Após o debate, a cantora e compositora Iva Rothe e o músico Maurício Panzera fizeram a trilha sonora para os autógrafos (apoio M.M. Produções) e o artista visual Armando Sobral presenteou Frei Betto com uma tela de sua autoria.
Frei Betto agradeceu a acolhida e com humor e tranquilidade falou à plateia atenta, sobre a experiência de ser biografado. “Comentam comigo sobre estar vivo e já ter biografia. E digo que é melhor ter biografia que obituário”, brincou. “E é curioso a gente ser biografado, porque é um espelho que de um lado reflete a trajetória de vida da gente, mas ao mesmo tempo surpreende”, disse. “Muitas coisas vão se apagando da memória, mas pessoas têm essas referências e é enriquecedor. A gente lê sobre a própria vida e recebe essas informações como novidades”, disse Frei Betto.
Foi uma noite de aula histórica. Frei Betto contou várias passagens de sua vida e algumas bem peculiares, como estar em Belém no dia em que o golpe de 64 foi deflagrado. Na plateia, pessoas interessadas em buscar uma saída para atual situação do país. Contundente, Frei Betto disse que não há outra senão o movimento popular.
"Só acredito em mudança que vem de baixo pra cima. E perceber qual o sentido da minha existência. Vou reforçar que lado?", indagou. Foram algumas horas em que respiramos profundo e renovamos a esperança. Para cada um ali presente, foi uma experiência libertadora e que agora minimamente compartilho com vocês.
Trajetória viva e de grandes novidades
Para elaboração do livro 200 pessoas foram entrevistadas, além do biografado. Arquivos preciosos com informações das atividades Dominicanas, ordem religiosa de Frei Betto, foram acessados. Os autores viajaram por vários lugares do Brasil e foram a dois países onde Frei Betto tinha trabalho intenso, Nicarágua e Cuba.
“Eu mesmo me surpreendo quando leio o livro porque tem informações que já não estavam presentes na minha memória. Eu já não me lembrava, por exemplo, que o Januário (Guedes, cineasta paraense) estava comigo na noite em que fui preso pela primeira vez, em 1964, no Rio de Janeiro”, comentou Frei Betto.
Januário, na plateia também comentou. “Hoje eu vim aqui vê-lo, 52 anos depois daquela fatídica noite. Éramos companheiros da época do JEC - Juventude Estudantil Católica e JUC – Juventude Universitária Católica”, disse Januário, emocionado.
O livro ajuda a precisar também, aspectos dos anos de prisão de Frei Betto, que também ficou preso entre 1969 e 1971, de quando morou numa favela no estado do Espírito Santo, por cinco anos, e aborda seu trabalho no ABC paulista, na Pastoral Operária.
“É de onde vem minha ligação ao Lula e a criação do PT e a CUT, embora eu nunca tenha entrado em nenhum partido político. E ainda o meu trabalho nos países socialistas, em Cuba, principalmente e, por fim, o trabalho no Planalto Central como assessor do Lula no programa Fome Zero.
Fome Zero era programa emancipador
Fome Zero era programa emancipador
"No Fome Zero, em três ou quatro anos, a família cadastrada já não dependeria do Governo Federal. Ao contrário, no Bolsa Família, quem sai, volta à miséria", ressaltou Frei Betto.
O controle do cadastro para o Fome Zero estava nas mãos de comitês gestores independentes, onde vinham despontando lideranças políticas, dentro do movimento social, o que, obviamente, desagradou políticos corruptos, interessados em deter o poder do cadastro e escolhas para participação no Fome Zero, usando isso, claro, à favor de suas condutas má intencionadas, ou seja, utilizar o Fome Zero como barganha política em períodos eleitorais. Assim, prefeitos de vários municípios brasileiros se uniram, foram ao Planalto, pressionaram Lula, que cedeu à pressão eo Fome Zero, acabou! E assim, Frei Betto deixou a assessoria do então presidente.
10 anos e o suicídio de Getúlio Vargas
Carlos Alberto Libanio Christo, o Frei Betto nasceu no dia 25 de agosto em Belo Horizonte, no ano de 1944. É filho do jornalista Antônio Carlos Vieira Christo e da escritora e culinarista Maria Stella Libanio Christo. A data de aniversário de seus dez anos foi marcada por um fato surpreendente, o suicídio de Getúlio Vargas.
Frei Betto estava em Belém, no dia 1º de abril de 1964, quando foi deflagrado o Golpe Militar contra o governo legalmente constituído de João Goulart. E diz que este fato ele não tem como esquecer.
“Esse episódio é marcante, eu não esqueci porque era marcante na vida de todos nos brasileiros, mesmo dos que nasceram depois. E foi no dia 1º de abril. Não no dia 31 de março, como os militares tentam retroagir com vergonha do Dia da Mentira, mas foi 1º de abril, eu estava em Belém no congresso Latino Americano de Estudantes. Na época eu era Dirigente da Ação Católica”.
No dia seguinte tentou embarcar para o Rio de Janeiro, mas quase não conseguiu, pois sua passagem havia sido emitida pelo governo de João Goulart e, pela nova ordem, todas as passagens que tivessem sido adquiridas pelo governo derrubado, estavam suspensas. Os milagres, aqueles pequenos milagres, porém, acontecem e Frei Betto conseguiu embarcar Rio, mas teve que descer em Recife, onde acabou indo à posse do Arcebispo D. Helder Câmara que estava assumindo o arcebispado da capital pernambucana.
A cultura do ódio e os despolitizados
A cultura do ódio e os despolitizados
O bate papo com a plateia suscitou discussões sobre a cultura do ódio que vem sendo nutrida há um longo tempo, alimentando o comportamento de uma massa despolitizada e, consequentemente, manipulada pela mídia.
“A questão do ódio é algo muito bem bolado pelo capitalismo, faz parte da cultura neoliberal, quanto mais você desracionaliza a política, mais as pessoas perdem visão histórica e estratégica, e isso dá margem pra emoção. E ai tá tranquilo, pois a discussão emocional pode levar horas e ninguém conclui nada. O sistema tem colaborado pra isso”, disse Frei Betto.
“A questão do ódio é algo muito bem bolado pelo capitalismo, faz parte da cultura neoliberal, quanto mais você desracionaliza a política, mais as pessoas perdem visão histórica e estratégica, e isso dá margem pra emoção. E ai tá tranquilo, pois a discussão emocional pode levar horas e ninguém conclui nada. O sistema tem colaborado pra isso”, disse Frei Betto.
“Estamos respirando uma cultura nociva, desconstruindo o humano em função do império do capital. Mas vamos guardar o pessimismo para dias melhores, nós precisamos é construir um novo Brasil. Recolher os cacos que estão aí, não ficar de cabeça baixa, saber que as contradições vão se aguçar, mas também precisamos ter propostas. Tudo pode mudar a qualquer momento. Pode começar uma guerra entre os Estados Unidos e a Rússia por causa da Síria", disse.
Ele também reforçou algo em que acredito plenamente. "São despolitizadas as pessoas que só tem percepção da vida como fator biológico: eu nasci, estudo para ter profissão, me caso, tenho filho e trabalho pra manter a família. São politizadas as pessoas que têm uma visão da vida como biográfica, que percebem que a vida tem sentido histórico, como pessoa, classe social, nação, povo e como momento histórico. Quando entendemos isso, não há sistema que possa nos cooptar, porque a gente percebe o que dá valor a vida é o sentido que imprimimos nessa trajetória", continuou. "Não tem jeito, o caminho é o movimento popular. Precisamos construir um novo Brasil", concluiu.
Ele também reforçou algo em que acredito plenamente. "São despolitizadas as pessoas que só tem percepção da vida como fator biológico: eu nasci, estudo para ter profissão, me caso, tenho filho e trabalho pra manter a família. São politizadas as pessoas que têm uma visão da vida como biográfica, que percebem que a vida tem sentido histórico, como pessoa, classe social, nação, povo e como momento histórico. Quando entendemos isso, não há sistema que possa nos cooptar, porque a gente percebe o que dá valor a vida é o sentido que imprimimos nessa trajetória", continuou. "Não tem jeito, o caminho é o movimento popular. Precisamos construir um novo Brasil", concluiu.
Quatro anos e mais um golpe
Um livro corajoso, elaborado com cuidadosa pesquisa, que resulta num trabalho necessário, a biografia de Frei Betto levou quatro anos para ser escrita e lançada. Américo Freire e Evanize Sydown trazem à tona a trajetória de Frei Betto, em 435 páginas, 24 delas, com fotografias. Ao todo, 24 capítulos, páginas de agradecimentos, notas, bibliografia consultada, e um índice onomástico, sem falar no prefácio de Fidel Castro.
“Não queríamos um livro de caráter nem pontificado e nem heroico. Queríamos que fosse um livro que pudesse intervir no debate contemporâneo. Nada de chapa branca, elogioso, superficial. A ideia era fazer uma pesquisa séria e múltipla, abarcando as diversas atividades e aspectos da vida e da obra do Betto. Transitamos por sua obra, ou alguns dos livros dele, que em boa parte estão resenhados e analisados”, disse Américo.
O livro começou a ser escrito em 2012, lembrou Evanize Sydown. “Era um momento mais otimista do que vivemos hoje. Estamos entregando o livro num tempo de pessimismo. Qual a potência do livro neste momento que estamos vivendo. Ele traz um pouco o perfil de um personagem que tem uma trajetória muito coerente”, comentou Evanize.
E é neste contexto tão difícil que o livro tem sido lançado pelo país.
“Estávamos escrevendo em meio à crise, e isso certamente nos inspirou, então esse livro é a resposta do que estamos vivendo. A biografia expressa determinados valores que são caros e precisam ser disseminados e registrados. Serve para combater este conservadorismo radical que nos assola. Estamos vivendo tempos de cólera", disse Américo.
“Há várias histórias a serem contadas a partir da biografia do Frei Betto, pessoa múltipla, que está em redes e núcleos tão diferentes, mas cabendo tudo num livro só”, concluiu Evanize. "Esta biografia não é definitiva, não acredito nisso, ainda mais sendo uma biografia do Frei Betto, que é uma pessoa que tem muitas vidas”, concluiu Américo.
“Estávamos escrevendo em meio à crise, e isso certamente nos inspirou, então esse livro é a resposta do que estamos vivendo. A biografia expressa determinados valores que são caros e precisam ser disseminados e registrados. Serve para combater este conservadorismo radical que nos assola. Estamos vivendo tempos de cólera", disse Américo.
“Há várias histórias a serem contadas a partir da biografia do Frei Betto, pessoa múltipla, que está em redes e núcleos tão diferentes, mas cabendo tudo num livro só”, concluiu Evanize. "Esta biografia não é definitiva, não acredito nisso, ainda mais sendo uma biografia do Frei Betto, que é uma pessoa que tem muitas vidas”, concluiu Américo.
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