordar a fragilidade dos nossos valores morais, a justiça e a esperança. No Teatro do SESI hoje (4), e sábado (5), às 20h30, e domingo, 6, às 19h.  

É a primeira vez que a atriz Denise Fraga vem a Belém."Eu sempre quis chegar até aqui, com um os meus espetáculos, mas é muito difícil viajar com um espetáculo como esse por exemplo. Estou muito feliz em ter conseguido", diz ela.  Curiosa para conhecer a cidade, indagava, nesta quinta-feira (3), sobre a cena cultural cidade e seus encantos que tanto ouve falar. No elenco também está uma paraense, Maristela Chelala, assim como na produção, Marita Prado. “Quando vamos ao Ver o Peso? E onde é mesmo que vamos no sábado, no Combu?”, perguntava ela, ontem (3), entre uma entrevista e outra, concedida à imprensa local.

A atriz, muito conhecida no país pelos diversos trabalhos desenvolvidos na televisão, onde o humor sempre permeou, queria mesmo era falar sobre o espetáculo. “É o mais importante. A peça é muito atrativa em vários sentidos, é espetaculosa, densa, tem humor, texto inteligente, música ao vivo, ótimos atores em cena, estamos chegando com muita vontade para estes três dias de apresentação".

“Venham todos ver, eu garanto, garanto que vão gostar", convida. "Nós esperamos o público na porta, porque isso nos dá até mais responsabilidade na hora de encenar. Gosto de ver o público de perto”, enfatiza a atriz. "A gente gosta de olhar o púbico de frente, e na chegada é uma ótima oportunidade da gente mostrar que teatro é algo vivo, é presença", continua.

A Visita da Velha Senhora é o que chamamos de teatro de verdade. Feito com sangue nos olhos. É o que se entende do tanto que Denise Fraga nos conta sobre a montagem, que já lotou teatros em São Paulo e Rio de Janeiro, nas temporadas de estreia em 2017. São 13 atores em cena, cenário caprichado, figurinos luxuosos. Entrando em turnê pelo país este ano, o espetáculo acabou de ser apresentado em BH (MG) e depois de Belém segue para várias cidades, tendo um final de semana de apresentações em cada uma delas, até agosto. 

Gentil e atenciosa, apaixonada pelo que faz, interessada no outro, diz que sempre teve vontade de trazer um espetáculo seu para Belém, mas a oportunidade surgiu apenas agora. No elenco, além de Denise Fraga e Maristela Chelala, o espetáculo conta com os atores Tuca Andrada, Fábio Herford, Romis Ferreira, Renato Caldas, Eduardo Estrela, Beto Matos, Luiz Ramalho, Rafael Faustino, David Taiyu, Fábio Nassar e Fernando Neves.

O senhor dinheiro como ditador de nossas vidas

Fotos de cena: Cacá Bernardes
“Precisamos ganhar dinheiro, mas precisamos disso para nos libertar e não aprisionar.  O senhor mercado, o senhor dinheiro, que faz todos os conchavos, é nosso grande ditador”, diz Denise. “E nós precisamos falar sobre isso, sobre a injustiça social do país. Acho triste ter a maternidade condicionada ao dinheiro. O mundo precisa de renovação. E a peça traz isso. É algo espetaculoso, tem música ao vivo. O público sai encantado”, afirma.

“A Visita da velha Senhora” tem como cenário a pequena Güllen, cidade arruinada em que os trens passam ao largo pela ausência de perspectiva que justifique uma parada num lugar que já foi uma cidade distinta, décadas atrás, com sua economia girando em torno das fábricas locais. 

Claire Wäscher tinha 17 anos e vivia um romance com Alfred Krank, o homem por quem foi apaixonada na juventude, mas que a abandonou grávida por um casamento de interesse e a escorraçou da cidade, que ele também destruiu. 

Eis que anos depois ela retorna já com 62 anos, milionária, dona de uma fortuna incalculável. Aguardada pela população local como única pessoa capaz de salvar a cidade da ruína, ela chega e propõe algo que colocará todas as “pessoas de bem” numa prova de fogo. 

“Dou um milhão para quem matar Alfred Krank”, diz a mulher magoada e hoje perversa protagonista dessa história. Obra-prima da dramaturgia, o espetáculo é construído por uma rede de cenas que se entrelaçam, cheias de humor e ironia, com um desfile de personagens humanos e reconhecíveis que pouco a pouco, vão escancarando a nossa fragilidade diante do grande regente de nossas vidas: o dinheiro.

Espetáculo traz o riso como constatação da verdade

O texto de Friedrich Reinhold Dürrenmatt permanece atual, embora tenha sido escrito há décadas atrás, e nos coloca com a cabeça bem aqui no nosso próprio país. “Tem noites que eu dou o texto no palco e parece que estou falando daquela notícia que acabou de ser dada pela imprensa e as pessoas riem, confirmando”, comenta. "Eu fiquei especialista em risada. E tem aquela que eu chamo 'pior que é', que  a pessoa começa a rir devagar como se estivesse constatando a verdade".

Tendo a risada como métrica cômica, ela acredita que é balela dizer que o público de hoje não quer pensar. “O humor é alimento para a inteligência. Ninguém ri daquilo que não entende”, diz. “Eu sinto como se viesse da coxia com um espelho na mão e falasse, olha como nós somos ridículos. É  uma felicidade compreender o texto, e nós fazemos questão de que tudo seja perfeitamente compreendido”, avisa. 

A atriz, com 32 anos de carreira, diz que já foi muito feliz em tudo que já fez no teatro em televisão e cinema. No momento não há planos para voltar à TV, porque está muito envolvida com a turnê do espetáculo e está fazendo dois filmes. “Já fui muito feliz em tudo que fiz, porque sempre fui engajada. Ser engajado é estar no coletivo e quanto eu estou engajada, estou preocupada em estar junto. Você é importante neste mundo e tem que fazer a sua parte”. 

O teatro e o afeto para a transformação

“O teatro transforma, pode nos resgatar, nos fazer rever as coisas. O teatro traz consciência. É transformador”, afirma Denise Fraga, que segue com diversas reflexões acerca dessa engrenagem econômica a que todos nós acabamos submetidos. E quando o assunto chega à política, ela rebate. “De direita eu não sou mesmo. Eu sou humanista, penso que devemos fazer algo com essa vida que a gente inventou. Trabalhe em sua casa para ser feliz. Passar o dia inteiro sorrindo pra que se odeia e chegar em casa e maltratar quem você mais ama, não é justo. O afeto é algo revolucionário”, aconselha.

A direção do espetáculo é do marido e parceiro de muitas empreitadas, Luiz Villaça. A montagem, sofisticada, conta com cenários e figurinos do mineiro Ronaldo Fraga. A direção musical é do maestro Dimi Kireeff, o desenho de luz, de Nadja Naira, da companhia brasileira de teatro, e a preparação vocal, de Lucia Gayotto. Na equipe técnica ainda, Keila Bueno assina as coreografias e a preparação Corporal, e Simone Batata, o visagismo. A produção executiva é de Marita Prado, também paraense.

A Visita da Velha Senhora teve nominações ao Prêmio Shell nas categorias Melhor Atriz (Denise Fraga) e Melhor Figurino (Ronaldo Fraga) e ao Prêmio Aplauso Brasil nas categorias Melhor Atriz (Denise Fraga), Melhor Direção (Luiz Villaça), Melhor Arquitetura Cênica (Ronaldo Fraga) e Melhor Espetáculo Independente.

Serviço
A Visita da Velha Senhora. Dias 04, 05 (20h30) e 06 de maio (19h). Teatro do SESI - Av. Almirante Barroso, nº 2540, Marco. Classificação: 14 anos. Duração: 120 min. Gênero: Comédia Trágica. Ingressos: R$ 70,00 (inteira)/R$ 35,00 (meia)/R$ 50,00 (inteira)/R$ 25,00 (meia)  - Bilheteria: (91) 3366-0971/0972.


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