31.12.17

2018 para reafirmar as conquistas e produzir mais

Na última pauta do ano ouvi três artistas importantes na cena cultural paraense. Pinçar só três pessoas de um cenário rico, vasto, criativo, produtivo e infinito como o de Belém, não seria tarefa fácil, por isso fui intencional e sobretudo pelo filtro da contribuição e produção deles para o cenário cultural. Na rápida análise política do blog, compartilho com vocês o papo com a musicista e produtora cultural Carla Cabral, a cineasta Jorane Castro e o músico e pesquisador Marcello Gabbay.

2017. O ano mal tinha começado e em março, um incêndio no Museu de Arte de Belém - Mabe foi um presságio para a área da cultura em Belém do Pará, onde ano fecha como se não tivesse começado do ponto de vista das políticas públicas de cultura. Na gestão cultural do município, o Mabe continua chamuscado, com salas fechadas ao acesso do público, e também retrocedemos com a  nova Lei Valmir Bispo dos Santos aprovada pelos vereadores. O novo texto  enviado por Zenaldo Coutinho além de perdas para a área cultural também atrasou o processo de implantação do Fundo Municipal de Cultura. 

“O sistema político em que vivemos está totalmente falido. É impossível achar que culturalmente foi um ano exemplar. Acho que sempre será produtivo quando falamos em termos de criação, mas de escoamento, de realização de shows, festivais e mostras é tudo muito restrito, pouca verba, pouco patrocínio. Políticas culturais ainda com falhas, embora existentes. Infelizmente ainda foi um ano em que a gente sobreviveu da arte, ainda não foi aquele ano de se respirar ar farto e limpo”, diz Carla Cabral. 

Carla Cabral  é musicista. Integra o movimento do Choro Paraense. É produtora cultural e uma das responsáveis pelo projeto que revitalizou o maior reduto do choro em Belém do Pará, a Casa do Gilson. Em 2017, ela levou adiante o projeto “O Mercado do Choro”, que vivencia a cidade e sua realidade. 

Carla Cabral -  O Mercado do Choro, no Mercado de Carne 
“Passei o ano me sustentando de tocar em bares e dar aula, sem grandes aportes financeiros (risos). Com certeza, para outros artistas foi ainda mais difícil. Eu percebo as dificuldades da cena, por isso, dar as mãos é cada vez mais necessário. Assim como ter percepção das políticas culturais e não apenas do glamour de ser artista (risos)”, diz. 

A estagnação na área cultural não se restringe ao município. No Estado a Secretaria de Cultura segue com seus dois principais projetos o Festival de Ópera e a Feira Pan Amazônica do Livro. Por outro lado, dentro desta estrutura, a Fundação de Cultura do Pará tem nos direcionado uma política de editais somando à Lei Semear que garante projetos junto a editais nacionais.

A política dos micros editais SEIVA deu certo fôlego à produção de pequenos projetos. A Bolsa de Experimentação Artística, o edital de Produção e Difusão e o edital Pauta Livre impulsionaram e devem continuar impulsionando a produção de CDs, shows e espetáculos que geraram também a  programação cultural ao público nos teatros e espaços culturais da FCP.

“2017 foi um ano de muita labuta. A impressão que eu tenho é de que a cena ficou mais estreita, retraída. Eu costumo dizer que cidades como Belém (re)existem apesar de todo descaso e mau entendimento de cultura nas instâncias governamentais e privadas; mas mesmo assim, em cidades como São Paulo, contamos com uma nova visão política que não pensa mais os espaços públicos como espaços de ocupação, mas como oportunidades de mercado. E isso é preocupante. Vejamos, por exemplo, a “treta” recente entre o teatro Oficina de Zé Celso e o grupo de Silvio Santos, desastrosamente mediado pela prefeitura de São Paulo”, comenta Marcello Gabbay.

Residindo em São Paulo, o também professor lança, logo no início do ano o livro de sua pesquisa de Doutorado na UFRJ sobre o carimbó de origem marajoara. O blog vai publicar em breve uma entrevista com ele sobre a obra. O lançamento será dia 11, na véspera do aniversário da cidade, na Livraria da Fox.

Na área da produção audiovisual vimos muitas produções serem lançadas por iniciativas independentes também ou por meio de outros editais. A cineasta Jorane Castro viu em  2017 seu primeiro longa, o filme “Pra Ter Onde ir” ganhar asas e avoar e também já tem novos planos cinematográficos para 2018, com filmagens em Belém, um novo longa. Otimista , ela acredita em 2018 segue a resistência cultural.

“Analisando um pouco o cenário artístico e cultural de Belém, o ano de 2017 foi um ano em que a gente viu qual a força que existe na organização do pensamento e da reflexão de quem produz um olhar sobre a cidade. A gente viu muitos lugares acontecendo, muitos artistas  novos se colocando, festivais novos aparecendo, artistas novos, um cenário novo surgindo, a gente vê vitalidade aparecendo, aliás, como sempre foi , no Pará. Nós temos uma arte viva, sabemos qual o potencial e a capacidade criativa e artística que a gente tem em todas as áreas de expressão. Este ano foi bom pra gente ver as coisas acontecerem, muita vibração boa e muito resultados”, diz Jorane.

A cineasta ressalta que em 2017, a arte como reflexão da sociedade em que ela está inserida, foi um ato de resistência. “Foi um ano em que a sociedade civil deu o recado, e a politica pública continua inexistente, em nível de estado ou de município, não há diálogo estabelecido entre gestores públicos das áreas de cultura e pessoas que produzem esse conhecimento, falta diálogo. Foi um ano de resistência”, afirma.

“O Circular justamente fortalece a virilidade de tudo que falei, de você ver o quanto tem gente se organizando, pensando a ocupação da cidade e qual a cidade que a gente quer, e tudo isso através de quem produz e faz arte, produz culturalmente na cidade. Estas pessoas é que fazem e escrevem o futuro e que eu acho que é função de quem é cidadão e artista", comenta Jorane.

Expectativas para o ano novo da cultura paraense

Jorane no set de "Para Ter Onde Ir"
O que importa é não jogar a toalha e seguir adiante. Embora as coisas não tenham sido fáceis em 2017, houve a produção e reinvenção no meio cultural. Todos concordam. Por isso s expectativas para 2018, ao contrário do que se poderia pensar, são otimistas. 

"Acho que 2018 será bom, frutífero, cheio de novas perspectivas em todas as áreas da cultura. Espero que isso tudo que vivemos em 2017 floresça mais ainda, que toda a nossa cultura que é a que a gente já conhece, estuda e já respeita e admira seja reconhecida ainda mais" diz Jorane Castro.

As conquistas foram tanto do ponto de vista coletivo quanto pessoal. Carla Cabral este ano produziu o Mercado do Choro, projeto que foi tema de uma entrevista com ela aqui no blog, mas também apresentou na TV o programa Timbres (TV Cultura), que valoriza o segmento da música instrumental. E ainda fez a produção musical de um documentário sobre a Casa do Gilson, que estreou agora em dezembro na telinha.

Casa do Gilson ganhou documentário 
produzido pela TV Cultura do Pará.

“Foi esse ano também que ganhamos um documentário maravilhosos sobre os 30 anos da Casa do Gilson, produzido pela TV Cultura do Pará. Tive a honra de fazer a produção musical desse documentário e tenho certeza que ele é uma escritura de uma boa parte da música paraense.  Além disso, inicio um novo momento mais voltado para a composição e o estudo da música, começo a abandonar aos poucos a produção executiva de outros trabalhos, para me dedicar bem mais ao Mercado do Choro e à pesquisa do gênero. Sinto que fecho um ciclo, que venham as surpresas do próximo”, diz.

Para ela, 2018 pede uma "labuta diária e de entender cada vez mais que temos que nos responsabilizar pelo nosso trabalho, correr atrás, nunca esperar sentado". Carla ressalta também a democratização do acesso à cultura e a responsabilidade para com o ensino e a compreensão da arte.

"Temos que nos responsabilizar pela democracia da arte; ter compromisso com a educação através da arte; ter compromisso com a cidade, com as necessidades culturais que ela apresenta. Ser menos egoísta, ter preocupação social, entender o contexto em que a nossa arte está existindo e contribuir para um país melhor", diz ela, que também cita como exemplo disso os projetos Circular Campina Cidade Velha e o Aparelho. "É uma evidência da força que temos (quase que) independente de federação, estado e munícipio. Pois, não sejamos hipócritas, essas três esferas tem responsabilidades com a produção cultural desse país e se houver financiamentos honestos, não vejo o porquê de não nos valermos”, finaliza Carla Cabral. 

Gabbay com Neto Rocha - O Campo e a Cidade
Vivendo entre Belém e São Paulo, Marcello Gabbay também fecha o ano feliz e comemora sua produção. “Foi um ano de grandes feitos. Na vida universitária, saiu meu livro finalmente. Foram 8 meses revisando e editando. Também estive em congressos pelo Brasil recentemente falando desse tema da ocupação das cidades. Em 2018, esse tema vai crescer, porque eu, a Luciana Gouveia (que é a minha namorada) e a professora Raquel Paiva da UFRJ, estamos preparando um trabalho grande sobre isso”, diz o músico.

Observador, produtor e consumidor da cena, em São Paulo ele viu a música paraense reverberar. “O Clarimbó do Antônio Novaes fez muito paulista bailar esse ano, esbarrando na noite da cidade com queridíssimos artistas, como Jaloo e o Felipe Cordeiro, que eu respeito muitíssimo, e que fez uma linda canja com a gente na Vila Madalena", comenta Marcello. 

Integrante do duo "O Campo e a Cidade", junto ao músico Neto Rocha, ele comemora também o disco “Tarot”. "Fizemos shows mais concisos, como no lançamento em agosto, e em setembro na Avenida Paulista. Agora é apertar os cintos para 2018, que apesar de tudo vai ser mais um ano de novos trabalhos. O Campo e a Cidade vai gravar, com certeza. Já temos um novo repertório e um novo som a caminho. Vamos também querer tocar em Belém, isso está na agenda já. Além de outros planos ainda secretos (risos). Sigamos em frente!”, vibra.

Jorane e Felipe Cordeiro, no Circular Campina Cidade Velha
(Agosto 2017. Foto: Marcelo Lelis).
Para Jorane Castro, devemos estar preparados e atuantes para que em 2018 superemos os desafios de um país devastado pela política vigente.  

"Espero que mesmo que estejamos em um momento difícil no Brasil, com muita intolerância, com uma desigualdade se firmando cada vez mais, e a diversidade sendo uma ameaça para alguns, todas as questões que devem ser debatidas, venham à tona de forma mais positiva em 2018. A gente é forte, a gente é do Norte. E a gente vai muito longe com este pensamento, porque é em nós que existe essa possibilidade de construir uma cidade melhor, um estado melhor,  esta Amazônia melhor, a região mais linda e incrível que merece ser valorizada e amada!”, finaliza a cineasta.

No meio da turbulência da era #foratemer, com o Ministério da Cultura destroçado, a ANCINE seguiu sua política, embora com desfalques. Espera-se agora em 2018 várias estreias de séries, documentários e filmes de ficção produzidos na região norte. Hora de ver o que fizemos, na telinha, as produções realizadas com o edital Prodav-8 que vai  apresentar agora seus primeiros frutos, ainda do edital lançado em 2014. Isso vai ser ótimo.

FELIZ 2108!!!!

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