10.1.20

Curso para potencializar escritoras independentes

Em fevereiro, a escritora e colagista paraense Monique Malcher, 31, atualmente morando em Florianopólis, ministra em Belém um curso de autopublcação para escritoras independentes. Antropóloga e doutoranda em Ciências Humanas, pesquisando quadrinhos e literatura, ela pretende partilhar sua trajetória, incentivando a escrita de outras mulheres. Em entrevista ao blog, ela conta as novidades da carreira e o que vai rolar no curso, cuja pré inscrição já está rolando. 

"Escrevo, e agora? Como me divulgar? Como me autopublicar? Quais as ferramentas e conhecimentos preciso ter? Qual o papel de outras mulheres que escrevem na trajetória individual de cada escritora? A autopublicação é uma alternativa viável?". Monique pretende apresentar alternativas para soluciona questões como essas. O curso também conta com exercícios práticos para a produção de textos que estarão em uma zine coletiva das escritoras participantes do curso, que será lançada virtualmente de forma gratuita. 

Mulher de diversas faces e performances na arte, Monique escreve desde os dez anos de idade, já lançou produções independentes como as zines: Trinstona (2018), E a gente nunca mais se viu (2019) e Mas nem peixe? (2019). Tem contos publicados na revista literária Ruído Manifesto, além de manter uma newsletter que em apenas três meses ultrapassou 200 assinantes. Como colagista, mescla colagem digital e analógica.

Até o primeiro semestre de 2020 estará tanto como colagista, pesquisadora e escritora em obras como: Mulheres e Quadrinhos (Editora Skript e Minas Nerds), Queer e Quadrinhos (Editora Skript e Mina de HQ), Emília 100 (Editora Skript e Carol Pimentel), Zine Poça #1 e Zine Coletivo Declama Mulher.

Outra novidade na carreira é o livro “Flor de Gume” que seria publicado via financiamento coletivo, mas que acabou chamando atenção da escritora Jarid Arraes e será publicado em abril pela editora Pólen/ Selo Ferina (com curadoria de Jarid). A editora Pólen Livros já publicou mulheres como a própria Jarid Arraes e Djamila Ribeiro.

Ficou interessada em fazer o curso? Espere até ler o bate papo que vem a seguir. As informações sobre como participar e ler Monique Malcher estão no final da entrevista.

Holofote Virtual: Movimentos literários que enfatizam obras de escritoras, como o Leia Mulheres. O surgimento de bibliotecas feministas. Este teu curso! Revelar e incentivar a produção de mulheres nesta área. E se olharmos em volta, não é só na área da literatura, também estão ocorrendo ações impulsionadas por mulheres, no cinema, teatro, música... Dentro desse contexto, me fala um pouco da ideia de realizar este curso e de como você enxerga este momento feminista que estamos vivendo?

Monique Malcher: Fico feliz que você tenha citado o Leia Mulheres, porque recentemente conheci Michelle Henriques, a mulher maravilhosa que é uma das criadoras desse projeto incrível, que inclusive acontece em Belém mediado por Pamela Raiol e Pamela Soares. 

Esses movimentos que incentivam a literatura produzida por mulheres são resultado da agência de mulheres que se cansaram dos olhares, decisões e palavras que as colocam em posições inferiores, tanto como leitoras quanto como escritoras. O mercado da arte também nos subestima, mas é preciso que retomemos a autoconfiança, esse sentimento que o homem branco tem de sobra. 

O curso veio de uma agonia que tive no peito por muitos anos, me sentia perdida sobre o que precisava fazer para publicar o que escrevia, para fazer circular meu material e ter coragem de vendê-lo. Desde a insegurança em relação ao ato de escrever até como se negociava com uma gráfica, eram campos desconhecidos e minados para os meus sonhos. Acredito que todo meu trabalho é mulher e ele precisa voltar como voltam as ondas, com mais força e trazendo novas questões/possibilidades. 

Tudo que faço no campo literário e das artes visuais quero partilhar com outras mulheres, não porque sou salvadora de alguma coisa, mas por não querer que outras percam tempo como perdi. É preciso que nos leiam urgentemente e para isso precisamos ultrapassar o argumento de me leia, esse é meu sonho.

Performance Drag: Cílios de Nazaré
(Foto: Gyselle Kolwalski)
Holofote Virtual: Você é da comunicação, tens também relação com a cultura pop dos quadrinhos, zines, e do universo queer. Como isso tudo te habita e quando foi que despertou a veia literária. Que escrita é essa que te move e leva tua assinatura?

Monique Malcher: Escrever sempre foi uma prioridade. A escrita literária era o que eu sempre colocava como o primeiro vagão desse trem enorme que é minha produção. Por um tempo tentei escolher entre as coisas que fazia, por uma pressão externa de um sistema que cobra isso, mas com os trinta anos entendi melhor essas relações. 

A performance drag que fiz por três anos, minha vida de pesquisa com quadrinhos/produção de colagens e o trabalho com músicos e cadernos de cultura, me deram o presente de entender que a imagem e a linguagem escrita tem vários caminhos e que essas experiências me fizeram uma escritora melhor, porque pude conviver com universos completamente diferentes. Sou uma viajante simultânea. Meu interesse é derrubar/construir novas percepções de arte e vida no que me proponho a fazer. Uma escritora precisa estar em movimento, ouvir e observar muito para depois em sua solidão escrever.

Superando a síndrome de impostora

Holofote Virtual: Você vai falar de diversas questões no seu curso, relacionado ao universo independente da literatura. Escrever, lançar, divulgar e se manter no “mercado” digital literário. Quais foram os teus maiores desafios?

Monique Malcher: Além de superar a síndrome de impostora, de que esse não era um lugar que eu poderia circular, o mais difícil foi entender que a qualidade do meu trabalho não estava necessariamente ligada ao fato de ser publicada por uma editora. 

Outro desafio foi ter que, mesmo sem condições financeiras, estudar aspectos técnicos que envolvem uma publicação. A internet e os amigos do meio dos quadrinhos foram essenciais nesse processo. Quadrinhistas como Beatriz Miranda e Dieferson Trindade me deram dicas ótimas, também aprendi indo em feiras independentes, me arriscando e errando muito. 

A primeira publicação que fiz, perdi dinheiro, literalmente, porque eu não acreditava que venderia, imprimia de cinco em cinco exemplares, o que deixava ainda mais caro o custo. No final eu queria cobrar menos do que eu tinha gasto, sem ao menos colocar ali o valor do meu trabalho artístico, do meu tempo. A venda do produto literário independente também precisa da autoestima, que às vezes falta para uma mulher que cresceu sendo violentada com afirmações de que não seria boa o bastante.

Holofote Virtual: Você agora está morando em Florianópolis. Ouvi dizer que a cidade tem uma cena muito interessante e diversa culturalmente. Não conheço (ainda). O que tens feito, por que fostes? 

Monique Malcher: A mudança foi por conta de um doutorado em ciências humanas na UFSC, lia muitas produções de mulheres do Instituto de Gênero daqui e queria muito ter essa experiência, estudo um quadrinho de Luli Penna sobre mulheres na década de 20 em São Paulo, mas continuo produzindo pesquisas sobre quadrinhos do Pará. 

No momento estou escrevendo um ensaio sobre o quadrinhista Rodrigo Leão do coletivo Ilustra Pretice Pará, que vai ser publicado esse ano em um livro que reunirá entrevistas, artigos e quadrinhos do meio LGBT no Brasil. Futuramente pretendo passar uns meses em São Paulo por conta do meu trabalho de campo da tese orientada pela Dra. Carmen Rial.

Novas publicações e um livro a caminho

Foto: Felipe Lima
Holofote Virtual: Vais estar em uma série de publicações este ano, revistas e zines. Como foram feitas estas conexões?

Monique Malcher: Todas as publicações vieram ou de pessoas que me abordaram durante uma palestra que ministrei ou grupos de artistas, que fui sem conhecer ninguém, ou do trabalho de ficar postando textos na minha newsletter e em outras redes sociais. O instagram principalmente é o canal em que mais divulgo meu trabalho. 

Perder a vergonha de se apresentar, de dizer: olha eu escrevo, eu produzo arte, vou enviar para você ler. Andar com pastas na mochila para todos os lugares com meus trabalhos, porque nunca se sabe quando você vai precisar mostrar o que faz. Responder todas as pessoas com calma e com verdade, sem ser mecânica. Acreditar no trabalho. E principalmente trabalhar mais em grupo com mulheres, movimento que acho essencial para que o crescimento venha para todas.

Holofote Virtual: Vais publicar “Flor de Gume”. Que livro é esse?

Monique Malcher: Flor de Gume é um livro de contos. Essa não é uma flor que existe na natureza, mas considero um híbrido entre a ideia das flores que nascem e sobrevivem na lama, na secura, na violência e que ao mesmo tempo podem nutrir, servir de proteção, mesmo que isso se dê em forma de corte. É aquele mato que arranha as pernas enquanto se corre para bem longe. 

Flor de Gume é feito de contos sobre mulheres com esse sotaque paraense, com dores que navegam pelos rios e pelo asfalto bruto e brutal. Personagens de gerações diferentes: avós, mães e filhas. Também assino a imagem de capa e as colagens do miolo do livro. Provavelmente o lançamento será em abril, em São Paulo, Belém e Florianópolis.

Clube de escrita para Mulheres
Holofote Virtual: E havia uma campanha de financiamento, mas foi suspensa, e agora você vai publicar pela editora Pólen/Selo Ferina, por meio da Jarid Arraes. Como foi isso?

Monique Malcher: O livro começou como todas as minhas produções: independente. Como tenho viajado bastante por conta da pesquisa do doutorado comecei a frequentar os encontros do Clube da Escrita para Mulheres fundado pela escritora Jarid Arraes. É um grupo aberto para qualquer mulher que escreve.

Em um desses encontros Jarid teve curiosidade em ler o livro, ela estava procurando uma autora do Norte para publicar pelo Selo Ferina (ela é curadora desse selo), e depois veio a mensagem de que gostaria muito de publicar o Flor. 

Como a campanha estava no começo, optamos por fechar porque levaria mais tempo para o livro ganhar uma nova cara. Minhas leitoras receberam a novidade muito bem, foi incrível. A história de Jarid também tem raiz na produção independente, algo que ela preza até hoje inclusive. Então a gente se encontrou no momento certo, admiro a literatura que ela faz e ainda mais seu trabalho como editora.

Mulheres escritoras na cena literária de Belém

Holofote Virtual: Para fechar, bora falar um pouquinho da cena literária em Belém. Estás ou estivestes em conexão com os movimentos locais? Como você se vê neste contexto?

Monique Malcher: Sinto que sou muito abraçada pelas leitoras de Belém, isso sem dúvida, sou íntima dos correios por conta disso haha. Mesmo morando em outra cidade a maioria das minhas leitoras são paraenses. Sempre, mesmo antes eu já tinha muitos laços com mulheres que escrevem, mais do que com instituições. Além do Leia Mulheres que já citei, também tem muitas coisas incríveis acontecendo em Belém, vou citar algumas que acho importante se acompanhar de perto.

O Sarau do Povo da Noite, sarau Ver-O-Peso e os eventos de literatura que acontecem na Na Figueredo, Sesc Ver-o-Peso e Livraria Fox (isso falando de eventos no centro, porque como não vivo mais em Belém não saberia citar eventos na periferia). Além das produções das escritoras e poetas Mayara La-Roque, Paloma Franca Amorim, Bianca Levy, Gabriela Sobral e Marcela Inajá.

Para ler e acompanhar

Segue o link da newsletter (https://tinyletter.com/moniquemalcher), "que tá de férias, mas volta em fevereiro", ela logo avisa, mas acessando você pode ler edições anteriores, além de se inscrever.  "Tem três contos que saíram na Ruído Manifesto em dezembro (um deles vai estar no livro Flor de Gume)".  No Instagram, Monique divulga seus projetos e comercializa zines e colagens.

Informações 
Curso “Autopublicação para escritoras independente”

Local: Sesc Ver-o-Peso
Período: 11 a 15 de fevereiro
Hora: 9h às 13h

Pré inscrição: 
Enviar um conto ou prosa poética (até 4 laudas) para moniquemalcher@gmail.com
Resultado: 9 de fevereiro

Inscrição: Dias 10 e 11 de fevereiro
Investimento:
Trab. do comércio/dep.: 20 reais
Estudante/conveniado: 25 reais
Público em geral: 32 reais

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