Fotos: Alan Soares. Ilustração e arte : Vilson Vicente |
As gravações do 1o DVD do Trio Manari iniciam amanhã com entrevistas, que serão realizadas em locações externas, em Belém, mas o público poderá participar, nesta quarta-feira, 5, do show no Teatro Waldemar Henrique, às 19h, com entrada gratuita. Os ingressos começam a ser distribuídos nesta terça-feira, na bilheteria do teatro, que fica na Praça da República. Intitulado “Sons da Floresta”, o projeto foi contemplado pelo Programa Rumos Itaú Cultural 2018.
Foram necessários 18 anos para chegar ao primeiro DVD, mas isso é só um detalhe. Formado por Márcio Jardim, Nazaco Gomes e Kleber Benigno “Paturi”, o Trio Manari vem pesquisando e difundindo a música amazônica, focada na questão instrumental percussiva e, mergulhado numa "orquestra" de sons que a floresta produz naturalmente, o grupo ganhou reconhecimento, assim como os percussionistas são hoje referências, com trabalhos pessoais e inúmeras parcerias e participações.
O blog vai publicar até quarta-feira, uma entrevista exclusiva com cada um dos percussionista, iniciando com Márcio Jardim, que além do Trio Manari, hoje, vem se apresentando, produzindo e tecendo arranjos percussivos com Sebastião Tapajós, Lia Sophia, Fafá de Belém, Nilson Chaves, Pepeu Gomes, Paulinho Mosca, Celso Viáfora, dentre outros artistas, além de viajar o mundo com turnês pelo Canadá, Argentina, Suriname, Portugal, França, Alemanha, Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos. Marcio Jardim também atua como professor, e recentemente criou e dirige o Grupo Jardim Percussivo, que com ajuda de amigos lançaram seu primeiro CD.
Nascido em família de músicos, desde muito cedo ele já tinha o pé no batuque. Foi nas rodas de samba em sua casa que ele encontrou o primeiro palco. Desde então, passou a se dedicar à música, tendo como seu primeiro instrumento, o pandeiro. Depois disso foi estudar no conservatório Carlos Gomes, na turma de percussão clássica e lá conheceu seus dois grandes parceiros, com os quais criou, em 2000, o Manari. Na entrevista a seguir, realizada durante a sessão de fotos no Museu Emílio Goeldi, Márcio Jardim dá a sua versão do surgimento do grupo e fala de momentos importantes em toda essa trajetória.
Márcio Jardim: Faz até mais tempo, a gente se juntou para fazer um estudo da percussão. No início o Nazaco não podia, ele é um pouco mais velho que nós e já tinha muitos compromissos na época. Eu e Paturi resolvemos encarar e como o Nazaco não podia na época, a gente chamou o Edson (Santana), que é percussionista também, e foi muito legal com o Edson, mas a liga não era a mesma que rolava entre nós três. Ficamos um tempo com Edson, ele tocava muito Atabaque, vinha do Candomblé, tocava muito, mas só que não deu aquela liga, e aí a gente deu uma pausa e quando nos reencontramos com o Nazaco, retomamos os estudos. E aí é que tudo começou a andar um pouco mais e fundamos o Manari.
Holofote Virtual: As pessoas muitas vezes se perguntam se o Manari terminou... Esse DVD significa aí uma volta definitiva do Trio Manari?
Márcio Jardim: Na verdade não é bem uma volta, porque a gente nunca parou, mas como a gente fez muita coisa separadamente, fica parecendo. Fazemos cada um muitos trabalhos e estamos envolvidos com muitas coisas. Eu tenho o projeto Jardim Percussivo, o Paturi tem as coisas dele, o Nazaco tem as coisas dele, então a gente não deu uma parada, a gente deu uma distanciada pra cuidar de outras coisas da própria vida mesmo.
O Paturi tá fazendo faculdade, então todos começaram a fazer outras coisas, e no fundo, no fundo isso foi bom pro Manari. O meu trabalho com o Jardim Percussivo formando outros garotos, o Nazaco também formando outros alunos, então as pessoas não veem a gente tocando muito nesses últimos anos, acha que a gente está parado, mas na verdade a gente nunca separou, sempre trabalhamos e gravamos com muita gente, fizemos grandes trabalhos e seguimos assim.
Holofote Virtual: Qual é a concepção desse trabalho do DVD?
Márcio Jardim: O Manari, desde o início, tem a questão instrumental percussiva, e ele teve uma caminhada diferente, hoje a gente voltou pra onde o trabalho iniciou. Antigamente, o trabalho era mais raiz com percussão e sempre teve outros instrumentistas, mas a percussão sempre esteve mais na frente. Com o tempo, a gente foi trabalhando com vários cantores, compositores, as coisas foram mudando um pouco, ficou até muito popular, e a gente ficou trabalhando muito em função dos outros, do que do nosso próprio trabalho.
Agora a gente voltou para essa raiz, vão ter peças de percussão realmente grandes, com todo mundo fazendo partes diferentes, compartilhando mesmo dos tambores, porque os últimos trabalhos que a gente fez, como te falei, foi muito em cima das músicas das outras pessoas, trabalhamos mais para acompanhar, e agora não, estamos voltando às nossas raízes mesmo, e os tambores estão na frente.
Holofote Virtual: O DVD está trazendo músicas inéditas e uma regravação. Fala um pouco sobre o trabalho.
Márcio Jardim: São sete músicas, sendo que três chamei os meninos para trabalhar em cima do que eu já tinha escrito. Vão ter músicas do William (Jardim), que é meu filho. É música dele que o Davi Amorim (guitarrista) fez o arranjo. Tem um Merengue também, que era uma batida que a gente já tinha, e aí pegamos essa batida e pedimos pro Manasses (Malcher – trombonista) fazer um arranjo, que também está muito bacana.
Holofote Virtual: Como é que é o nome?
Márcio Jardim: Pois é, essa não. Os nomes ainda estão em andamento (risos), mas já tem a Suíte e a Titurito, que é o apelido de infância do William, e que agora foi pro disco. Tem um Boi, que foi o Nazaco que fez, e tem música que a gente está arrumando nome ainda, mas tá praticamente tudo pronto.
Além das inéditas vamos regravar Dançando no Rio, que é uma música nossa que tocou muito aqui em Belém, tocou muito nas rádios, na rádio Cultura aqui, e marcou. Onde toca todo mundo sabe que é do Manari, então o Paturi teve a ideia de reformular essa música, chamando um amigo nosso, o Ziza (Padilha, músico, produtor arranjador) para fazer o arranjo para Marimba e Vibrafone, para dar outra sonoridade.
Holofote Virtual: Porque a escolha do Teatro Waldemar Henrique para a gravação?
Márcio Jardim: A gente até tentou outros lugares, mas Deus sempre faz as coisas do jeito certo, o Waldemar Henrique sempre foi um lugar onde a gente trabalhou muito, fizemos grandes shows lá, sempre com a casa cheia, então acho que acertamos na escolha, lá a gente se sente em casa mesmo.
Holofote Virtual: Quais as melhores lembranças e conexões do Manari ao longo dessa trajetória?
Márcio Jardim: Participamos de vários festivais por aí. Os mais fortes, que eu me lembre, foi o festival PERCPAM (Panorama Percussivo Munidal), produzido pelo Nana Vasconcelos e que que acontece em SP, RJ, BH. Participamos em SP, e foi quando a gente encontrou o (Giovanni) Hidalgo, o (Marcos) Suzano. A gente encontrou muita gente. O Naná Vasconcelos, inclusive, e foi quando a gente conversou com ele sobre nossa possível ida ao PASIC (Percussive Arts Society Internacional Convention), que é o maior encontro de percussão do mundo.
Tivemos que correr atrás aqui por Belém. Falamos com o Ricardinho (Ricardo Coelho de Souza, percussionista paraense residente nos EUA, professor na University of Oklahomaa School of Music). Mandamos o material pra ele e conseguimos. O PASIC festival é assim o ápice da carreira do percussionista, um grande encontro de percussão mesmo, porque lá está todo mundo, os melhores bateristas, percussionistas do mundo, fomos realmente contemplados em estar lá.
Na época a gente ia fazer um show com o Naná Vasconcelos, mas como ele adoeceu não pôde ir, fomos nós três. Lembro que chegando lá encontramos novamente com o Giovanni Hidalgo, mas tu sabes como é, esses caras são famosos, e a gente achava que ele não ia mais lembrar da gente, mas nada disso, quando nos viu lá nos EUA, de longe, ele já começou a sorrir, veio abraçar a gente, nos reconheceu.
Acho que, querendo ou não, temos um trabalho que passa uma mensagem da alegria. Nós o convidamos pra tocar com a gente neste festival, já que o Naná estava doente e ele topou, mas a gente acreditou muito não. O cara é “endoser” da LP, que é a maior fábrica de instrumento de percussão do mundo, fica todo mundo atrás dele, mas ele falou que ia ...
Nosso concerto ia ser às seis da tarde, quando deu cinco horas ele bateu lá, a gente não acreditou, ele chegou lá e aí passamos as músicas com o cara, ele ficou louco, queria tocar todas as músicas, só não conseguiu tocar todas na hora porque algumas eram complexas pra pegar na hora, tinha que entender melhor o que estava acontecendo, as figuras rítmicas e tal, mas ele tocou praticamente metade do show, ficou alegre, solou, foi maravilhoso, um negócio assim de outro mundo, inesquecível.
Holofote Virtual: Quais os CDs já gravados pelo Manari?
Márcio Jardim: Temos o “Braços da Amazônia”, CD instrumental que nos lançou nestes festivais e shows mundo afora; temos outro CD com músicas cantadas, que fizemos junto com o Marco André. Gravamos o CD “Manari” com Sebastião Tapajós e o Ney Conceição. E tem um CD também com um baixista chamado Rubem Farias, que é de São Paulo, ainda não foi lançado, mas é um CD pancada também.
Holofote Virtual: São composições de vocês?
Márcio Jardim: É misturado. Tem músicas nossas, músicas dos caras, música em conjunto e tem um trabalho com o Dante Ozetti também. Então são cinco CDs na verdade.
Holofote Virtual: Outra peculiaridade desse trabalho está nos instrumentos do grupo, em busca de uma sonoridade mais autêntica da Amazônia. Como isso repercutiu no universo da percussão?
Márcio Jardim: No mundo percussivo mundial, tem aqueles instrumentos que já são bem batidos, mas que funcionam em qualquer trabalho, como Congas, Timbales, Bongo, e coisa brasileiras, como surdos, coisas assim, e quando a gente começou a trabalhar com os ritmos da Amazônia, a gente quis colocar nossos instrumentos na frente. Os primeiros a virarem a cara pra gente foram os próprios produtores, porque eles eram acostumados com esses outros instrumentos.
A gente meio que impôs os nossos, que eles nem conheciam, porque antes, não sei se estou falando bobagem, mas as gravações que a gente escuta, tem muito as batidas nordestinas, né? Muito triângulo, zabumba, que é muito legal, mas empurramos mesmo nossos instrumentos. Usamos o Marabaixo e o Curimbó, e isso já foi uma coisa diferente, porque quando tu escutas as músicas nos discos, ou nos shows, a sonoridade é outra, mesmo trabalhando com os ritmos brasileiros e mundiais, a gente sempre preferiu usar nossos instrumentos.
Holofote Virtual: Tem alguma coisa que querias acrescentar, para encerrarmos, algo que aches importante?
Márcio Jardim: Eu acho importante falar das gerações que estão trabalhando junto com a gente, a gente já está um pouco mais velho, agora tem os meus filhos, os garotos que vão tocar, tem a geração dos meninos do sopro que também vão tocar, tem o Felipe (Ricard – saxofonista), tem o Manasses (Malcher – trombonista), que é outra geração já, então tem várias gerações e, dentro disso, acho importante essa troca com o Manari, porque a gente acaba dando uma linguagem atual para o trabalho.
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