6.7.10

Entrevista: Mostra Bacuri planta novas sementes da animação no Pará

A Bacuri – I Mostra de Cinema Infantil trouxe para Belém duas figuras que fazem parte da história do cinema brasileiro. Professores da FAAP/SP (Fundação Armando Álvares Penteado), Eliseu Lopes Filho e Máximo Barro, chegaram no domingo, em Belém, e nesta segunda-feira, 05, passaram o dia todo ministrando a capacitação dos monitores que estarão acompanhando as crianças durante os cinco dias de oficinas.

Máximo Barro é professor, montador, pesquisador e escritor e vai participar da Bacuri também como professor das oficinas. Trabalha com animação desde 1953.

"Encontrei a animação em decorrência do mundo do cinema. Comecei com a Multifilmes. Eu freqüentava muito o apartamento de um amigo, Milton Costa, que fazia animação e comecei fazendo montagens das animações dele", explica.

Já Eliseu Lopes Filho se formou em cinema na década de 70, época em que o Cinema Novo estava na cena. “Mas nunca trabalhei com Cinema Novo”, diz ele que também revela ter sido aluno de Màximo Barro e que acabou fazendo animação porque queria fazer efeitos especiais para o cinema, influenciado na época por uma febre chamada Star Wars.

Depois da primeira etapa da capacitação, Eliseu concedeu esta entrevista que segue mais abaixo, onde ele levanta a bandeira do cinema de animação, como ferramenta de educação e preservação da cultura brasileira.

Aproveita e elogia os filmes de animação paraenses que também entraram em sua curadoria para a mostra Bacuri. “Não conhecia o miriti e gostei de ficar sabendo desse material através da animação do Andrei”, disse referindo-se ao Admirimiriti, curta que está na programação.

Durante a tarde, a equipe, formada também pela produtora Érika Teixeira, de São Paulo, se dedicou à montagem dos espaços destinados às oficinas que iniciam na Galeria Fidanza do Museu de Arte Sacra – Igreja de Santo Alexandre - Complexo Feliz Lusitania -, nesta terça-feira, 06 e vão até dia 10.

Além dos monitores que foram treinados, a equipe paraense é integrada também pela pedagoga Márcia Pontes, do SIM/PA (Sistema Integrado de Museus) e pelo animador paraense Andrei Miralha, realizador de filmes de animação que ministrará as oficinas nos centros comunitários em Barcarena, de 13 a 17 de julho, fechando a segunda e última etapa do projeto este ano. A produção executiva e coordenação é de Paula Macedo, com realização da Comadre Produções Cinematográficas, com patrocínio da Oi Futuro, através da Lei Semear, do Governo do Estado.

Tendo como objetivo despertar o interesse das crianças para o cinema de animação, as oficinas vão oferecer ferramentas simples, através de softwares livres que possam ser baixados facilmente da internet fazendo com que as crianças deem continuidade a estes processos iniciados na Bacuri.

Elogiando a iniciativa, ele faz questão de afirmar a importância da mostra. “Tudo aqui foi planejado de forma que eles começassem a fazer os filmes e depois produzir mais em casa, com recursos e equipamentos disponíveis na casa deles”.

As sessões de cinema de animação são gratuitas e iniciam às 14h com projeção até 17h, no mini auditório do Museu de Arte Sacra (entrada pela Rua Padre Champagnat). Leia a entrevista com o prof. Eliseu.

Holofote Virtual: Quando foi feita a proposta das oficinas do projeto, no que vocês, como professores, projetaram imediatamente?

Eliseu Lopes Filho: Que ela fosse acessível, de forma que as crianças pudessem dar continuidade a estas experiências depois em casa. Então dividimos as turmas em dois grupos, de crianças menores, de 02 a 08 anos, que vão trabalhar os brinquedos ópticos e vão descobrir a possibilidade de se fazer o primeiro movimento com poucos desenhos e depois uma animação mais especificada utilizando o flip book.

E o outro grupo, com crianças maiores entre 9 e 12 anos, com as quais vamos trabalhar de duas formas: com o Stop Motion e com o Pixilation, que é a animação feita com pessoas, alternando a natureza do movimento humano real, utilizando fantasias etc.

Como tínhamos em mente usar recursos acessíveis, escolhemos o Stop Motion, um software livre, que eles possam baixar da internet, mesmo de baixa velocidade, e uma web cam, que não é tão cara para se adquirir, caso ainda não se tenha uma em casa. Com isso vamos explicar como funciona a animação e como funciona o software. A intenção é despertar o interesse dessas crianças.

Holofote Virtual: Qual foi a base da curadoria para as sessões das Mostras Bacurizinho, Bacuri Verde e Bacuri Maduro?

Eliseu Lopes Filho: Temos uma mostra de animação brasileira, com exceção de um grupo de filmes do Canadá, que abordam em suas temáticas os Direitos da Criança e do Adolescente da Unesco. São animações feitas pelos grandes mestres da animação canadense, mas também por diretores de outros países, até por um brasileiro. Mas os outros filmes programados enfatizam a produção brasileira, inclusive as paraenses.

Holofote Virtual: Quando se fala em produção brasileira e em despertar o interesse por este tipo específico de se fazer cinema, qual é a principal idéia da Bacuri?

Eliseu Lopes Filho: A intenção é trazer à tona a formação nesse tipo específico do cinema com este público infantil. Há grandes novidades, todo mundo gosta de animação, crianças e adultos. Mas são poucos que tem uma noção exata de como se faz.

Holofote VIrtual: E na capacitação com os monitores paraenses, qual foi o enfoque?

Eliseu Lopes Filho: Nós fizemos uma rápida apresentação do desenvolvimento da animação desde a sua criação, na Europa, onde vemos as primeiras experiências com animação e tentativas de representar o movimento. Precisamos falar dos tipos de técnicas, como o stop motion, porque ter este conhecimento, na conversa com as crianças, é fundamental.

Não existe a intenção de colocar isso na cabeça das crianças. A idéia é disponibilizar coisas para que ela mesma se quiser e tiver curiosidade, possam dar seus próprios encaminhamentos. Ficaremos inteiramente à disposição delas. Não é aula, é uma atividade que pode despertar uma consciência da existência da animação da composição, estética e da nossa brasilidade.

Holofote Virtual: Você é da época do Cinema Novo, mas sua especialidade são os efeitos especiais em cinema. Interessante isso. Como essa trajetória te levou ao cinema de animação?

Eliseu Lopes Filho: Eu fiz cinema há mais de 30 atrás. Fui aluno do professor Máximo Barro que está aqui em Belém também e que foi um dos curadores da mostra junto comigo e a Érika Teixeira. Mas sempre gostei muito de efeitos especiais. Entrei na faculdade de cinema em 1977 e então estamos falando final da década de 70.

Fui formado dentro do Cinema Novo, mas nunca trabalhei com esta produção. Desde ali, eu já gostava dos efeitos especiais e tínhamos acabado de ver Star Wars, uma loucura. Naquele momento quem fazia efeitos especiais era o pessoal de animação. E aí entrei nesta vertente do cinema como forma de buscar os efeitos especiais.

Eu vim do cinema de ficção para a animação. Esta descoberta foi maravilhosa, pois durante muitos anos eu só fiz filmes de efeitos especiais que continham animação. Entrei no mercado, também, fazendo muita publicidade, e fiquei muito tempo fazendo isso.

Somente a partir de 2004 é que comecei a me dedicar á academia e ao ensino de animação, que se revelou pra mim de uma forma muito incentivadora e de prazer de lidar com essa garotada, de trazê-los para a arte, através da animação, como forma de comunicação bastante especial .

A animação é um vírus... (risos) da feita que a gente pega, não quer largar mais e estamos tentando contaminar todo mundo aqui, desde pequenos. Quem sabe a gente consegue isso?

Holofote Virtual: Vocês já tinham trabalhado com “bacuris” tão pequenos assim? (risos)

Eliseu Lopes Filho: Nossa primeiro experiência com crianças nesta idade foi no SESC em São Paulo. Mas a maioria das oficinas que a gente faz lá são para crianças maiores, adolescentes de 18 anos que já vislumbram a animação de outra forma, mais definitiva, em suas vidas. E aí a gente tem trabalhado tanto com a história da animação, que é a oportunidade de você ver filmes que a grande maioria das pessoas nem sabe que existe e com as diversas técnicas, inspirando trabalhos do ponto de vista da estética da animação que é uma forma bastante diferente de realização.

Holofote Virtual: A produção de animação no Brasil teve um boom recente, apesar de haver experiências mais antigas. A que se deve este novo momento?

Eliseu Lopes Filho: Demoramos muito pra começar. Temos um filme de 1917 que é pioneiro e depois disso tivemos uma ou outra experiência em longa metragem. Cito o “Sinfonia Amazônica”, o primeiro longa metragem brasileiro animado da história. Foi produzido inteiramente por Anélio Lattini Filho, que dedicou cerca de cinco anos de trabalho para transformar em desenho animado um pot-pourri de relatos folclóricos da região Norte, entre elas a lenda da Noite, que aborda o surgimento dos animais na floresta e a do Uratu, que narra a formação do rio Amazonas. Mas que nada tem a ver com a Amazônia em muito aspectos.

Eles foram, por exemplo, para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro em busca de uma flora amazônica, mas quem é daqui da região sempre fez crítica, no entanto é um filme interessante. Depois temos o Maurício de Sousa e outros. Temos muita animação na publicidade, para onde já fiz mais de mil filmes e foi onde a maior parte dos animadores surgiram e estão em atividade até hoje.

Holofote Virtual: O Animamundi ajudou a dar evidência para a animação brasileira?

Eliseu Lopes Filho: De uns tempos pra cá, a experiência do Animamundi, que aliás vai começar daqui a duas semanas no Rio de Janeiro, ajudou a colocar a animação brasileira como arte em evidência. Mas o que fez com que a gente tivesse este boom mesmo foi uma série de mecanismos.

A produção de animação é diferenciada, ela demora mais, é feita quadro a quadro e então estes novos mecanismos abriram bastante o mercado, depois vieram programas como o Anima TV e uma série de outros programas de incentivo à produção de curta metragem, que começaram a mostrar os animadores.

Agora chegamos ao momento em que a gente tem que disseminar mais a educação, porque a gente está começando a ter investimento, mas ainda não temos indústria. Então esta idéia da Paula (Macedo) foi que investíssemos isso e topamos.

Holofote Virtual: E as animações paraenses, vocês já conheciam ou viram por causa desta curadoria?

Eliseu Lopes Filho: Olha tem coisas muito interessantes principalmente porque a maioria dos filmes fala de coisas da região e isso é fundamental. Tem um que fala de um bonequinho, feito de uma palmeira... miriti! Foi fantástico, porque eu não conhecia o miriti, mas um curta de animação mudou isso em minha vida. Isso é importante, pois me traz conhecimentos a mais sobre a cultura brasileira.

A animação rompe fronteiras, ela é universal, todos reconhecem... o cinema é universal. E tem, claro, o cinema brasileiro, que nos ajuda a conhecer a nossa história, a nossa cultura... Isso é que vale, se não, a gente acaba adotando outras culturas, veja o exemplo dos animes japoneses. Não podemos perder a nossa identidade cultural, temos que buscar isso de volta e só vamos fazer este resgate se contarmos as nossas histórias.

Um comentário:

Samir Raoni disse...

Muito boa essa matéria Lucina. Estava aqui pesquisando sobre a Mostra Bacuri e cheguei no Holofote Virtual.

Parabéns pelo belo trabalho!