13.11.18

A festa do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade

Afeto, identificação e a gestão compartilhada do patrimônio cultural brasileiro. Em resumo estas palavras definem a cerimônia de entrega do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, realizada na ultima sexta-feira, 09, no Theatro da Paz. Foi de tirar o fôlego, repleta de surpresas e boas falas para o público e representantes dos oito projetos premiados pelo Iphan.

O Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade é realizado desde 1987, tendo como missão reconhecer projetos que contribuam para a manutenção daquilo que há de mais importante na sociedade, o seu patrimônio cultural. "Todos os anos esse prêmio nos mostra que simples ideias se tornam projetos transformadores, comprovando a necessidade de que cada vez mais, o patrimônio cultural deve ser construído e gerido coletivamente, vivenciado todos os dias”, disse a presidente do Iphan, Kátia Bogéa.

Foram mais de três horas de pura emoção e sentimentos de identidade. Na entrada, informação. A Revista do 31o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade era distribuída ao público, trazendo textos e entrevistas sobre os projetos vencedores. Se você não foi, é possível conseguir um exemplar na sede do Iphan, em Belém.

Já na sala de espetáculo, no também grandioso templo da cultura erudita, a primeira emoção, depois de ver a casa cheia, cheia de cor, diversa, foi ouvir o hino nacional cantado em língua Ticuna, pela cantora indígena, de belíssima voz, Denizia Araújo Peres –  Djuena Tikuna, acompanhada pelo instrumentista Diego Janatã Pinheiro Pereira. 

A presidente do Iphan, Kátia Bogéa, também nos surpreendeu ao chamar ao palco toda a sua equipe nacional que esteve em Belém ao longo da semana, participando também do Seminário Internacional de Gestão do Patrimônio Cultural Norte, realizado no início da semana, no Teatro Maria Sylvia Nunes, e da 90ª reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio, realizada no MEP. Foram entrando um a um. Diretores, gerentes, assessores, além dos sete superintendentes do Iphan na região Norte. Do Pará, Cyro Hollanda de Almeida foi bastante aplaudido pelo público. E em sua fala, Kátia Bogeia destacou que em 2018, o Iphan dedicou uma atenção especial a Região Norte do Brasil. 

“Este ano a proposta do Iphan foi realizar uma série de ações para valorizar o patrimônio do norte do país. Falar dessa região é ir muito além de suas florestas, rios e faunas. É falar primordialmente de seu povo. Um passado, no presente, pensando no futuro. Em seu conjunto, a importância do patrimônio cultural do norte do Brasil está em sua rica gama de bens”.

São 11 bens registrados, 45 tombamentos, entre edificações e conjuntos urbanos, e mais de 5 mil sítios arqueológicos cadastrados, além das expressões culturais como o Círio de Nazaré, no Pará, e a arte gráfica e pintura corporal dos índios Wajãpi do Amapá, que são ainda patrimônio cultural imaterial da humanidade. 

“É extremamente importante proporcionarmos a todos os brasileiros, a oportunidade de conhecer a diversidade patrimonial cultural do norte”, enfatizou, deixando claro o tipo de gestão que o Iphan propõe, compartilhada com as pessoas, pois sem estas não há patrimônio material ou imaterial que sobreviva. Kátia e todos que também tiveram momentos de fala foram incansáveis em afirmar que o futuro se constrói no presente, preservando o passado

A região Norte esteve em evidência na cerimônia, que prezou pela representatividade do patrimônio cultural do Norte no palco. Entre outros momentos de referência, foram apresentados como atração, o Coletivo de Mestres de Carimbó (PA), o Marabaixo (AP) e os bois Garantido e Caprichoso, de Parintins (AM).  Vale ressaltar também que dos oito premiados, três iniciativas são do Pará.

Premiados aproximam comunidade e patrimônio

Entre uma atração e outra, foram sendo chamados ao palco os representantes dos oito projetos contemplados pelo 31º Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, selecionados entre 302 inscritos em todo o país e depois, entre 94 projetos finalistas.

A premiação, além de um aporte financeiro de R$ 30 mil, traz o reconhecimento nacional, a visibilidade das comunidades envolvidas, a aproximação com outros parceiros e investidores, além da possibilidade de continuidade de suas iniciativas.

Do Pará os três contemplados foram o projeto Circular Campina Cidade Velha, que íntegro, e que tem como espaço geográfico o centro histórico de Belém; o Letras que Flutuam, da Mapinguari Design, realizado com artistas abridores de letras e o Oca - Origens, Cultura e Ambiente, realizado no município de Gurupá pelo Museu Goeldi, mas que já rendeu frutos, o grupo Os Guardiões. Makiko Akao, do Circular, enfatizou a importância da sociedade civil envolvida. "Um patrimônio só tem valor, a partir do momento que a sociedade reconhece o seu valor”, disse a galerista e produtora cultura, que recebeu a premiação.

Fernanda Martins, do Letras que Flutuam, protagonizou um dos momentos mais emocionantes da cerimônia quando em sua fala pediu que acendessem as luzes do teatro para que os abridores de letras presentes na cerimonia se levantassem para receber o aplauso da pateia.

"Junior, Marinho, José Augusto, Odir, Mestre Ramito, Valdir. Esse prêmio veio para dizer que a arte de vocês é parte desse patrimônio brasileiro. O que vocês sabem e fazem todos os dias, é importante e por favor resistam, sigam com sua arte".

Helena Lima, do Museu Emílio Goeldi, ressaltou o aprendizado que o projeto Oca trouxe a todos os envolvidos. "Aprendi com o Oca, que se pode atingir grandes objetivos com soluções criativas e de baixo custo. Necessitamos do comprometimento e engajamento de pessoas e instituições e isso felizmente nós conseguimos em Gurupá. O premio permitirá visibilidade, novas parcerias e também fortalecerá a continuidade das ações, estreitando ainda mais os laços entre o Museu Goeldi e a comunidade do Gurupá. Foi um prazer estar ao lado de outras grandes projetos, de enorme excelência para com o patrimônio brasileiro". 

Outro vencedor que visa a integração da sociedade com a gestão pública é o projeto Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) que cria um espaço de debates interdisciplinares e interinstitucionais sobre as diversas questões essenciais para a compreensão e difusão das formas de valorização, reconhecimento preservação e salvaguarda do Patrimônio Cultural de Pernambuco. 

"Eu não poderia deixar de registrar a nossa preocupação com este momento do país, as noticias que temos sobre o Ministério da Cultura, sobre o seu futuro em nosso país", disse Renata Martins, representando a Fundarpe. 

Neste momento. uma salva de palmas e gritos vindos da plateia 'ele não'. "Um estado que não tem em sua política pública, o desenvolvimento da Cultura, a valorização da cultura, da identidade cultural de seu povo, ele perde muito. Compartilho essa preocupação com vocês. Sei que cultura é resistência", enfatizou e saiu mais aplaudida.

Do eixo sudeste está o Projeto Vila Maria Zélia – 100 anos, da Associação Cultural Vila Maria Zélia, que celebrou os 100 anos da fundação dessa vila operária e, mais do que isso, debateu sua história e atual situação enquanto patrimônio histórico da cidade de São Paulo. As 210 famílias da pequena Vila transformaram suas memórias em um Centro Cultural, em livro, filme e exposição.

O Projeto II Caravana do Museu Indígena Tremembé é do Ceará, desenvolvido por meio do Conselho Indígena Tremembé de Almofala (CITA) que desta forma, contribuiu para a preservação da memória, do Patrimônio Cultural e para a difusão da cultura dos povos indígenas do Ceará, por meio da realização de uma série de oficinas, palestras, rituais sagrados, danças e apresentações artísticas.  O prêmio foi recebido pelo cacique João Venâncio e pelo pajé Luís Caboclo.

Do Recôncavo Baiano veio o Projeto Restauração e Revitalização da Fazenda Engenho D’Água (BA) que, com a obstinação de Mário Augusto Nascimento Ribeiro e sua família, restaurou a fazenda e tornou o Patrimônio Cultural acessível, viável e autossustentável. Renascida das ruínas, a propriedade é hoje referência de sustentabilidade econômica para a região. 

Já os sons que povoam a vida dos sertanejos estão reunidos no projeto Sonário do Sertão, onde a pesquisadora Camila Machado Garcia de Lima trouxe ao conhecimento de todos os sons do cotidiano, da natureza, de práticas religiosas, de narrativas dos sertanejos, ladainhas e músicas como uma harmoniosa orquestra que torna os sons do sertão um retrato de seu Patrimônio Cultural.   

"Este prêmio vai possibilitar a continuidade do projeto, praticando a cultura de ouvir, e o sertão que tá dentro da gente será ouvido por outras pessoas e sempre, desde sempre, ninguém solta a mão de ninguém", disse Camila Machado, responsável pelo projeto. 

Mais três bens culturais do norte ganham reconhecimento

Além das premiações, foram anunciadas mais três bens culturais da Região Norte que foram reconhecidos como Patrimônio Cultural Brasileiro, o Marabaixo, o Complexo Cultural Boi Bumbá e o Geoglifo localizado no Sítio Arqueológico Jacó Sá, em Rio Branco, no Acre. 

Foi um belíssimo espetáculo, com direção de Júnior Braga que, ao levar essas atrações para um palco composto por projeções de imagens que remetiam tais manifestações a seus lugares de origens, conseguiu nos causar identificação. Lia Sophia convocada para encerrar a festa, apresentou um show potente. Sofisticada e contemporânea, misturou carimbó e guitarrada, com as batidas do zouk e do eletrônico.

É preciso dizer que a cerimônia foi impecável. E a plateia, atuante e implacável. Vaiou a fala do presidente da Fumbel quando este citou o nome do prefeito Zenaldo Coutinho e o aplaudiu quando fez referência ao superintendente do Iphan no Pará. Um claro recado sobre a consciência da população acerca dos desmandos em relação ao patrimônio cultural de Belém. 

O público também cantou junto com Caprichoso e Garantido, se emocionou com as mulheres do Marabaixo, e fechou a noite carimbolando na plateia, nas frisas e camarotes, algo que eu só tinha visto antes, na gravação do DVD de Mestre Vieira, em 2012. 

Foi catártico. Ninguém queria sair dali, ninguém queria e nem vai soltar a mão de ninguém. O Circular Campina Cidade Velha já tem data para sua 24ª edição, no domingo, dia 02 de dezembro. A programação está sendo construída pelos gestores dos espaços que integram o circuito nos bairros da Campina, Cidade Velha e Reduto e em breve estará nas redes sociais e no site (www.projetocircular.com.br). 

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