Ano passado ele esteve por aqui, na intenção de pesquisar locações para seu novo projeto. Em um bate papo com o blog, o cineasta, que está novamente em Belém, desta vez ministrando um curso sobre direção cinematográfica, no Instituto de Artes do Pará, diz mais sobre isso, anuncia a estreia de seu filme mais recente aqui, conta como é seu cinema autoral e fala das perspectivas para se fazer cinema em um país, onde as políticas para o audiovisual estão cada vez mais ausentes.
Contraditoriamente a esta falta de política, porém, há cada vez mais gente apaixonada e interessada em fazer cinema. É o que se percebe por vários motivos, entre eles, a enorme procura pelo curso com Marcelo, uma realização do CANNE (Centro Audiovisual
Norte-Nordeste-FUNDAJ) em parceria com IAP/NPD Pará, o limite
de vagas ficou pra lá de extrapolado.
Ontem, com o auditório lotado, Marcelo apresentou dois
filmes, que têm como cenário, a região Amazônica: “Da janela de meu quarto”, de Cao Guimarães, feito em Algodoal, e “Iracema uma Transamazônica”, de Jorge Bodansky, um clássico que dispensa maiores apresentações. “Vamos refletir sobre o papel do diretor nas diferentes fases do filme,
desde a elaboração da ideia, passando pelo roteiro, direção de atores,
filmagem, finalização”, diz ele que, desde ontem, já coloca em prática
estas metas. “Espero ter tempo para mostrar meus filmes, tanto os curtas quanto os longas, mas o tempo é escasso. Vamos ver o que vai ser possível”, diz Marcelo Gomes.
"Clandestina felicidade" |
De uma forma ou de outra, ele vai repassar aos alunos a sua própria prática de direção. Cineasta de filmes autorais, Gomes tem uma escrita particular. Em “Clandestina Felicidade” (1998), por exemplo, ele traz fragmentos de infância, descoberta do mundo pelo olhar curioso da criança-escritora Clarice Lispector. Feito em parceria com o jornalista, diretor, ator e estilista, também pernambucano, Beto Normal, a livre adaptação do conto autobiográfico da escritora revela numa Recife dos anos trinta, em que a pequena Clarice divide sua meninice entre o seu "dia-a-dia" e a paixão pelos livros.
Antes, Marcelo já havia feito “Maracatu, Maracatus” (1995), onde explora a raiz cultural deflagradora do movimento/conceito Manguebeat. No filme, que tem produção de Cláudio Assis e trilha, claro, de Chico Science, Marcelo faz uma crítica às abordagens sobre o Maracatu, sempre folclóricas e superficiais, revelando os aspectos religiosos e culturais mais profundos dessa importante manifestação cultural do povo pernambucano, passando por gerações de integrantes do maracatu rural e ritual afro-indígena, que tem suas origens nos engenhos de açúcar de Pernambuco.
O curta ganhou vários prêmios: Melhor Ator no Festival de Brasília 1995; Melhor Curta em 35mm no Festival de Brasília 1995; Melhor Som Direto no Festival de Brasília 1995 e Melhor Fotografia no Festival de Cuiabá 1995.
Mais tarde, em 2002, ele reaparece roteirista de Madame Satã, filme dirigido pelo parceiro cearense, Karim Aïnouz (O Céu de Suely).
"Maracatu, Maracatus" |
Mais um trabalho super premiado, como o que veio em seguida, “Cinema, Aspirinas e urubus” (2005), com a co-direção de Karim. Em “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” (2009), retoma a fórmula road movie que já se viu no longa anterior, o primeiro dele, mas em um tom mais poético e experimental. Tanto que demorou dez anos para ficar pronto.
O interesse em estar em Belém, no entanto, vai além do mero ensino. Marcelo esteve aqui ano passado, pesquisando para seu próximo filme, uma adaptação que pretende fazer do livro “Relato de um certo Oriente”.
Trata-se do primeiro romance de Milton Hatoum, em que o autor aborda a família e seus dramas, mostrando as dificuldades da convivência diária de familiares e amigos entre si, com seus diferentes segredos e comportamentos.
A filmagem em Belém ainda não está definida, mas o cineasta revela que gostou muito dos casarios, mercados e outras possibilidades de locações por aqui.
No papo que segue com o Holofote Virtual, Marcelo fala mais sobre o cinema pernambucano e as políticas implantadas por lá para dar impulso ao audiovisual e conta mais de seu novo trabalho, um novo longa que, segundo ele em breve veremos em Belém. “É uma informação em primeira mão. 'Era uma Vez Eu, Verônica"estreia aqui dia 20 de fevereiro, no Cinema Libero Luxardo”, revela.
Marcelo, recebenndo uma premiação |
Holofote Virtual: Estivestes em Belém pela primeira vez, em 1998, no I Festival Internacional de Cinema da Amazônia, capitaneado pela Flávia Alfinito. Você também veio para a estreia do Aspirinas...?
Marcelo Gomes: É verdade. A primeira vez exibi meu curta “Clandestina Felicidade”. Faz mais de uma década. Lembro que foi uma experiência muito agradável. Belém é uma cidade muito curiosa, peculiar, com uma personalidade própria. No lançamento do Aspirinas não foi possível, soube que a repercussão do filme aqui foi muito boa.
Voltei o ano passado para uma visita de alguns dias para pesquisa de locação para um novo projeto. Pretendo adaptar para o cinema, o filme do Milton Hatoum o Relato de um certo Oriente. Visitei a cidade e fiquei fascinado com o casario colonial, o Mercado, os portos, as cidades ribeirinhas.
Holofote Virtual: Os anos 1990 foram o início da carreira. O que mudou no Marcelo Gomes diretor de hoje em relação aquele jovem que estava realizando os primeiros curtas?
Marcelo Gomes: O que me interessa, nos meus filmes, é falar dos momentos que enfrentamos, os grandes dilemas da existência humana, seja abandonar a família e ter que migrar como o Ranulpho, em Cinema, Aspirinas e Urubus, ou mesmo o momento da perda afetiva como Zé Renato, em Viajo porque preciso, Volto porque te amo.
"Era uma vez, Verônica" |
Isso se mantém desde a época de meus curtas.
Meu cinema tem um tom naturalista, quase documental. Eu venho do documentário. Então na minha ficção eu gosto sempre de unir o real com a ficção.
Colocar meus atores em locações reais, em situações reais.
Unir esses dois universos e construir um diálogo entre eles ao ponto de se mimetizarem foi o grande desafio. Então acho que não mudou meu pensamento sobre o cinema que eu quero fazer, mas sim as ideias se cristalizaram, amadureceram.
Holofote Virtual: Em "Era uma Vez Eu, Verônica", seu novo filme, você sai mais do sertão e migra o drama para a cidade do Recife. Tem como protagonista uma mulher, diferente, por exemplo, de Aspirinas, onde os homens protagonizam o drama...
Marcelo Gomes: No fundo queria fazer um filme existencialista tropical. Se você mora em Recife, à beira-mar, num clima aprazível, não pode ter dúvidas? Verônica é luminosa, mas tem suas questões. Esta é uma sociedade em que relações sociais estão muito horizontalizadas, não verticalizadas.
A Verônica constrói, de uma forma ou de outra, um espaço de reflexão sobre si entre o trabalho no hospital, o pai que está doente, as amigas que tem de ver, as festas que tem de ir, os sorrisos que tem de rir. Isso é que é legal: a Verônica descobre esses espaços na contemporaneidade maluca, aflitiva, apressada – e essa pressa não chega a lugar nenhum – para refletir sobre a própria vida.
"Viajo porque preciso, volto porque te amo" |
Além disso, Verônica vive essa “malese ”, esse mal estar sartriano em que a vida lhe dá milhões de opções de caminhos, ela decide por um deles e segue angustiada pelos outros caminhos que não viveu. E aí que vem o vazio sentido por toda uma geração e tão bem revelado nas letras das músicas de Karina Buhr.
Holofote Virtual: A cultura híbrida pernambucana tem gerados inúmeros movimentos de música e de cinema, principalmente na capital, Recife. Como você vê o horizonte cinematográfico de Recife em relação ao resto do país?
Marcelo Gomes: Pernambuco construiu uma política de editais que foi iniciada já faz algum tempo. Vários curtas e longas foram produzidos, mas o que foi mais importante é que esses filmes tiveram uma visibilidade nacional e internacional. O governo decidiu então ampliar as áreas de atuação dentro do audiovisual e ainda aprimorar o edital. Hoje em dia o estado é referência nacional.
Holofote Virtual: Mas o país está sem perspectivas, a política dos editais enfraqueceu... Como fazer cinema no Brasil, hoje?
"Cinema, aspirinas e urubus" |
Marcelo Gomes: Diminuíram os editais federais e aumentou a quantidade de projetos. Está cada dia mais difícil produzir.
Holofote Virtual: É.. mas não se desiste nunca... Fala dos teus projetos para este ano.
Marcelo Gomes: Além do projeto de adaptar o livro do Milton, espero finalizar um longa que trabalhei por anos com o diretor mineiro Cao Guimarães. O filme está em fase de montagem e é inspirado no conto do Edgar Alan Poe “O Homem das Multidões”. E ainda pretendo realizar o um longa sobre o Tiradentes, dentro do projeto do Bicentenário das lutas independentes na America Latina que será exibido pela TV espanhola.
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